31.8.18

Guilherme de Almeida: "Noturno"



Noturno

Na cidade, a lua:
a joia branca que boia
na lama da rua.




ALMEIDA, Guilherme de. "Noturno". In: CALCANHOTTO, Adriana (org.) Haicai do Brasil. Rio de Janeiro: Edições de Janeiro, 2014.

29.8.18

Paulo Henriques Britto: "Da metafísica"



Da metafísica

Ser parte de alguém ou algo
tão grande que não se entenda:
toda crença, ao fim e ao cabo,
se resume a essa lenda --

o mais rematado dislate,
coisa jamais entendida,
que eleva ao sumo quilate
o caco mais reles de vida.




BRITTO, Paul Henriques. "Da metafísica". In:_____. Nenhum mistério. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

27.8.18

Alberto da Costa e Silva: "Ode a Marcel Proust"



Ode a Marcel Proust

Teus olhos, no retrato,
destilam lágrimas
e abraçam silentes o horizonte.
Tua face, na noite,
é um soluço inútil.

Por entre as moças em flor,
revejo o silêncio das ruelas
dos teus passeios noturnos,
assombrados de insônia,
pelos caminhos insondáveis
do amor e da infância.

Retiras da memória
um mundo ignoto e novo,
e acompanhas, nas tuas vigílias,
os passos dos homens nos tapetes
e as palavras doces que não foram pronunciadas.

A cada instante, um encontro inesperado:
um peixe, uma gravata ou uma flor apenas entreaberta.
Tuas mãos repelem a morte, enluvadas,
e escrevem como se nada mais existira
a não ser a torre da matriz de Combray.

Proust, repercute em mim
toda a tua agonia, companheiro.
Deixa, Marcel, que recolha tua tristeza,
como lágrimas num lenço,
do tumulto das páginas de teus livros,
e
grave na minha boca
o sentido mais oculto de tuas palavras.

Teus olhos, no retrato,
derramam-se na bruma.
E colocas, agora, mansamente,
com requintes de estranha vaidade,
uma flor – talvez orquídea –
            na lapela.




COSTA E SILVA, Alberto da. "Ode a Marcel Proust". In:_____. Poemas reunidos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012.




25.8.18

Giuseppe Ungaretti: "Vanità" / "Vaidade": trad. por Geraldo Holanda Cavalcanti



Vaidade

De repente
se eleva
sobre os escombros
a límpida
maravilha
da imensidão.

E o homem
curvado
sobre a água
surpreendida
pelo sol
se descobre
uma sombra

Embalada
pouco a pouco
desfeita


Vanità

D’improvviso
è alto
sulle macerie
il limpido
stupore
dell’immensità

E l’uomo
curvato
sull’acqua
sorpresa
dal sole
si rinviene
un’ombra

Cullata e
piano
franta





UNGARETTI, Giuseppe. "Vanità" / "Vaidade". In:_____. Poemas. Org. e trad. por Geraldo Holanda Cavalcanti. São Paulo: USP, 2017.

23.8.18

Antonio Carlos Secchin: "Drummond; poesia e aporia"




Assistam à brlhante conferência do acadêmico Antonio Carlos Secchin intitulada "Drummond: poesia e aporia". Essa conferência, que teve lugar no teatro R. Magalhães, na ABL, no dia 16 do corrente, fez parte do ciclo de conferências "Cadeira 41", coordenado pela acadêmica Ana Maria Machado. Não tendo podido conduzir essa mesa por estar de viagem, Ana Maria pediu-me que a substituísse, o que fiz com prazer. 



20.8.18

Fernando Pessoa: "Entre o sono e o sonho"



Entre o sono e o sonho

Entre o sono e o sonho,
Entre mim e o que em mim
É o quem eu me suponho,
Corre um rio sem fim.

Passou por outras margens,
Diversas mais além,
Naquelas várias viagens
Que todo o rio tem.

Chegou onde hoje habito
A casa que hoje sou.
Passa, se eu me medito;
Se desperto, passou.

E quem me sinto e morre
No que me liga a mim
Dorme onde o rio corre -
Esse rio sem fim.




PESSOA, Fernando. "Entre o sono e o sonho". In:_____. "Cancioneiro". In:_____. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986. 

19.8.18

Gregório Duvivier: "difícil ser feliz nas festas de santa"




difícil ser feliz nas festas de santa
teresa ou sentado nas escadarias
da lapa por melhor que seja
sua companhia é difícil ser
sinceramente feliz na
pizzaria guanabara às
cinco da manhã em
meio a pedaços de
pizza fria e o cigano
igor de chapéu há
lugares em que
você sabe que
não vai ser
feliz mas
vai




DUVIVIER, Gregório. "difícil ser feliz nas festas de santa". In:_____. ligue os pontos: poemas de amor e big bang. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

15.8.18

Antonio Cicero: Editorial da Revista UBC



No corrente mês, tive a honra de escrever o editorial da Revista UBC, que é a revista publicada pela União Brasileira de Compositores, da qual me orgulho de ser membro há muitos anos e um dos diretores, há um ano e alguns meses. Eis o texto que produzi:



Mesmo após a concessão do Prêmio Nobel de Literatura a Bob Dylan, ainda há quem considere que as letras de música são algo relativamente vulgar e inferior à poesia.

Um argumento frequentemente empregado para tentar provar essa tese é que, às vezes, uma letra emociona quando cantada e, quando lida no papel, sem acompanhamento musical, torna-se insípida. É verdade, mas vejamos por que razão isso se dá. Ao contrário de um poema – que tem seu fim em si próprio – uma letra de canção não tem, enquanto tal, seu fim em si própria, mas na obra de arte, isto é, na canção, de que faz parte. Por isso, para que julguemos boa uma letra de canção, é necessário e suficiente que ela contribua para que a obra lítero-musical de que faz parte seja boa. E, embora seja verdade que uma canção não seja um poema, há canções que são obras de arte tão boas quanto bons poemas. Pense-se, entre inúmeras outras, em “Construção”, de Chico Buarque, em “Terra”, de Caetano Veloso, em “Cais”, de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos ou em “Blowin’ in the Wind”, de Bob Dylan.

De todo modo, há muitas letras de canções que, quando lidas, revelam-se também como grandes poemas. É o caso, na verdade, das quatro letras de canções que acabamos de citar. Ademais, não nos esqueçamos de que os poemas líricos da Grécia antiga, por exemplo, eram letras de canções. Perderam-se as músicas que os acompanhavam, de modo que não os conhecemos senão na forma escrita. Ora, muitos deles são contados entre os maiores poemas que se conhecem.


Vê-se assim como são inteiramente ridículos os preconceitos que pretendem desvalorizar as letras de música. 







13.8.18

Heinrich Heine: "Ein Fichtenbaum steht einsam" / "Solitário na montanha": trad. de André Vallias



Solitário, na montanha,
Um pinheiro no hemisfério
Norte dorme sob a manta
Branca de gelo e de neve.

Ele sonha com a palmeira
Do Oriente, tão distante,
Que calada se lamenta
Sobre o penhasco escaldante.




Ein Fichtenbaum steht einsam
Im Norden auf kahler Höh’.
Ihn schläfert; mit weißer Decke
Umhüllen ihn Eis und Schnee.

Er träumt von einer Palme,
Die, fern im Morgenland,
Einsam und schweigend trauert
Auf brennender Felsenwand.





HEINE, Heinrich. "Ein Fichtenbaum steht einsam" / "Solitário, na montanha". In: VALLIAS, André (org. e trad.). Heine, hein?: Poeta dos contrários. São Paulo: Perspectiva: Goethe Institut, 2011.

9.8.18

Waly Salomão: "Tlaquepaque"



Tlaquepaque


Há que haver manjar dos deuses para aquele que descrê dos deuses

Meus pés esfolados recorrem becos, vielas, ruas,

avenidas intermináveis,

sem fonte alguma desencadear.

Busco tal ou qual cosmético – aceite de jojoba – como Édipo
[arrancava os próprios olhos

E Antígona escavava a terra para contra a lei do estado dar
[sepultura ao corpo familiar amado.

Há que haver ambrosia para aquele que descrê dos deuses.





SALOMÃO, Waly. "Tlaquepaque". In:_____. Poesia total. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.

6.8.18

Alex Varella: "Céu em cima, mar em baixo"



Poema no passado

A casa era bela,
mas era no passado,
e o passado, uma balela
(o passado, passado não era).

Vem do presente esse passado,
nebuloso de si mesmo,
de si mesmo uma quimera.

O passado não é nem era.
É cinema do passado.
O passado é uma novela.




VARELLA, Alex. "Poema no passado". In:_____. Céu em cima, mar em baixo. Rio de Janeiro: Topbooks, 2012.

2.8.18

Mesa redonda "As artes plásticas hoje"

Assistam ao vídeo da mesa-redonda, coordenada por mim, "As artes plásticas hoje", com as brilhantes intervenções de Paulo Sergio Duarte e Paulo Venancio Filho, que teve lugar na terça-feira passada, na ABL. Essa mesa-redonda fez parte do Seminário "Brasil, brasis", coordenado pelo acadêmico Domício Proença Filho.