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8.12.14

Jorge Luis Borges: de "O credo de um poeta"





Tenho para mim que sou essencialmente um leitor. Como sabem, eu me aventurei na escrita, mas acho que o que li é muito mais importante que o que escrevi. Pois a pessoa lê o que gosta -- porém não escreve o que gostaria de escrever, e sim o que é capaz de escrever.



BORGES, Jorge Luis. "O credo de um poeta". In:_____. Esse ofício do verso. Organização de Calin-Andrei Mihailescu; tradução de José Marcos Macedo. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

3.1.13

A escritora Noemi Jaffe oferece o curso Princípios Essenciais da Escrita Criativa

É com grande prazer que anuncio que Noemi Jaffe, autora, entre outras coisas, dos admiráveis A verdadeira história do alfabeto (Companhia das Letras), O que os cegos estão sonhando (Editora 34) e Quando nada está acontecendo (Martins Fontes), estará, no dia 12 do corrente, na Estação das Letras, no Rio de Janeiro, dando o curso Princípios Essenciais da Escrita Criativa. Tenho certeza de que será o máximo.

Mais informações em www.estacaodasletras.com.br.



Clique na parte inferior da imagem, para ampliá-la:

28.3.12

Rubem Fonseca: "Todo autor é louco"




Vale a pena assistir à brilhante performance do Rubem Fonseca nas Correntes d'Escritas 2012, em Póvoa de Varzim, em Portugal, ao afirmar que "Todo autor é louco":




5.4.09

Os vídeos poéticos de Carlos Nader

O seguinte artigo foi publicado na minha coluna na "Ilustrada", da Folha de São Paulo, sábado, 4 de abril.


Os vídeos poéticos de Carlos Nader


POR OCASIÃO da mostra, ainda em cartaz, "Carlos Nader: Ensaios Audiovisuais", cuja curadoria é de Bernardo Vorobow, participei, quarta-feira, de um debate com Carlos Adriano, Caetano Veloso e o próprio Carlos Nader. Conheço e admiro Carlos Nader e o seu trabalho há muito tempo, e já tive a honra de aparecer em dois dos seus vídeos, bem como no filme "Pan-Cinema Permanente". Por isso, cheguei à Cinemateca com algumas ideias sobre o que dizer durante o bate-papo. Entretanto, antes da mesa, assistimos aos vídeos "Beijoqueiro: Portrait of a Serial Kisser", "Carlos Nader" e "Concepção".

No vídeo "Carlos Nader", do qual participo, digo algumas coisas sobre a questão da subjetividade, a respeito da qual ele me pedira que falasse. Exatamente por ter aparecido nesse vídeo, porém, eu não havia conseguido apreciá-lo serenamente na época em que ficou pronto, mais de dez anos atrás.

É que, no filme, minha fala é improvisada. Ora, minhas falas improvisadas são, para usar a expressão de Homero, "palavras aladas", não porque sejam excelsas, mas porque merecem rapidamente voar para o passado e serem esquecidas. Repletas de anacolutos, repetições e imprecisões, não passam de rascunhos do que um dia eu talvez escreva, ou de arremedos do que um dia já escrevi. Além disso, desconfio que eu também, como o poeta Henri Michaux, tornei-me escritor "para revelar uma pessoa de cuja existência ninguém suspeitaria ao olhar para mim". Mas volta e meia um amigo me pede -por razões que me são absolutamente ininteligíveis- que faça uma ponta num filme seu e, como nesse caso, acabo cedendo.

O fato é que, não tendo conseguido ver direito o "Carlos Nader" dez anos atrás, na época do seu lançamento, vi-o quarta-feira passada como se o estivesse a ver pela primeira vez. Depois de tanto tempo, já sou quase outra pessoa. Pela primeira vez, apreciei-o como merece ser apreciado: como obra de arte. E ele, como os outros dois que passaram na mesma noite, é belíssimo.

Resultado: fiquei tão emocionado que, na mesa, esqueci o que havia pretendido dizer e falei apenas sobre o que tinha acabado de sentir. E o que me ocorreu foi que essas obras, que se apresentam como documentários, devem ser vistas -lidas- como poemas. Eles não se restringem a documentar pessoas e fatos, mas, através do estabelecimento de um certo modo de olhar e de uma certa sintaxe espaço-temporal produzida pela montagem, revelam-nos, à maneira de poemas verbais, um novo mundo, a sair do já conhecido. Caetano, a quem tampouco havia escapado a natureza poética desses vídeos, explicou brilhantemente de que modos concretos a sintaxe espaço-temporal a que me refiro é análoga a recursos da poesia verbal como ritmos, rimas etc.

"Beijoqueiro: Portrait of a Serial Kisser" fala de um homem cuja patetice nunca me interessara muito. O vídeo, porém, não só mostra na figura patética desse homem uma complexidade maior e mais interessante do que imaginávamos, mas, através do páthos que nele descobre, solicita-nos a pensar mais profundamente sobre os aspectos cômicos e trágicos das relações entre a busca do reconhecimento, a fama e o anonimato no mundo em que vivemos.

Em "Concepção", repete-se de vez em quando, por escrito, um trocadilho com as palavras "estranho" e "entranho". Esse jogo verbal é visualmente traduzido por uma cena que consiste numa endoscopia do próprio Carlos Nader: e quanto mais nele nos entranhamos, mais nos distanciamos dele, que mais estranho nos parece. É claro que exibir o lado de dentro de alguma coisa é fazer dela algo da mesma ordem dos objetos que se encontram do lado de fora. Nesse sentido, a endoscopia transforma o interior em exterior. E estranhamos as entranhas assim exteriorizadas.

Por outro lado, entranhamos, por assim dizer, os estranhos, como o beijoqueiro, pois, ao mesmo tempo em que percebemos sua verdadeira estranheza, criamos alguma empatia com eles, quando nos são exibidos em todas as suas verdadeiras dimensões, inclusive profundidade ou interioridade.

O vídeo "Carlos Nader" me lembrou os versos de Fernando Pessoa que dizem: "Entre o sono e o sonho, / Entre mim e o que em mim / É o quem eu me suponho / Corre um rio sem fim". Logo no início, encarando a câmera, o diretor afirma que vai confessar um grande segredo. Quando começa a contá-lo, não se ouve o que diz. O segredo não pode ser dito em linguagem prosaica. O vídeo prossegue. O segredo está no mundo. O vídeo é a prova.

9.4.08

Valéry: dos "Cahiers"

alguém ou alguma coisa em mim que não quer (já são 10, 20 vezes que ele escoiceia) começar esse trabalho que devo fazer – cujas idéias estão aí – e até escritas. Mas esse recalcitrante não quer tentar. Ele não entrega a forma – inicial. Cada estratégia de começo o desgosta. O tédio é mais forte. Cata tentativa abandonada aumenta a repugnância.

– Reflexão. Eu disse: alguém. Pois é natural – primitivo – selvagem – personificar um desejo ou uma repulsa que se opõem a uma vontade conforme à pessoa; a pessoa sendo a razoável – a social e sociável – a previdente. (1932-33)

VALÉRY, Paul. Cahiers. Paris: Gallimard, 1973. p.9-10.

2.12.07

A poesia escrita

O seguinte artigo foi publicado na minha coluna da Folha de São Paulo sábado, 1 de Dezembro de 2007:


A poesia escrita

EM REVISTAS e sítios de literatura, tenho lido textos que se queixam do estado atual da poesia. É verdade que, em todas as épocas, houve quem desprezasse os poemas que não seguissem os modelos tradicionais ou que não se distinguissem pela pátina do tempo. Contudo, as queixas a que me refiro não são exatamente dessa natureza.

O que se lamenta é, antes, que a poesia não pareça mais possuir o prestígio cultural de que já desfrutou um dia. Alega-se, por exemplo, que poema algum é capaz de ter, no mundo contemporâneo, um impacto comparável ao que determinados filmes, discos e concertos de rock têm.

Nem sempre coincidem os diagnósticos propostos, nem, conseqüentemente, as terapias para essa pretensa anemia poética. Alguns pensam que a poesia perdeu sua importância porque -tendo-se esquecido de que era originalmente articulada à fala e ao corpo- deixou-se confinar à escrita. O remédio, neste caso, seria, em última análise, que o poeta se tornasse o performer dos seus próprios poemas.

Outros, reintroduzindo, com nova terminologia, o velho e compreensível ressentimento contra as torres de marfim, julgam que a poesia se tornou irrelevante porque, tendo perdido contato real com as outras artes e, de maneira geral, com a realidade contemporânea, tornou-se incapaz de produzir formas dotadas de atualidade. O remédio, neste caso, seria, em última análise, que o poeta, fazendo questão de se imbuir no seu contexto cultural, refletisse no seu trabalho uma tomada de posição em relação a ele.

No fundo, as duas posições me parecem derivar da dificuldade desses autores de lidar com a exigência extrema e singular que a poesia escrita impõe não somente ao poeta, mas ao leitor.

De fato, na poesia oral primária, como na de Homero, o que o bardo recitava ou cantava era ligado à presença, à voz, à dicção, aos movimentos corporais dele. As palavras, a música e a dança se unificavam na sua figura. Algo do que ele recitava era repetição de coisas que já havia dito, algo era novo, e não havia nem há meio de se saber o que era antigo e o que era novo. Cunhou-se para essa situação a expressão "composition in performance" (composição durante a performance). Isso quer dizer que a produção e o consumo do poema são simultâneos. Hoje, o que lembra um pouco isso é o jazz, por um lado, e o flamenco, por outro.

De fato, a escrita rompe essa unidade oral. Quem lê um poema não precisa sequer saber quem o compôs. A criação é uma coisa e a apreciação, outra, separadas temporal e espacialmente: posso, por exemplo, apreciar um poema escrito em Roma, no século 2, em latim. Não interessam mais a voz, a dicção, o canto, os movimentos do corpo, a dança, a figura do poeta. É, em primeiro lugar, a voz interna do leitor que agora lê o poema.

O que interessa são as palavras e os sintagmas de que o poema se compõe: seus sentidos, sua sonoridade, seu ritmo, suas relações paronomásicas, suas aliterações, suas rimas, seus assíndetos, as relações icônicas que estabelecem... E o poema é lido, relido e comparado e contrastado, em princípio, com todos os poemas que se tornaram canônicos e com todos os poemas que o leitor conhece.

O poema é agora um objeto de arte, como uma pintura. Para apreciá-lo plenamente -como para apreciar plenamente uma pintura-, temos que lhe dedicar o nosso tempo, convocando e deixando que interajam uns com os outros todos os recursos de que dispomos: intelecto, experiência, emoção, sensibilidade, sensualidade, intuição, senso de humor etc.

Quanto melhor o poema, mais dos nossos recursos são por ele atualizados: e essa atualização mesma é a recompensa estética que ele nos oferece. Podemos dizer, portanto, que é o grau de poesia de um objeto, e não o seu grau de contemporaneidade, a verdadeira medida da atualidade que ele nos proporciona.

Para quem desse modo aprecia a poesia escrita, ela não perdeu nem um pingo do seu prestígio cultural nem do seu impacto. É verdade que a leitura de poemas não é popular como grande parte dos filmes, discos e concertos de rock, entre outras coisas. E por que teria de ser? Mesmo a maior parte das pessoas cultas raramente -e talvez nunca- queira fazer o esforço que a leitura de um poema exige. Mas por que seriam obrigadas a tal?

Há, de fato, tantos grandes filmes, discos e concertos de rock... Os poetas escrevem, em primeiro lugar, para aqueles que, como eles, acham incomparável o prazer proporcionado pela leitura de um grande poema.

31.8.07

Adorno: de "Mínima moralia"

Considero impecável o seguinte texto de Adorno:


Moralidade e estilo. – O escritor acaba por perceber que quanto mais se exprime de modo preciso, consciencioso e adequado ao assunto, tanto mais o resultado literário é considerado difícil, enquanto que, à medida que faz formulações frouxas e irresponsáveis, é recompensado por uma certa compreensão. Não adianta asceticamente evitar expressões técnicas ou alusões a esferas da cultura que deixaram de existir. O rigor e a pureza da expressão lingüística, mesmo quando associados a extrema simplicidade, produzem um vácuo. O desleixo que flui com a corrente habitual da fala passa por um sinal de solidariedade e contato: sabe-se o que se quer porque se sabe o que o outro quer. Respeitar na expressão o objeto, em vez da comunicação, é suspeito: o que quer que seja específico e não derivado de esquemas dados parece inconsiderado, sintoma de excentricidade, quase de confusão. A lógica contemporânea, que faz tanta questão de clareza, aceitou ingenuamente tais perversões a título de linguagem cotidiana. A expressão vaga permite àquele que a ouve representar-se o que lhe agrada e o que de todo modo já pensa. A expressão rigorosa obriga à univocidade da compreensão, ao esforço do conceito, ao qual as pessoas foram desabituadas, e lhes exige, ante todo conteúdo, a suspensão dos lugares comuns, logo um isolamento a que elas violentamente se opõem. Só consideram inteligível aquilo que não precisam primeiro entender; só as toca e lhes é familiar o que é na verdade alienado, a palavra cunhada pelo comércio. Poucas coisas contribuem tanto para a desmoralização dos intelectuais. Quem quiser se livrar dela deve perceber no elogio da comunicação uma traição ao comunicado.


De: ADORNO, T.W. "Minima Moralia". In: _____. Gesammelte Schriften. Vol.4. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1986. p.114-15.