31.12.15

Antonio Cicero: "Desejo"




Desejo

Só o desejo não passa
e só deseja o que passa
e passo meu tempo inteiro
enfrentando um só problema:
ao menos no meu poema
agarrar o passageiro.




CICERO, Antonio. "Desejo". In:_____. Porventura. Rio de Janeiro: Record, 2013.

25.12.15

Algernon Charles Swinburne: de "The Garden of Proserpine" / de "O Jardim de Proserpina": trad. de Arthur Nogueira




From too much love of living

From too much love of living,
From hope and fear set free,
We thank with brief thanksgiving
Whatever gods may be
That no life lives for ever;
That dead men rise up never;
That even the weariest river
Winds somewhere safe to sea.



SWINBURNE, Algernon Charles. From "The Garden of Proserpine". In:_____. Poems and ballads & Atalanta in Calydon. Org. por Kenneth Haynes. London: Penguin Books, 2000.




Por amar demais esta vida

Por amar demais esta vida,
Sem nada a esperar ou temer,
Eis aqui a graça devida
A seja lá que deus houver
Por vida alguma ser eterna;
Por morto algum sair da terra;
E até porque o rio que erra
Um dia alcança um mar qualquer.



Tradução de Arthur Nogueira

22.12.15

Sylvio Fraga: "Retrato em Veneza"




Retrato em Veneza

O fim do dia é nosso,
o cano vermelho no muro
desvia a bola
do menino, a placa
indica um gancho suave
no peito em direção
a nossos pais,
resistimos, voltamos
quase bêbados
para fazer um filho
e no último instante
perder coragem.
Seu rosto tem uma
luz de uísque,
dependendo da luz.



FRAGA, Sylvio. "Retrato em Veneza". In:_____. Cardume. Rio de Janeiro: 7 letras, 2015.

19.12.15

T.S. Eliot: "Ash-Wednesday" / "Quarta-feira de Cinzas": Ivan Junqueira (trad.)




Ash-Wednesday

I

Because I do not hope to turn again
Because I do not hope
Because I do not hope to turn
Desiring this man's gift and that man's scope
I no longer strive to strive towards such things
(Why should the aged eagle stretch its wings?)
Why should I mourn
The vanished power of the usual reign?


Because I do not hope to know again
The infirm glory of the positive hour
Because I do not think
Because I know I shall not know
The one veritable transitory power
Because I cannot drink
There, where trees flower, and springs flow, for there is nothing again


Because I know that time is always time
And place is always and only place
And what is actual is actual only for one time
And only for one place
I rejoice that things are as they are and
I renounce the blessed face
And renounce the voice
Because I cannot hope to turn again
Consequently I rejoice, having to construct something
Upon which to rejoice


And pray to God to have mercy upon us
And pray that I may forget
These matters that with myself I too much discuss
Too much explain
Because I do not hope to turn again
Let these words answer
For what is done, not to be done again
May the judgement not be too heavy upon us


Because these wings are no longer wings to fly
But merely vans to beat the air
The air which is now thoroughly small and dry
Smaller and dryer than the will
Teach us to care and not to care
Teach us to sit still.


Pray for us sinners now and at the hour of our death
Pray for us now and at the hour of our death.



ELIOT, T.S. "Ash-Wednesday". In:_____. Collected poems 1909-1962. London: Faber and Faber, 1963.



Quarta-feira de Cinzas

I

Porque não mais espero retornar
Porque não espero
Porque não espero retornar
A este invejando-lhe o dom e àquele o seu projeto
Não mais me empenho no .empenho de tais coisas
(Por que abriria a velha águia suas asas?)
Por que lamentaria eu, afinal,
O esvaído poder do reino trivial?

Porque não mais espero conhecer
A vacilante glória da hora positiva
Porque não penso mais
Porque sei que nada saberei
Do único poder fugaz e verdadeiro
Porque não posso beber
Lá, onde as árvores florescem e as fontes rumorejam,
Pois lá nada retorna à sua forma

Porque sei que o tempo é sempre o tempo
E que o espaço é sempre o espaço apenas
E que o real somente o é dentro de um tempo
E apenas para o espaço que o contém
Alegro-me de serem as coisas o que são
E renuncio à face abençoada
E renuncio à voz
Porque esperar não posso mais
E assim me alegro, por ter de alguma coisa edificar
De que me possa depois rejubilar

E rogo a Deus que de nós se compadeça
E rogo a Deus porque esquecer desejo
Estas coisas que comigo por demais discuto
Por demais explico
Porque não mais espero retornar
Que estas palavras afinal respondam
Por tudo o que foi feito e que refeito não será
E que a sentença por demais não pese sobre nós

Porque estas asas de voar já se esqueceram
E no ar apenas são andrajos que se arqueiam
No ar agora cabalmente exíguo e seco
Mais exíguo e mais seco que o desejo
Ensinai-nos o desvelo e o menosprezo
Ensinai-nos a estar postos em sossego.

Rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte
Rogai por nós agora e na hora de nossa morte.



ELIOT, T.S. "Quarta-feira de Cinzas". In:_____. Poesia. Tradução, introdução e notas de Ivan Junqueira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981.




16.12.15

Friedrich Hölderlin: "Das Unverzehliche" / "O imperdoável": trad. Paulo Quintela




O imperdoável

     Se vós, amigos, esqueceis, se escarneceis o artista,
     E entendeis de modo mesquinho e vulgar o espírito mais fundo,
     Deus perdoa-vo-lo; mas não perturbeis
     Nunca a paz dos que se amam.




Das Unverzeihliche

Wenn ihr Freunde vergeßt, wenn ihr den Künstler höhnt,
Und den tieferen Geist klein und gemein versteht,
Gott vergibt es, doch stört nur
Nie den Frieden der Liebenden.



HÖLDERLIN, Friedrich. "Das Unverzeihliche"/"O imperdoável". In: QUINTELA, Paulo (org. e trad.). Hölderlin: poemas. Coimbra: Atlântida, 1959.

14.12.15

Machado de Assis: "Soneto de Natal"



Soneto de Natal

Um homem, — era aquela noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno, —
Ao relembrar os dias de pequeno,
E a viva dança, e a lépida cantiga,

Quis transportar ao verso doce e ameno
As sensações da sua idade antiga,
Naquela mesma velha noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno.

Escolheu o soneto... A folha branca
Pede-lhe a inspiração; mas, frouxa e manca,
A pena não acode ao gesto seu.

E, em vão lutando contra o metro adverso,
Só lhe saiu este pequeno verso:
"Mudaria o Natal ou mudei eu?"



ASSIS, Machado de. "Soneto de Natal". In:_____. "Ocidentais". In:_____. Obra completa, vol.III. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1973. 

12.12.15

Pedro Du Bois: "Partir"




Partir

Sinto a hora: a partida invade a espera
despedaçada. Retornar é o remédio
na prescrição sábia do entorno.

Sou errante
colocado sobre cidades
emparedadas: sonho
idas
e desprezo
voltas.

Tortos ângulos
tergiversam respostas:
a aposta se distancia
e me perco
em cartas mal amadas.




BOIS, Pedro Du. "Partir". In:_____. O livro infindável e outros poemas. Mossoró: Sarau das Letras, 2015.


10.12.15

Lêdo Ivo: "A saudação"




A saudação

Todo anonimato
tem os seus limites.
O melhor disfarce
não esconde nada.

Usar uma máscara
a ninguém evita
ser reconhecido
em plena avenida.

Segredo e silêncio
são engano e vento.
Quando à noite passo

pela praça, a estátua
desce o pedestal
e me cumprimenta.



IVO, Lêdo. "A saudação". In:_____. Antologia poética. Porto: Edições Afrontamento, 2012.

7.12.15

Màximo Simpson: "La fuente" / "A fonte": trad. Jair Ferreira dos Santos



A fonte

É pálida, violácea, transparente,
é rubra mas verde,
é azul mas emana rupturas de desejo.
É única talvez,
ou é múltipla, incorpórea.
Não é ausência nem olvido,
e espreita de longe, de perto,
de dentro do náufrago e seu traje.
É o centro sem centro da dor,
a fonte inexplicável dos dias que passam.




La fuente

Es pálida, violácea, transparente,
es roja pero es verde,
es azul pero emana rupturas del deseo.
Es única tal vez,
o es múltiple, incorpórea.
No es ausencia ni olvido,
y acecha desde lejos, desde cerca,
desde dentro del náufrago y su traje.
Es el centro sin centro del dolor,
la fuente inexplicable de los días que pasan.




SIMPSON, Máximo. "La fuente" / "A fonte". Trad. de Jair Ferreira dos Santos. In: Candido. Jornal da Biblioteca Pública do Paraná, nº 52, novembro de 2015.

5.12.15

Cecília Meireles: "Homem que descansas à sombra das árvores"




Homem que descansas à sombra das árvores

Homem que descansas à sombra das árvores,
com um cesto de frutas cercado de abelhas,
a camisa aberta, o sol derramando
pela tua barba pétalas vermelhas,

– vires de tão longe, do reino da Fábula
para adormeceres nesta humilde estrada!
De onde são teus sonhos? De que céus e areias?
Que é da tua vida, ó sultão do nada?



MEIRELES, Cecília. "Homem que descansas à sombra das árvores". In:_____. "Canções". In:_____. Obra poética. Rio de Janeiro: José Aguilar Editora, 1967.

3.12.15

Dylan Thomas recita "And death shall have no dominion"


Ouçam o poeta Dylan Thomas a ler seu poema "And death shall have no dominion", cujo texto, em inglês e em português, na tradução de Augusto de Campos, encontra-se na postagem anterior:



Dylan Thomas: "And death shall have no dominion" / "E a morte não terá domínio": trad. Augusto de Campos





And death shall have no dominion

And death shall have no dominion.
Dead man naked they shall be one
With the man in the wind and the west moon;
When their bones are picked clean and the clean bones gone,
They shall have stars at elbow and foot;
Though they go mad they shall be sane,
Though they sink through the sea they shall rise again;
Though lovers be lost love shall not;
And death shall have no dominion.

And death shall have no dominion.
Under the windings of the sea
They lying long shall not die windily;
Twisting on racks when sinews give way,
Strapped to a wheel, yet they shall not break;
Faith in their hands shall snap in two,
And the unicorn evils run them through;
Split all ends up they shan't crack;
And death shall have no dominion.

And death shall have no dominion.
No more may gulls cry at their ears
Or waves break loud on the seashores;
Where blew a flower may a flower no more
Lift its head to the blows of the rain;
Though they be mad and dead as nails,
Heads of the characters hammer through daisies;
Break in the sun till the sun breaks down,
And death shall have no dominion.



E a morte não terá domínio

E a morte não terá domínio.
Nus, os mortos há de ser um.
Com o homem ao léu e a lua em declínio.
Quando os ossos são só ossos que se vão,
Estrelas nos cotovelos e nos pés;
Mesmo se loucos, há de ser sãos,
Do fundo do mar ressuscitarão
Amantes podem ir, o amor não.
E a morte não terá domínio.

E a morte não terá domínio.
Sob os turvos torvelinhos do mar
Os que jazem já não morrerão ao vento,
Torcendo-se nos ganchos, nervos a desfiar,
Presos a uma roda, não se quebrarão,
A fé em suas mãos dobrará de alento,
E os males do unicórnio perderão o fascínio,
Esquartejados não se racharão
E a morte não terá domínio.

E a morte não terá domínio.
Os gritos das gaivotas não mais se ouvirão
Nem as ondas altas quebrarão nas praias.
Onde uma flor brotou não poderá outra flor
Levantar a cabeça às lufadas da chuva;
Embora sejam loucas e mortas como pregos,
Testas tenazes martelarão entre margaridas:
Irromperão ao sol até que o sol se rompa,
E a morte não terá domínio.




THOMAS, Dylan. "And death shall have no dominion" / "E a morte não terá domínio". Trad. Augusto de Campos. In:_____. CAMPOS, Augusto de. Poesia da recusa. São Paulo: Perspectiva, 2006.

1.12.15

Eduardo Tornaghi: "Graal"





Graal

Há uma outra leitura
Dentro de cada poema.
Não se contente nunca
Com um sentido apenas.

Há na superfície mesmo
Escondida nas obviedades,
Nas tônicas, nos termos,
Nas vírgulas, na sintaxe,

Uma pulsação que exala
O mistério das sensações,
uma alguma outra fala
que salta de formas e sons.

Sentidos muitos se tramam
em teias, em redes, impulso
onde o que nos humana
Goza ao tocar o oculto.



TORNAGUI, Eduardo. "Graal". In:_____. Matéria de rascunho: poemas. Rio de Janeiro: Edição 00 (duplo zero), 2011.

29.11.15

Federico Garcia Lorca: "Soneto de la dulce queja" / "Soneto da doce queixa": trad. de José Bento




Soneto de la dulce queja

Tengo miedo a perder la maravilla
de tus ojos de estatua y el acento
que de noche me pone en la mejilla
la solitaria rosa de tu aliento.

Tengo pena de ser en esta orilla
tronco sin ramas; y lo que más siento
es no tener la flor, pulpa o arcilla,
para el gusano de mi sufrimiento.

Si tú eres el tesoro oculto mío,
si eres mi cruz y mi dolor mojado,
si soy el perro de tu señorío,

no me dejes perder lo que he ganado
y decora las aguas de tu río
con hojas de mi otoño enajenado.



Soneto da doce queixa

Assusta-me perder a maravilha
de teus olhos de estátua e o acento
que pela noite a face me polvilha
a erma rosa que há no teu alento.

Tenho pena de ser sobre esta orilha
tronco sem ramos, e a dor que sustento
é não ter eu a flor, polpa ou argila
pró verme de meu próprio sofrimento

se és meu tesouro oculto, que sitio,
se és minha cruz e meu sofrer molhado
e eu o cão preso de teu senhorio,

não me deixes perder o que me é dado:
vem decorar as águas do teu rio
com folhas de meu outono perturbado.




LORCA, Federico Garcia. "Soneto de la dulce queja"/"Soneto da doce queixa". In:_____. Antologia poética. Trad. de José Bento. Lisboa: Relógio d'Água, 1993.


27.11.15

Dado Amaral: "quando vê o ipê florido"




quando vê o ipê florido
acontece do poeta
pensar com o corpo

é que a carne pesa
e o músculo manifesta
seu querer ser flor
aflorar, florescer
deflorar o dia

revelar-se
na flor insólita
do poema



AMARAL, Dado. "quando vê o ipê florido". In:_____. Poeria. Rio de Janeiro: Mundo das Ideias, 2012.

23.11.15

Manuel Alegre: "As facas"





As facas

Quatro letras nos matam quatro facas
que no corpo me gravam o teu nome.
Quatro facas amor com que me matas
sem que eu mate esta sede e esta fome.

Este amor é de guerra. (De arma branca).
Amando ataco amando contra-atacas
este amor é de sangue que não estanca.
Quatro letras nos matam quatro facas.

Armado estou de amor. E desarmado.
Morro assaltando morro se me assaltas.
E em cada assalto sou assassinado.

Quatro letras amor com que me matas.
E as facas ferem mais quando me faltas.
Quatro letras nos matam quatro facas.



ALEGRE, Manuel. "As facas". In:_____. Coisa amar (coisas do mar). Lisboa: Perspectivas & Realidades, 1976

19.11.15

Olavo Bilac: "Nel mezzo del camin..."





Nel mezzo del camin...

Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E alma de sonhos povoada eu tinha...

E paramos de súbito na estrada
Da vida: longos anos, presa à minha
A tua mão, a vista deslumbrada
Tive da luz que teu olhar continha.

Hoje segues de novo... Na partida
Nem o pranto os teus olhos umedece,
Nem te comove a dor da despedida.

E eu, solitário, volto a face, e tremo,
Vendo o teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho extremo.




BILAC, Olavo. "Nel mezzo del camin...". In: BARBOSA, Frederico (org.). Cinco séculos de poesia. Antologia da poesia clássica brasileira. São Paulo: Landy, 2003.

17.11.15

Sétima Bienal Internacional do Livro de Alagoas



Dia 22 de novembro (domingo), às 18h, estarei participando da Sétima Bienal Internacional do Livro de Alagoas, no Espaço Sesc Auditório Ipioca (1º andar). Farei parte da mesa redonda “Poesia e Urbanidade”, com o poeta e tradutor Adriano Nunes - Poeta /AL e o poeta e professor Tainan Costa/AL.

Aguardo os amigos nesse encontro literário!

Antonio Cicero

16.11.15

Federico Garcia Lorca: "Cantos nuevos" / "Cantos novos": trad. William Agel de Melo





Cantos novos

Agosto de 1920
(Vega de Zujaira)

Diz a tarde: "Tenho sede de sombra!"
Diz a lua: "Eu, sede de luzeiros."
A fonte cristalina pede lábios
e suspira o vento.

Eu tenho sede de aromas e de sorrisos,
sede de cantares novos
sem luas e sem lírios,
e sem amores mortos.

Um cantar de manhã que estremeça
os remansos quietos
do porvir. E encha de esperança
suas ondas e seus lodaçais.

Um cantar luminoso e repousado
cheio de pensamento,
virginal de tristezas e de angústias
e virginal de sonhos.

Cantar sem carne lírica que encha
de risos o silêncio
(um bando de pombas cegas
lançadas ao mistério).

Cantar que vá à alma das coisas
e à alma dos ventos
e que descanse por fim na alegria
do coração eterno.



Cantos nuevos

Agosto de 1920
(Vega de Zujaira)

Dice la tarde: "¡Tengo sed de sombra!"
Dice la luna: "¡Yo, sed de luceros!"
La fuente cristalina pide labios
y suspira el viento.

Yo tengo sed de aromas y de risas,
sed de cantares nuevos
sin lunas y sin lirios,
y sin amores muertos.

Un cantar de mañana que estremezca
a los remansos quietos
del porvenir. Y llene de esperanza
sus ondas y sus cienos.

Un cantar luminoso y reposado
pleno de pensamiento,
virginal de tristezas y de angustias
y virginal de ensueños.

Cantar sin carne lírica que llene
de risas el silencio
(una bandada de palomas ciegas
lanzadas al misterio).

Cantar que vaya al alma de las cosas
y al alma de los vientos
y que descanse al fin en la alegría
del corazón eterno.




GARCIA LORCA, Federico. "Cantos nuevos" / "Cantos novos". In:_____. "Libro de poemas (1921)" ; "Livro de poemas".. In:_____. Obra poética completa. Tradução de William Agel de Melo. Brasília: Editora U. de Brasília; São Paulo: Martins Fontes, 1989.

14.11.15

PÁGINA DO FACEBOOK FALSAMENTE ATRIBUÍDA A MIM, ANTONIO CICERO




Aviso aos amigos que não é minha, nem é feita com minha autorização a página do Facebook intitulada "Na cidade frenética [...]", cujo endereço é
https://www.facebook.com/AntonioCiceroCorreiaLima/info/?tab=page_info.
Não tenho nada a ver com essa página.

Antonio Cicero

13.11.15

João Bandeira: poema "Existir existiram" lido por Antonio Cicero










Existir existiram
imagino
em toda a história
seres assim
outras a quem
eu também
me dedicaria
admito

mas na falta de mais
exatos registros
preto no branco é isso:

embora há tempos
transformada em harpia
depois do advento
da fotografia ao menos
para um menino
nenhuma houve ainda
tão linda e quente
como Brigitte



BANDEIRA, João. "Existir existiram". In:_____. Quem quando queira. São Paulo: Cosac Naify, 2015.

11.11.15

Giuseppe Ungaretti: "Eterno": trad. Geraldo Holanda Cavalcanti




Eterno

Entre uma flor colhida e outra ofertada
o inexprimível nada



Eterno

Tra un fiore colto e l'altro donato
l'inesprimibile nulla



UNGARETTI, Giuseppe. "Eterno". In:_____. A alegria. Edição bilíngue. Tradução e notas de Geraldo Holanda Cavalcanti. Rio de Janeiro: Record, 2003.







8.11.15

Jorge Salomão: "luz da manhã"





luz da manhã
você abrindo a porta
depois da noite morta
tudo é flor
meu Rio maio cor
acende rápido
um beijo em pleno asfalto
se abre em rios
luz da manhã
caminho 
ruas vazias
na varanda filtra o sol
alegria!
outra paixão
linda luz
entre mistérios
decifra-me ou devoro-te
nova canção
na luz da manhã




SALOMÃO, Jorge. "luz da manhã". In:_____. Mosaical. Rio de Janeiro: Gryphus, 1994.

7.11.15

Bertolt Brecht: "Der Lernende" / "O aprendiz": trad. Wira Selanski




O aprendiz

Primeiro construí na areia, depois na rocha,
Quando a rocha ruiu,
Não construí mais nada.
Depois construí muitas vezes de novo
Ora na areia, ora na rocha, porém
Eu aprendi.

Aqueles a quem confiei a carta
Jogaram-na fora. Os outros, que nem notei,
A mim a trouxeram de volta.
Então aprendi.

O que eu mandei fazer não foi realizado,
Mas quando cheguei ao lugar
Vi que seria errado. O certo
Foi feito.
Disso eu aprendi.

As cicatrizes doem
No tempo frio.
Mas eu digo sempre: só o túmulo
Não me ensina mais nada.




Der Lernende

Erst baute ich auf Sand, dann baute ich auf Felsen.
Als der Felsen einstürzte
Baute ich auf nichts mehr.
Dann baute ich oftmals wieder
Auf Sand und Felsen, wie es kam, aber
Ich hatte gelernt.

Denen ich den Brief anvertraute
Die warfen ihn weg. Aber die ich nicht beachtete
Brachten ihn mir zurück.
Da habe ich gelernt.

Was ich auftrug, wurde nicht ausgerichtet.
Als ich hinkam, sah ich
Es war falsch gewesen. Das Richtige
War gemacht worden.
Davon habe ich gelernt.

Die Narben schmerzen
In der kalten Zeit.
Aber ich sage oft: nur das Grab
Lehrt mich nichts mehr.





BRECHT, Bertolt. "Der Lernende"/"O aprendiz". Trad. de Wira Selanski. In: SELANSKI, Wira (org.). Fonte: Antologia da lírica alemã. Rio de Janeiro: Editora Velha Lapa, 1999.

3.11.15

Abel Silva: "Relógio de pulso"




Relógio de pulso

O tempo me expõe suas teias
mas não num relógio de pulso
o tempo me pulsa nas veias.



SILVA, Abel. "Relógio de pulso". In:_____. O gosto dos dias. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2014.

31.10.15

Fernanda Torres: "Da Natureza"



O seguinte artigo de Fernanda Torres foi publicado ontem em sua coluna da Folha de São Paulo:



Da Natureza


Sou católica, mas rejeito o mea-culpa cristão, estranho o sotaque andrógeno dos padres, não creio em redenção pós-mortem e sou propensa às tentações da carne.

Na missa de sete anos da morte do meu pai, no belo Mosteiro de São Bento, tentei, mais uma vez, me ater ao rito, mas foi em vão.

Na saída, padre Matias, um clérigo de vocação, permitiu que visitássemos o claustro.

Na calma atemporal do pátio interno, admirei a dedicação do sacerdote à biblioteca do mosteiro. Ali, sim, comunguei de sua devoção à Igreja.

A arte e o intelecto são a luxúria de Matias, prazeres que não enxergo como pecado.

Meu filho, ainda mais avesso à cruz do que eu, acha impossível conciliar a compaixão de Cristo com a morbidez dos dogmas e a riqueza acumulada do clero.

Não o condeno.

O caráter maniqueísta, culposo, masoquista de uma crença nascida do fundo arcaico do Mediterrâneo, destoa do histórico de opulência do Vaticano e do paganismo greco-romano que, ainda hoje, nos rege.

Ganhei de aniversário do poeta Antonio Cicero um livraço que esclarece o paradoxo.

"A Virada" (Companhia das Letras), do teórico e professor de Harvard Stephen Greenblatt, narra a descoberta, em 1417, do poema "De Rerum Natura", "Da Natureza", de Tito Lucrécio Caro, por um dos primeiros humanistas, calígrafo e caçador de livros, Poggio Bracciolini.

Escrito no séc. 1 a.C., o poema permaneceu esquecido em um dos tantos monastérios que, depois do apagão do Império Romano, guardaram o que restou do saber da antiguidade.

"Da Natureza" resistiu aos incêndios das bibliotecas, à fúria bárbara e à censura cristã. Seu conteúdo é fiel ao atomismo de Demócrito, ao prazer de Epicuro e à ideia de que o destino dos homens não é regido pela vontade dos deuses.

A ligação entre o poema de Lucrécio e Epicuro veio à luz muito tempo depois do feito de Poggio. Em 1753, rolos de papiro com trechos de "Da Natureza" foram encontrados nas escavações do balneário de Herculano, vizinho à Pompeia, também soterrado pelo Vesúvio em 79 d.C.

A biblioteca da casa abastada de Herculano pertenceu a uma elite epicurista que cultivava uma existência livre do medo da danação divina.

"A Virada" explica o porquê de Platão e Aristóteles terem sido absorvidos pelo cristianismo, enquanto Epicuro foi jogado no lixo da história.

Seu universo sem ideal ou alma transcendente, regido por partículas, com deuses indiferentes à necessidade humana e espécies evoluindo ao acaso não caberia na fé cristã. Difamado, a felicidade terrena que pregava foi transformada em escárnio e excesso.

Os 7.400 versos de Lucrécio serviram de estopim para a Renascença e a modernidade. Bruno, Galilei, Shakespeare, Maquiavel e Botticelli os leram, e também o avô de Darwin, Montaigne, More, Moliére e Thomas Jefferson.

Quem diria que, 600 anos depois de "Da Natureza" renascer das cinzas, a Guerra Santa voltasse à baila e o humanismo caísse em desuso?

Preservamos muitos dos pavores medievais, mas evoluímos ateus. Somos materialistas que rezam o Pai Nosso.

Vem daí a minha dificuldade de comungar na missa, vem de Poggio o prazer intelectual do padre Matias e de Epicuro a profunda empatia que sinto ao caminhar por Pompeia e pensar que, sim, eu poderia ser um deles.


Fernanda Torres

29.10.15

Katia Maciel: "sono parece nuvem"





sono parece nuvem
nuvem parece branco
branco parece cor
cor parece amor
amor parece suor
suor parece torpor
torpor parece taça
taça parece água
água parece mar
mar parece tudo

nada parece nada




MACIEL, Katia. "sono parece nuvem". In:_____. Repetir. Rio de Janeiro: +2, Editora Circuito, 2015.

26.10.15

"A casa": Letra: Vinícius de Moraes / Música: Sergio Bardotti / Canto: Adriana Calcanhotto




A casa

Era uma casa
Muito engraçada
Não tinha teto
Não tinha nada
Ninguém podia
Entrar nela não
Porque na casa
Não tinha chão
Ninguém podia
Dormir na rede
Porque a casa
Não tinha parede
Ninguém podia
Fazer pipi
Porque penico
Não tinha ali
Mas era feita
Com muito esmero
Na rua dos Bobos
Número zero.






Vejam que delícia Adriana Calcanhotto a cantar a canção "A casa", de Vinícius de Moraes e Sergio Bardotti, durante o lançamento do seu livro Antologia ilustrada da poesia brasileira, publicado pela Editora Casa da Palavra:


24.10.15

Fernando Pinto do Amaral: "Palavras"




Palavras

Sentas-te ainda à mesa – escreves
palavras tão compactas, tão opacas
como a luz que te cega. Cada dia
promete o infinito em meia dúzia
de palavras – o amor,
a vida, o tempo, a morte, a esperança,
o coração. Repete-as,
repete-as muitas vezes em voz alta
e escuta a sua música
até não quererem dizer nada.



AMARAL, Fernando Pinto do. "Palavras". In:_____. Pena suspensa. Lisboa: Dom Quixote, 2004.

20.10.15

Odylo Costa, filho: "Campo largo, campo maior"




Campo largo, campo maior

                                  A Francisco Pereira da Silva


Fascinam-me os levantes da alvorada.
No alpendre da casa adormecida
a rede traz o dia e o despedaça
na garganta dos galos-de-campina.

As árvores se esbatem na neblina.
Chifres riscam os ventos da chapada.
Choram bois no curral. Vaqueiros leves
pulam no dorso dos cavalos bravos.

Pisadas pelo gado e pelas gentes
miúdas flores do chão morrendo cheiram,
no pedregulho ruivo ressuscitam.

Riachos vão brotando por aí.
E na mão da menina uma cutia
se junta arisca a um nambu que chora.



COSTA Filho, Odylo. "Campo largo, campo maior". In:_____. "Notícias de amor". In:_____. Poesia completa. Rio de Janeiro: Aeroplano / Fundação Biblioteca Nacional, 2010.

18.10.15

Hans Magnus Enzensberger: "Middle class blues": trad. Markus J. Weininguer e Rosvitha Friesen Blume





Middle class blues

Nós não temos nada a reclamar.
Nós temos o que fazer.
Nós estamos servidos.
Nós estamos comendo.

A grama cresce,
A curva do PIB,
A unha,
As épocas passadas.

As ruas estão vazias.
As planilhas de balanço perfeitas.
As sirenes se calam.
Aquilo passa.

As pessoas falecidas fizeram seu testamento.
A chuva diminuiu.
A guerra ainda não está declarada.
Aquilo não tem pressa.

Nós comemos a grama.
Nós comemos o PIB.

Nós comemos as unhas.
Nós comemos as épocas passadas.


Nós não temos nada a ocultar.
Nós não temos nada a perder.
Nós não temos nada a dizer.
Nós temos.

A corda do relógio está ajustada.
As condições estão bem definidas.
A louça está lavada.
A última condução está passando.

Ela está vazia.

Nós não temos nada a reclamar.

Nós estamos esperando o que afinal?




Middle class blues

Wir können nicht klagen.
Die verhältnisse sind geordnet.
Wir sind satt.
Wir essen.

Das gras wächst.
Das sozialprodukt,
Der fingernagel,
Die vergangenheit.

Die strassen sind leer.
Die abschlüsse sind perfekt.
Die sirenen schweigen.
Das geht vorüber.

Die toten haben ihr testament gemacht.
Der regen hat nachgelassen.
Der krieg ist noch nicht erklärt.
Das hat keine eile.

Wir essen das gras.
Wir essen das sozialprodukt.

Wir essen die fingernägel.
Wir essen die vergangenheit.

Wir haben nichts zu verheimlichen.
Wir haben nichts zu versäumen.
Wir haben nichts zu sagen.
Wir haben.

Die uhr ist aufgezogen.
Wir haben zu tun.
Die teller sind abgespült.
der letzte autobus fährt vorbei.

Er ist leer

Wir können nicht klagen.

Worauf warten wir noch?




ENZENSBERGER, Hans Magnus. "Middle class blues". In: BLUME, Rosvitha Friesen; WEININGUER, Markus J. (organização e traduções). Seis décadas de poesia alemã. Do pós-guerra ao início do século XXI. Antologia bilingue. Florianópolis: Editora UFSC, 2012. 

15.10.15

Elizabeth Bishop: "Insomnia" / "Insônia": trad. Paulo Henriques Britto





Insônia

A lua no espelho da cômoda
está a mil milhas, ou mais
(e se olha, talvez com orgulho,
porém não sorri jamais)
muito além do sono, eu diria,
ou então só dorme de dia.

Se o Mundo a abandonasse,
ela o mandava pro inferno,
e num lago ou num espelho
faria seu lar eterno.
— Envolve em gaze e joga
tudo que te faz sofrer no

poço desse mundo inverso
onde o esquerdo é que é o direito,
onde as sombras são os corpos,
e à noite ninguém se deita,
e o céu é raso como o oceano
é profundo, e tu me amas.




Insomnia

The moon in the bureau mirror
looks out a million miles
(and perhaps with pride, at herself,
but she never, never smiles)
far and away beyond sleep, or
perhaps she's a daytime sleeper.

By the Universe deserted,
she'd tell it to go to hell,
and she'd find a body of water,
or a mirror, on which to dwell.
So wrap up care in a cobweb
and drop it down the well

into that world inverted
where left is always right,
where the shadows are really the body,
where we stay awake all night,
where the heavens are shallow as the sea
is now deep, and you love me. 




BISHOP, Elizabeth. "Insomnia" / "Insônia". In:_____. Poemas escohidos de Elizabeth Bishop. Seleção, tradução e textos introdutórios de Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

13.10.15

Ivan Junqueira: "A mão que escreve"





A mão que escreve

A mão que escreve é aquela
que não pôde, inepta,
agarrar o que lhe era
devido nesta gleba:
glória, insígnias, troféus
e algo enfim que soubesse
àquilo a que, incrédulos,
chamamos vida eterna.

A mão que escreve é aquela
cujas linhas, babélicas,
descumpriram o périplo
que lhes previa a esfera
de um trismegístico Hermes,
e que, por dolo e inércia,
deixou rolar a pérola
que arrancara do pélago.

A mão que escreve é aquela
que foi, além de réproba
e amiúde analfabeta,
muitas vezes canhestra:
enfiou por ínvias vielas,
urdiu frases sem nexo,
bateu-se em tolos duelos
e excedeu-se, sem rédeas.

A mão que escreve é aquela
que compôs alguns versos,
odes, canções de gesta
e elegias sem metro,
às quais ninguém deu crédito
nem ouvidos. Aquela
que ergueu um brinde aos féretros
de uma insepulta Grécia.




JUNQUEIRA, Ivan. "A mão que escreve". In:_____. O outro lado. 1998-2006. Rio de Janeiro: Record, 2007.

11.10.15

Dante Milano: "Descobrimento da poesia"




Descobrimento da poesia

Quero escrever sem pensar.
Que um verso consolador
Venha vindo impressentido
Como o princípio do amor.

Quero escrever sem saber,
Sem saber o que dizer,
Quero escrever urna coisa
Que não se possa entender,

Mas que tenha um ar de graça,
De pureza, de inocência,
De doçura na desgraça,
De descanso na inconsciência.

Sinto que a arte já me cansa
E só me resta a esperança
De me esquecer do que sou
E tornar a ser criança.



MILANO, Dante. "Descobrimento da poesia". In:_____. "Algumas canções". In:_____. Poesias. Rio de Janeiro: Editora Sabiá / Instituto Nacional do Livro - MEC, 1971.

9.10.15

Séferis, Giórgos: "Rima": trad. José Paulo Paes




Rima

Lábios, vigias de minha paixão outrora acesa
mãos, cadeias da juventude que tão logo passa
cor de um rosto perdido em meio à natureza
árvores... pássaros... caça.

Corpo, rácimo negro sob um sol que te arde
corpo, magnífico navio, que rumo levas?
É esta a hora em que sufoca a tarde
e eu me afadigo a procurar as trevas...

(os dias roem nossa vida sem alarde).




SÉFERIS, Giórgos. "Rima". Trad. José Paulo Paes. In: PAES, José Paulo. Poesia moderna da Grécia. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1986.

6.10.15

Arnaldo Niskier: "Um tiro no Sistema S"




Concordo inteiramente com o seguinte, excelente, artigo de Arnaldo Niskier, publicado na Folha de São Paulo no dia 4 do corrente:


Um tiro no Sistema S

É conhecida a dificuldade do governo federal para fazer o seu ajuste fiscal. Em meio a essa confusão toda, até propostas estapafúrdias acabam sendo feitas, como é o caso de sequestrar os recursos financeiros do Sistema S, o conjunto de nove instituições de interesse de categorias profissionais.
Até há pouco, falava-se em prestigiar o Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego). Anunciava-se um programa de 12 milhões de técnicos. Depois, o número baixou consideravelmente, mas com a política de despir um santo para vestir o outro.
Retirar R$ 8 milhões do Sistema S e colocar nas contas baleadas do governo é condenar entidades beneméritas como o Senac, o Senai, o Senar, o Sesc, o Sesi, o Sebrae, a ABDI (Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial) e a Apex-Brasil (Agência Brasileira de Exportação e Investimentos) a praticamente fechar as portas, como algumas chegaram mesmo a anunciar.
Só o Sesc estima perder cerca de 27 mil funcionários, além de inviabilizar o atendimento de 200 mil alunos no Rio de Janeiro. No caso do Sebrae, o corte programado, se vier a ser confirmado, pode levar a entidade a cobrar pelos seus serviços ou reduzir o número de 8 milhões de microempresários atendidos por ano. É possível imaginar o tamanho desse prejuízo?
A se confirmar a crise, será a maior dos mais de 70 anos de existência do Sistema S, nascido na década de 1940, quando Gustavo Capanema era ministro da Educação. Foi autor das célebres e consagradas Leis Orgânicas do Ensino Industrial e do Ensino Comercial, até hoje vigentes.
A prova da competência do Senai, por exemplo, pode ser medida pelo fato de mais de 60% dos seus alunos estarem empregados, mesmo com a elevada retração do mercado. A entidade, nos 1.008 cursos que oferece, forma aproximadamente 90 mil alunos por ano em 30 segmentos industriais.
Só mesmo um gênio do mal para mexer no setor, provocando a reação indignada de dirigentes como Paulo Skaf, presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). Os números do Senai, por exemplo, são espetaculares: 3,64 milhões de matrículas no ano passado, dos quais 1 milhão ministrados na modalidade do ensino à distância. Já o Sesi formou 217 mil jovens e adultos.
Com essa absurda intervenção do governo federal, uma hipótese provável seria passar a cobrar pelos cursos, mas não há dúvida de que isso representaria um baque nas matrículas. É a fórmula encontrada de prestigiar o que entendemos por ensino profissional?
A se confirmar a pretensão oficial, haverá uma série de perdas nos programas hoje vigentes de educação –sobretudo a construção de creches–, saúde, cultura e esporte.
Haverá uma drástica redução de matrículas e a possível perda de gratuidade nos cursos profissionais do Senac. Enfim, uma queda considerável de substância, como se pudéssemos nos dar ao luxo dessa perda inoportuna.


ARNALDO NISKIER, 80, é membro da Academia Brasileira de Letras e presidente do CIEE (Centro de Integração Empresa-Escola) no Rio de Janeiro.

30.9.15

Olavo Bilac: "Língua portuguesa"



Língua portuguesa

Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...

Amo-te assim, desconhecida e obscura.
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

em que da voz materna ouvi: "meu filho!",
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!



BILAC, Olavo. "Língua portuguesa". In: BANDEIRA, Manuel. Apresentação da poesia brasileira: seguida de uma antologia. São Paulo: Cosac Naify, 2009.

28.9.15

Eduardo Macedo: "Pulsão"




Pulsão


na cama
no elevador

atrás do muro
em Salvador

na sombra da árvore
no quarto escuro

na rua deserta
ladeira incerta

no meio do mato
debaixo d'água

rolando na areia
embaixo da escada

no breu do cinema
madrugada em Ipanema

em qualquer lugar


MACEDO, Eduardo. "Pulsão". In:_____. Poemas quentes. Rio de Janeiro: Personal, 2014.

26.9.15

P.B. Shelley: "Mutability" / "Mutabilidade": trad. de Adriano Scandolara





Mutabilidade

Quais nuvens somos, que ao luar são um véu;
E, aflitas, brilham, oscilam e se apressam,
Riscando a treva em luz! — mas logo o céu
Se fecha em noite, e para sempre cessam:

Ou cordas várias de uma frágil lira
Esquecida, de acordes dissonantes;
Qualquer que seja o zéfiro que as fira,
Nota alguma soará como as de antes.

Em sono — vêm os sonhos, venenosos;
Vigília — desvarios poluem a hora;
Sentir, pensar, alegres, lastimosos;
Guardar a mágoa ou lançá-la embora:

É a mesma coisa! — ao júbilo ou tormento,
Para sua fuga ainda há liberdade:
Ao homem vai-se e não volta o momento;
Nada dura — só Mutabilidade.




Mutability

We are as clouds that veil the midnight moon;
How restlessly they speed, and gleam, and quiver,
Streaking the darkness radiantly!—yet soon
Night closes round, and they are lost for ever:

Or like forgotten lyres, whose dissonant strings
Give various response to each varying blast,
To whose frail frame no second motion brings
One mood or modulation like the last.

We rest.—A dream has power to poison sleep;
We rise.—One wandering thought pollutes the day;
We feel, conceive or reason, laugh or weep;
Embrace fond woe, or cast our cares away:

It is the same!—For, be it joy or sorrow,
The path of its departure still is free:
Man's yesterday may ne'er be like his morrow;
Nought may endure but mutability!




SCHELLEY, P.B. "Mutability" / "Mutabilidade". Trad. de Adriano Scandolara. In:_____. Prometeu desacorrentado e outros poemas. Trad. de Adriano Scandolara. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.

23.9.15

Francis Ponge: "À la rêveuse matière" / "À sonhadora matéria": trad. de Manuel Gusmão




     À sonhadora matéria

     Provavelmente, tudo e todos - e nós mesmos - não somos senão sonhos imediatos da divina Matéria:
     Os produtos textuais da sua prodigiosa imaginação.
     E assim, num certo sentido, poder-se-is dizer que a natureza inteira, nela incluindo os homens, não é senão uma escrita; mas uma escrita de uma certa espécie; uma escrita não-significativa, pelo facto de que não se refere a nenhum sistema de significação; de que se trata de um universo indefinido: propriamente imenso, sem medidas.
     Enquanto que o mundo das palavras é um universo finito.
     Mas pelo facto de ser composto por esses objectos muito particulares e particularmente comoventes, os sons significativos e articulados de que somos capazes, que nos servem ao mesmo tempo para nomear os objectos da natureza e para exprimir os nossos sentimentos,
     Basta sem dúvida nomear o que quer que seja - de uma certa maneira - para exprimir tudo do homem e, no mesmo lance, glorificar a matéria, exemplo para a escrita e providência do espírito.




À la rêveuse matière

     Probablement, tout et tous - et nous-mêmes - ne sommes-nous que des rêves immédiats de la divine Matière.
     Les produits textuels de sa prodigieuse imagination.
     Et ainsi, en un sens, pourrait-on dire que la nature entière, y compris les hommes, n'est qu'une écriture; mais une écriture d'un certain genre; une écriture non significative, du fait qu'elle ne se réfère à aucun système de signification; qu’il s'agit d'un univers indéfini : â proprement parler immense, sans mesures.
     Tandis que le monde des paroles est un univers fini.
     Mais du fait qu'il est composé de ces objets très particuliers et particulièrement émouvants, les sons significatifs et articulés dont nous sommes capables, qui nous servent à la fois à nommer les objets de la nature et à exprimer nos sentiments,
     Sans doute suffit-il de nommer quoi que ce soit - d'une certaine manière - pour exprimer tout de l'homme et, du même coup, glorifier la matière, exemple pour l'écriture et providence de l'esprit.



PONGE, Francis. "À la rêveuse matière" / "À sonhadora matéria". Trad. de Manuel Gusmão. In:_____. "Nouveau recueil" / "Nova recolha". In:_____. Alguns poemas (antologia poética). Seleção, tradução e introdução de Manuel Gusmão. Lisboa: Cotovia, 1996.   


20.9.15

William Butler Yeats: "When you are old and grey and full of sleep" / "Quando estiveres velha, grisalha e sonolenta": trad. de autor anônimo; / "Quando fores velha": trad. de Adriano Nunes





When you are old and grey and full of sleep

When you are old and grey and full of sleep,
And nodding by the fire, take down this book,
And slowly read, and dream of the soft look
Your eyes had once, and of their shadows deep;

How many loved your moments of glad grace,
And loved your beauty with love false or true,
But one man loved the pilgrim soul in you,
And loved the sorrows of your changing face;

And bending down beside the glowing bars,
Murmur, a little sadly, how Love fled
And paced upon the mountains overhead
And hid his face amid a crowd of stars.




YEATS, William Butler. "When you are old and grey and full of sleep". In:_____. The collected works in verse and prose. Vol.2, Epigraph. London: Chapman and Hall Ltd., 1908.


Quando estiveres velha, grisalha e sonolenta

Quando estiveres velha, grisalha e sonolenta
Junto à lareira, toma este livro,
E lê devagar, sonhando com o brilho
Que teus olhos tiveram, mas se apagou;

Quantos amaram teus momentos de graça,
E amaram tua beleza com amor falso ou sincero,
Mas um homem amou tua alma peregrina
E os sofrimentos, que marcavam teu rosto;

E, curvada sobre a lenha ardente,
Lamente, em murmúrios, a fuga do amor
Que se refugiou além das montanhas
E escondeu seu rosto entre as estrelas.


Colhi essa tradução na Internet, sem indicação de autoria. Caso alguém tenha informação segura sobre sua autoria, agradeceria se deixasse uma mensagem.


Agradeço a nosso querido Adriano Nunes por nos ter enviado sua versão do mesmo poema de Yeats. Ei-la:

Quando fores velha

Quando fores velha e triste e cansada,
E em ordem co' o fogo, pega este livro
E lê lentamente, e lembra o olhar vivo
Que tinhas, e da sombra aprofundada.

Amaram-te dias de graça grácil,
E teu fulgor co' amor falso ou sincero,
Mas amou-te um ser n'alma o destempero,
E as mágoas da tua face volátil.

E curvando-te à grade incandescente,
Murmura, amarga, como o amor fugiu
E seguiu monte acima, a subir sempre
E a face em grupos d'astros encobriu.



NUNES, Adriano. "Quando fres velha".



Antonio Cicero

19.9.15

Nelson Ascher: "Geolírica Leminskiana"





GEOLÍRICA LEMINSKIANA


Eu Rio Bonito
Tu Vinhas do Cabo
Ele Amazonas
Nós Lemos
Vós Paris
Eles São Marcos da Serra


ASCHER, Nelson. "Geolírica Leminskiana". Publicado no Facebook.

17.9.15

Antonio Cicero: "Prólogo"




Podem ouvir-se belos poemas no programa "A Vida Breve", da Antena2 Rádio e Televisão de Portugal - Antena2. Adorei lá escutar excelentes poemas, inclusive um meu, recitado por mim mesmo. Trata-se de "Prólogo", do meu livro A cidade e os livros. Encontra-se aqui: http://www.rtp.pt/play/p1109/e206893/a-vida-breve

16.9.15

Fernando Pinto do Amaral: "Relâmpago"




Relâmpago

Rompe-se a escuridão quando ao olhar
para uma face o mundo se ilumina
com uma claridade repentina
capaz de, só por si, fazer brilhar

a substância tão irregular
de tudo o que se acende na retina
e através da luz se dissemina
por entre imagens vãs, até formar

um fluido movimento, uma paisagem
a que estes olhos quase não reagem
salvo se nesse instante o rosto for

transfigurado pela fantasia.
E às vezes é só isso que anuncia
aquilo a que chamamos o amor.



AMARAL, Fernando Pinto do. "Relâmpago". In:_____. Poesia reunida 1900-2000. Lisboa: Dom Quixote, 2000.

15.9.15

Escrito em voz alta: com Antonio Cicero, Eucanaã Ferraz e João Bandeira

No Centro Universitário Maria Antonia, às 20h de amanhã:

Clique para ampliar:

12.9.15

Bernardo Vilhena: "Que música é essa?"




Que música é essa?

Que música é essa?
Que invade o poema
E me impele a escrever?

Que ritmo é esse?
Que escolhe palavras
A seu bel prazer?

Que som é esse?
Ruído imperfeito
A quebrar o desenho
Que parecia tão claro
E agora desfeito
Desdenha da forma
E se impõe por si só?

A melodia interrompida
Imita a vida com nuances
Surpresas, acasos e improvisos

Nada me resta além
Do silêncio quebrado
E a imprecisão dos sentidos



VILHENA, Bernardo. "Que música é essa?". In: Cândido. Jornal da Biblioteca Pública do Paraná,  nº 49, agosto de 2015. 

10.9.15

George Gordon Byron: estrofe XIX de "Beppo: a Venetian story" / "Beppo: uma história veneziana": trad. Paulo Henriques Britto





XIX

Já viste uma gôndola, meu prezado
Leitor? Vou descrever – é coisa à toa:
Um barco negro, coberto, alongado,
Leve e compacto; tem de ferro a proa,
E é por dois remadores tripulado.
Mais parece um caixão numa canoa,
E dentro dele, o que se diga ou faça
Jamais é percebido por quem passa.



XIX

Didst ever see a Gondola? For fear
You should not, I'll describe it you exactly:
'Tis a long covered boat that's common here,
Carved at the prow, built lightly, but compactly,
Rowed by two rowers, each call'd "Gondolier,"
It glides along the water looking blackly,
Just like a coffin clapt in a canoe,
Where none can make out what you say or do.




BYRON, George Gordon. Estrofe XIX. Trad. de Paulo Henriques Britto. In:_____. Beppo: uma história veneziana. Trad. de Paulo Henriques Britto. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010.  

8.9.15

Manuel Bandeira: "Momento num café"




Momento num café

Quando o enterro passou
Os homens que se achavam no café
Tiraram o chapéu maquinalmente
Saudavam o morto distraídos
Estavam todos voltados para a vida
Absortos na vida
Confiantes na vida.

Um no entanto se descobriu num gesto largo e demorado
Olhando o esquife longamente
Este sabia que a vida é uma agitação feroz e sem finalidade
Que a vida é traição
E saudava a matéria que passava
Liberta para sempre da alma extinta.




BANDEIRA, Manuel. "Momento num cafe". In:_____. 50 poemas escolhidos pelo autor. São Paulo: Cosacnaify, 2006.

6.9.15

Francisco Alvim: "O gênio da língua"




O gênio da língua

Corno manso
Bobo alegre



ALVIM, Francisco. "O gênio da língua". In:_____.  "Elefante". In:_____. Poemas [1968-2000]. Rio de Janeiro: 7 Letras; São Paulo: Cosacnaify, 2004.

4.9.15

Anacreonte: "As rédeas da alma" / trad.: Frederico Lourenço




As rédeas da alma

Jovem de olhar inocente,
procuro-te no meio das outras pessoas,
mas tu não reparas,
pois não sabes que deténs as rédeas da minha alma.



ANACREONTE. "As rédeas da alma". Trad. de Frederico Lourenço. In: LOURENÇO, Frederico (org.). Poesia grega de Álcman a Teócrito. Lisboa: Cotovia e Frederico Lourenço, 2006.



Clique para ampliar:


Exposiçao Narrativas Poéticas no Rio de Janeiro

A curadoria geral da exposição NARRATIVAS POÉTICAS é de Helena Severo; a curadoria especial de artes plásticas é de Franklin Espath Pedroso; e a curadoria especial de poesia é de Antonio Cicero e Eucanaã Ferraz.

Clique para ampliar:

1.9.15

Arnaldo Antunes: "nada"








nada
com um vidro na frente
já é alguma coisa


nada
com um vento batendo
já é alguma coisa


nada
com o tempo passando
já é alguma coisa


mas
não é nada









ANTUNES, Arnaldo. "nada". In:_____. agora aqui ninguém precisa de si. São Paulo: Companhia das Letras, 2015

30.8.15

José Almino: "Poema"



Poema

I

Assombrosa é a nitidez do dia
Indiferente ao espanto da morte.

A reunião penitente  dos amigos
E a timidez dos afetos
Pastoreiam a ausência horrível
Nas coisas inertes.

II

O que fica para amanhã
É (quase sempre) o mesmo de hoje.
Como um sujeito oculto,
Guia
E nos exaure aos poucos.

Pouco a pouco.




ALMINO, José. "Poema". Inédito.

29.8.15

Três franceses e uma alemã

Clarisse Fukelman e Gustavo Chataignier são os curadores da seguinte homenagem aos pensadores Gilles Deleuze, Hannah Arendt, Jean-Paul Sartre e Roland Barthes:


Clique na imagem, para ampliá-la:


































Encontram-se notícias e trechos das obras dos homenageados na seguinte página do Face:




28.8.15

Rogério Batalha: "a vida"





a vida

você
precisa
inventar

o

resto
deixa
que
o
sol
FECUNDA




BATALHA, Rogério. "a vida". In:_____. Exercício de nuvens. Rio de Janeiro: TextoTerritório, 2015.

26.8.15

Augusto de Campos: "desumano"





Clique na imagem, para ampliar:



CAMPOS, Augusto de. "desumano" (2004). In:_____. Outro. São Paulo: Perspectiva, 2015.

25.8.15

Stéphane Mallarmé: "Brise marine" / "Brisa marinha": trad. Guilherme de Almeida




Brisa marinha

A carne é triste, e eu li todos os livros, todos.
Fugir! Além! Eu sei que há pássaros já doidos
Por se ver entre os céus e a espuma do alto-mar!
Nada, nem os jardins refletidos no olhar,
Retém meu coração que já no mar se aninha,
Nem, ó noites, a luz da lâmpada sozinha
Sobre o papel vazio, intangível de brilho,
E nem a mulher moça amamentando o filho.
Hei de partir! Vapor de mastros oscilantes,

Ergue a âncora para regiões extravagantes!
Um Tédio desolado, entre anseios intensos,
Ainda acredita no supremo adeus dos lenços!
E esse mastros, talvez, cheios de maus presságios,
São dos que um vento faz vagar sobre os naufrágios
Sem ilhas férteis e sem mastros de veleiros…
Mas, ó minha alma, ouve a canção dos marinheiros!



Brise marine

La chair est triste, hélas ! et j'ai lu tous les livres.
Fuir ! là-bas fuir! Je sens que des oiseaux sont ivres
D'être parmi l'écume inconnue et les cieux !
Rien, ni les vieux jardins reflétés par les yeux
Ne retiendra ce coeur qui dans la mer se trempe
Ô nuits ! ni la clarté déserte de ma lampe
Sur le vide papier que la blancheur défend
Et ni la jeune femme allaitant son enfant.
Je partirai ! Steamer balançant ta mâture,

Lève l'ancre pour une exotique nature !
Un Ennui, désolé par les cruels espoirs,
Croit encore à l'adieu suprême des mouchoirs !
Et, peut-être, les mâts, invitant les orages,
Sont-ils de ceux qu'un vent penche sur les naufrages
Perdus, sans mâts, sans mâts, ni fertiles îlots ...
Mais, ô mon coeur, entends le chant des matelots !



MALLARMÉ, Stéphane. "Brise marine". Trad. de Guilherne de Almeida. In: ALMEIDA, Guilherme (org.). Poetas de França. São Paulo: Babel, s.d.


24.8.15

O hino dos poETs




Meu querido amigo, o admirável poeta Ricardo Silvestrin, enviou-me o link para o clip, no You Tube, em que o grupo "os poETs", de que ele faz parte, canta o seu hino. Vejam:


Clique, para ouvir:









22.8.15

Miguel de Unamuno: "El cuerpo canta" / "O corpo canta": trad. Antonio Cicero





O corpo canta;
o sangue ulula;
a terra fala;
o mar murmura;
o céu se cala
e o homem escuta.




El cuerpo canta;
la sangre aúlla;
la tierra charla;
la mar murmura;
el cielo calla
y el hombre escucha.



UNAMUNO, Miguel de. Antología poética. Madrid: Espasa-Calpe, S.A., 1964.




21.8.15

Arthur Nogueira: "Sem medo nem esperança"

Arthur Nogueira estará lançando seu belíssimo disco Sem medo nem esperança no próximo domingo, 23 de agosto, com um show no SESC Belenzinho.


Clique para ampliar:






















Sobre o título do disco, tive o prazer de escrever o seguinte:

A divisa “sem esperança nem medo” – nec spe nec metu – é adotada, desde a antiguidade, por aqueles que, desprezando tanto as promessas quanto as ameaças referentes a alguma hipotética vida futura, sabem que viver o presente em toda a sua plenitude constitui o mais alto e o mais profundo fim da própria vida.

Tal é a disposição que se manifesta no topos poético do carpe diem, isto é, “colhe o dia presente!”, que se encontra, desde a antiguidade até hoje, em alguns dos maiores poemas já escritos. Assim, por exemplo, diz Paulo Mendes Campos na primeira estrofe do seu belo soneto “Tempo-eternidade”:

                  O instante é tudo para mim que, ausente
                  do segredo que os dias encadeia,
                  me abismo na canção que pastoreia
                  as infinitas nuvens do presente.


Entre outras coisas, é isso que nos delicia nas canções cantadas por Arthur Nogueira: o convite para que vivamos assim, sem medo nem esperança, mas com a coragem e o tesão de nos abismarmos no instante, nos dias, nas canções e nas infinitas nuvens do presente.

Antonio Cicero


20.8.15

Haroldo de Campos: "ideocabograma"




ideocabograma


pound attention !
joyce a minute !
finnegans wait !
don't go beckett !
anoholzwege :
i'm cummings !



mallaimé

...



CAMPOS, Haroldo de. "ideocabograma". In:_____. Crisantempo: no espaço curvo nasce um. São Paulo: Perspectiva, 2004.

17.8.15

Antonio Cicero: "História"





História

A história, que vem a ser?
mera lembrança esgarçada
algo entre ser e não-ser:
noite névoa nuvem nada.
Entre as palavras que a gravam
e os desacertos dos homens
tudo o que há no mundo some:
Babilônia Tebas Acra.
Que o mais impecável verso
breve afunda feito o resto
(embora mais lentamente
que o bronze, porque mais leve)
sabe o poeta e não o ignora
ao querê-lo eterno agora.



CICERO, Antonio. "História". In:_____. A cidade e os livros. Rio de Janeiro: Record, 2002.

16.8.15

Nelson Motta homenageia Marina Lima




Na semana passada, Nelsinho Motta fez uma bela homenagem à Marina Lima, no Jornal da Globo. Abaixo, vocês encontrarão o link para ela.

Aproveito para corrigir apenas um pequeno equívoco. Ao contrário do que Nelsinho pensava, Marina não nasceu no Piaui. Nossos pais são, de fato, piauienses, porém não se conheceram lá, mas no Rio de Janeiro, onde namoraram, casaram-se e tiveram seus filhos. Mas isso é um detalhe. A homenagem de Nelsinho é linda.

13.8.15

Manuel Joaquim Ribeiro: "Mais pode o sol deixar de ser luzente"





Mais pode o Sol deixar de ser luzente,
E com a noite misturar-se o dia;
Ser a calma, bem como a neve fria,
E ser por natureza o gelo quente:

Mais pode o mar de ser movente,
E de ser rocha a bruta penedia,
Tornar-se em trevas tudo o que alumia,
E a mesma terra ser resplandecente:

Mais pode o mundo em nada ser desfeito
A matéria perder a gravidade,
Deixar o fogo de queimar o efeito:

Mais pode, enfim, ser sombra a claridade,
Que eu deixar de sentir no terno peito
O golpe que me fere da saudade.



RIBEIRO, Manuel Joaquim. "Mais pode o sol deixar de ser luzente". In: AMORA, Antonio Soares (org.). Panorama da poesia brasileira, vol.1. Era luso-brasileira (séculos XVI-c. XIX). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1959.

11.8.15

Moshé Ibn Ezra: "São túmulos de tempos antigos, velhos"

Moshé Ibn Ezra viveu em Granada, de 1055 a 1135.




São túmulos de tempos antigos, velhos.
Neles há gente que dorme um sono eterno.
Nem ódio, nem inveja há no seu interior,
nem amor, nem zangas de vizinhos.
Os meus pensamentos não podem, quando os veem,
distinguir entre servos e senhores.



EZRA, Moshé Ibn. “São túmulos de tempos antigos, velhos”. Versão de Francisco José Viegas, tradução do hebraico de Maria José Cano. In: VIEGAS, Francisco José (org.). Cem poemas para savar a nossa vida, vol.1. Lisboa: Quetzal, 2014.

9.8.15

Salgado Maranhão: "Viajor"




Viajor

caminho no torrão
onde a língua guardou
seus trapos; sua
vertigem de lírios
e sermões. Sigo

à deriva,
entre fogueiras e degelo,
neste voo escarrado de abismo
e santidade.

Sou o viajor que carrega
a seara mítica
e a liturgia do fogo.

Sonhei uma aldeia
de vinhas
                 (ou um barco
arrancado aos piratas?)

 e tenho só este sol
que me queima a língua;
e tenho só esta sede inflamável
misturada ao sangue
dos bichos.

Estou contaminado de esquinas
e devires.



MARANHÃO, Salgado. "Viajor". In:_____. "Chão de mitos". In:_____. Ópera de nãos. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2015.

7.8.15

Luís Miguel Nava: "Há uma pedra feroz"





Há uma pedra feroz

Há uma pedra feroz,
um rapaz,
há o olhar do rapaz atado à pedra,
o olhar do rapaz, a minha casa,
o olhar do rapaz às vezes é a pedra.



NAVA, Luís Miguel. "Há uma pedra feroz". In_____. "Onde a nudez". In:_____. Poesia completa. 1979-1994. Org. de Gastão Cruz. Lisboa: Dom Quixote, 2002.

3.8.15

Waly Salomão: "Fallax opus"





FALLAX OPUS

OBRA ENGANADORA
                   
           Como se fosse dialogando com Zé Celso Martinez Correia


– Falar é fogo-fátuo

Chego e constato:
– Teatro não se explica
Teatro é ato

Afônico sim, afásico não
Eu, poeta, perco a voz
E quase me some o nume
Ícaro caído
Asas crestadas pelo sol
Dos refletores
Caricatura de Ícaro
Sapecado

Estatelado no átrio pergunto:
– Aonde eu entro?
Onde eu entro?

Um eco cavo cavernoso retruca:
– No entreato
No entreato
No entreato



SALOMÃO, Waly. "Fallax opus". In:_____. Poesia total. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.

1.8.15

Leandro Jardim: "Indisfarce"





Indisfarce

Não me ilumina a ideia
de falar apenas
aos poucos doutos,

nem me inebria o fardo
do entendimento pleno
que se precisa raso.

Sigo cambaleante
o equilíbrio errante
do que é profundo e claro,

como o que farta aos grandes
e é a mim tão raro
– disse o aspirante.



JARDIM, Leandro. "Indisfarce". In:_____. Peomas. Rio de Janeiro: Oito e Meio, 2014.

30.7.15

OCUPAÇÃO POÉTICA DO TEATRO CÂNDIDO MENDES






OCUPAÇÃO POÉTICA – TEATRO CÂNDIDO MENDES

Divididos em três noites, seis importantes poetas – Adriano Espínola, Alex Varella, Antonio Carlos Secchin, Antonio Cícero, Paulo Henriques Britto, Salgado Maranhão – lerão obras autorais, inéditas e consagradas, e também textos de outros poetas.

Coordenação: PAULO SABINO
Sexta-feira (31/07): ANTONIO CICERO & ALEX VARELLA
Sábado (01/08): SALGADO MARANHÃO & ADRIANO ESPÍNOLA
Domingo (02/08): ANTONIO CARLOS SECCHIN & PAULO HENRIQUES BRITTO

Horário: 20h
Entrada: R$ 5,00
Centro Cultural Cândido Mendes. End.: Joana Angélica, 63 – Ipanema, Rio de Janeiro. Tel.: (21) 
2523-3663.

29.7.15

Guilherme de Almeida: "Mormaço"





Mormaço

Calor. E as ventarolas das palmeiras
e os leques das bananeiras
abanam devagar
inutilmente na luz perpendicular.
Todas as coisas são mais reais, são mais humanas:
não há borboletas azuis nem rolas líricas.
Apenas as taturanas
escorrem quase líquidas
na relva que estala como um esmalte.
E longe uma última romântica
-- uma araponga metálica -- bate
o bico de bronze na atmosfera timpânica.




ALMEIDA, Guilherme de. "Mormaço". In: BANDEIRA, Manuel (org.). Apresentação da poesia brasileira. São Paulo: Cosac Naify, 2009.