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14.9.18

Helio Jaguaribe: "Tudo é irrelevante"



Helio Jaguaribe, que foi uma das pessoas mais brilhantes que conheci, faleceu na semana passada. Por coincidência, acaba de ser lançado um documentário sobre ele, intitulado "Tudo é irrelevante", dirigido por sua filha, Izabel Jaguaribe, e Ernesto Baldan. Eis o trailer desse filme:




23.4.17

"Tudo é irrelevante"


Hoje às 19h, no Espaço Itaú de Cinema 6, no Rio de Janeiro, será exibido, como parte do festival "É tudo verdade", o documentário de Izabel Jaguaribe e Ernesto Baldan "Tudo é irrelevante", sobre o grande pensador brasileiro Helio Jaguaribe.



24.4.14

Helio Jaguaribe: "O 'jardim antropológico' é uma insensatez"



Ontem recebi um convite para participar de uma manifestação do movimento "Índio É Nós". Tendo lido o Manifesto desse movimento, considero-o inteiramente equivocado. Minha posição, nesse ponto, aproxima-se da de Helio Jaguaribe. Eis aqui um excelente artigo dele publicado originalmente no dia 26 de abril de 2008, na Folha de São Paulo, e ainda atual, sobre essa questão.



As terras indígenas são uma ameaça à soberania nacional?

SIM

O "jardim antropológico" é uma insensatez

HELIO JAGUARIBE

TODOS OS países americanos se confrontaram com a questão indígena. É indiscutível que em todos eles a relação entre europeus colonizadores e a população nativa foi originariamente conflituosa. Esse conflito conduziu ao extermínio das populações costeiras (Brasil), levando os nativos a se refugiarem no interior remoto de cada um desses países.

É a partir sobretudo do século 19 que se diferenciam a conduta dos europeus e a de seus descendentes nas Américas. Nos EUA, a opção da população branca foi o extermínio dos nativos: "a good indian is a dead indian".

O Brasil não teve política indigenista até o início do século 20. O índio foi romantizado por José de Alencar e outros. Mas a conduta real, por parte dos que se adentraram pelo Oeste, foi de espoliação das terras indígenas, com violenta expulsão dos nativos.

A política indigenista no Brasil não foi, originariamente, formulada pelo governo federal, e sim por esse grande pioneiro que foi o general Rondon.

Encarregada da extensão das linhas telegráficas até Cuiabá, a Missão Rondon, como foi designada, se defrontou com as populações indígenas do interior do país. A política adotada por Rondon foi a de total respeito aos índios, reconhecidos como legítimos proprietários das terras.

Meu saudoso pai, general Francisco Jaguaribe de Mattos, então jovem capitão, foi o geógrafo e cartógrafo da missão. Dele tenho narrativas diretas de como se procedia então. Seus membros, nos freqüentes encontros com os índios, os abordavam pacificamente, incorporando os que desejassem. O lema de Rondon era: "Morrer se necessário, matar, nunca".

A política indigenista de Rondon partia do suposto de que o índio era o brasileiro nativo, que devia ser tratado respeitosamente pelos civilizados e induzido, pacificamente, a se incorporar à cidadania, recebendo conveniente educação e assistência.

A República manteve a política indigenista de Rondon. De acordo com suas idéias (ele mesmo tendo ascendência indígena), estimava-se que, gradualmente, a total população indígena, ora da ordem de 700 mil entre 190 milhões de habitantes, seria incorporada à cidadania brasileira.

Em anos mais recentes, a política indigenista brasileira passou a ser orientada por etnólogos. Estes, diversamente de Rondon, não intentavam a pacífica incorporação do índio, mas a preservação das culturas indígenas. Para isso, adotou-se a prática da delimitação de amplas áreas nos sítios povoados por índios, como reservas.

A política de reservas vem sendo aplicada sem levar em conta os imperativos de defesa nacional, o que ocorre nos diversos casos em que elas se estendem até nossas fronteiras com países vizinhos. As autoridades militares têm alertado o governo, com toda a razão, sobre o perigo da prática.

Por essas e outras razões, a política indigenista brasileira requer uma urgente a ampla revisão. Desde logo, independentemente da nova orientação que se lhe dê, é preciso estabelecer uma faixa que acompanhe as fronteiras do Brasil com outros países e dela excluir as reservas indígenas. Em termos mais amplos, importa questionar: que objetivos deve ter tal política, ademais da proteção do índio?

Por outro lado, a perpetuação de culturas nativas, em que se fundamenta, no Brasil, a política de reservas, carece de sentido em termos antropológicos, pois é impossível sustar o processo civilizatório. As populações civilizadas do mundo são descendentes de populações tribais, que seguiram, em todos os países, o secular caminho que leva paleolíticos a se transformarem em neolíticos e estes, em civilizados. 
Criar um "jardim antropológico", à semelhança de um jardim zoológico, é uma insensatez. Cabe ao governo federal zelar pela unidade do país, e não contribuir para autonomizar supostas nações indígenas que, no limite do caso, poderiam apelar para a ONU para lhes salvaguardar a independência e ser objeto de penetração estrangeira.


A nossa política indigenista não pode ter outro objetivo senão o da incorporação pacífica do índio à cidadania brasileira, para tal lhe dando toda a assistência requerida: sanitária, educacional e profissional. 




3.12.13

Helio Jaguaribe: "Breve referência aos deuses gregos"




A importância que o Professor Helio Jaguaribe teve na minha formação intelectual é imensa. Ele era um dos grandes amigos do meu pai, Ewaldo Correia Lima. Quando fiz quinze anos, meu pai foi trabalhar no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), situado em Washington DC, para onde toda nossa família se mudou. O Professor Helio, nessa época, lecionava na Universidade de Harvard, em Cambridge, Massachussets. Corria a fama de que era tal o brilhantismo de suas aulas que lhes acontecia serem, de vez em quando, interrompidas pelos aplausos dos estudantes entusiasmados: aplausos que ele acabou por proibir, por julgar que prejudicavam o clima de distanciamento intelectual mais propício às atividades acadêmicas.

Pois bem, nessa época, de vez em quando o Professor Helio nos visitava em Washington, e eu era um ouvinte deslumbrado das conversas dele com meu pai. Já tive em minha vida vários excelentes professores, tanto no Brasil quanto no exterior, mas jamais conheci alguém cujo discurso fosse tão fecundamente luminoso quanto o do Professor Helio Jaguaribe. Faço agora questão de lhe agradecer publicamente, pois foi a partir de suas palavras que descobri um dos maiores prazeres da minha vida, que é o de estudar filosofia.


Agradeço-lhe também por uma razão pontual. É que, a meu pedido, o Professor Helio Jaguaribe concedeu-me autorização para aqui postar o seguinte, belíssimo texto de sua autoria:




BREVE REFERÊNCIA AOS DEUSES GREGOS

 Como o poeta Hölderlin (1770-1843), quase acredito na existência dos deuses gregos.  Por quê?  Qual a causa desse profundo fascínio?  Por que um brasileiro, escrevendo estas linhas em Petrópolis, nos albores do séculos XXI, experimenta essa profunda atração por Pallas Athenea e seus irmãos olímpicos, pelos Titans, pelas Musas, pelas Erinyas e pelas Moiras?
Questões desse tipo envolvem muitas dimensões.  Uma primeira e principal é obviamente, a paixão pela Grécia.  Amar o mundo clássico significa, no fundamental, nele encontrar, em múltiplos sentidos, as expressões máximas do humano.  Ora o mundo clássico significa, por um lado, essa extraordinária gesta que vai dos descendentes de Deucalion a Alexandre, de Homero a Eurípides, de Thales a Aristóteles e, por outro lado, essa fabulosa mitologia que vai de Gaia e Uranus aos Olímpicos e aos deuses chtonianos.
No âmbito do amor à Grécia, destaca-se o fascínio por seus deuses.  Esse fascínio, mais uma vez, tem múltiplas causas.  Mencionaria duas como particularmente relevantes.  A causa mais imediata é o fato de os deuses gregos serem, no fundamental, expressões antropomórficas das grandes qualidades e das grandes expectativas do homem.  Assim Zeus, onipotente, representa o poder ordenador do mundo e dos homens.  Apolo é a perfeição masculina, a luminosidade e a poesia.  Atenas é a sabedoria.  Afrodite, o amor, Dionísio, o êxatase e o vinho, Heracles, a força e o heroísmo.
A segunda razão tem a ver com o que eu denominaria de ateísmo transcendente.  Para os que chegaram, filosoficamente, à convicção de que Deus não existe mas, ao mesmo tempo, acreditam em valores transcendentais – o Bem, a Justiça, a Verdade, o Belo – os deuses gregos personificam esses valores e constituem, miticamente, seus promotores e defensores.  Tenho em meu escritório um lindo busto de Atenas, a quem rendo, diariamente, o equivalente a um culto.  Não se trata, ainda que miticamente, de implorar sua proteção, porque não estão em jogo, por razões de elementar realismo, relações de causa e efeito.  Trata-se de uma invocação inspiradora, como a dos poetas que apelam para a Musa.
Para um intelectual com minhas características pessoais, freqüentar, imaginativamente, os deuses gregos, é uma forma de imprimir a minhas elucubrações uma motivação transcendental.
Trata-se de um delicioso faz-de-conta, que me leva a pretender receber o apoio dos deuses para minhas iniciativas, conferindo-lhes uma validade superior a que tenham.  É algo, por outro lado, que estreita minhas relações de identificação com a cultura clássica e com as figuras do panteon
helênico-romano, com os pré-socráticos, notadamente Heráclito e Demócrito, com a tríade Sócrates, Platão, Aristóteles, como o mundo helenístico de Epicuro e Zeno e com o mundo romano, de Cícero e César a Sêneca e Marco Aurélio.
O que é extraordinário, nos deuses clássicos é a fusão que neles se realiza entre o humano e o super-humano.  Dispõem das qualidades super-humanas requeridas para os eternos habitantes do Olimpo.  Mas se conservam profundamente humanos em suas motivações, com muitos dos defeitos do homem.  Dispondo de um corpo super-humano, não padecem de limitações como o sofrimento físico, a doença, o envelhecimento e a morte.  Tampouco estão  sujeitos à gravidade e à cronologia, deslocando-se instantaneamente no espaço e no tempo.  Mas padecem do amor e do ciúme, da inveja e da cólera e de expectativas que nem sempre logram realizar, como a paixão de Apolo por Daphne.
Os deuses gregos não prescrevem, salvo em termos muito genéricos, (basicamente contra a perfídia), uma conduta ética.  Minha pessoal preocupação ética não decorre deles nem neles se baseia.  O que deles decorre e neles se baseia é minha aspiração à excelência.  Todos os deuses gregos são personificações de excelência nas qualidades que lhes são peculiares.  Uma excelência para a qual estimulam os que protegem, como Atenas em relação a Odisseus.  Uma excelência, por outro lado, que leva alguns a não suportar a de outrem, como Apolo sacrificando Marsyas por sua superior capacidade de tocar a flauta.
Além de poderoso estímulo os deuses gregos proporcionam indispensável apoio para a compreensão do mundo clássico.  Como é sabido, o panteon helênico se transferiu aos romanos, alguns deuses conservando o mesmo nome, como Apolo, mas a maioria adquirindo nomes latinos, como Júpiter para Zeus, Diana para Ártemis, Baco para Dionísio.  Conservaram, em sua versão romana, as características que ostentavam na helênica, embora, em alguns casos, tenham experimentado certa degradação, Vênus tornando-se mais sensual que Afrodite, Marte mais militar que Ares, Baco mais grosseiro que Dionísio, Vulcano, mais artesão do que Hefaisto.
O apelo aos deuses gregos, no quotidiano de nossos dias, é uma forma amável de referir criscunstâncias superiores sem recorrer ao divino das religiões monoteístas.  Assim “dei volendi”, em lugar de se Deus quiser.  O que torna particularmente simpático, para um ateu transcendente, a referência aos deuses, notadamente tomados no plural, é o fato de dessa forma se assinalar o que supera o correntemente humano sem se incidir em mitos sobrenaturais.  Os deuses gregos são supremos entes da cultura, não objetos de fé.


JAGUARIBE, Helio. "Breve referência aos deuses gregos". In:_____. Estudos filosóficos e políticos. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2013. 

29.4.13

Celso Lafer: "Helio Jaguaribe, aos 90"







A seguir publico o excelente artigo de Celso Lafer sobre um dos mais admiráveis intelectuais brasileiros, Helio Jaguaribe. Esse artigo foi originalmente publicado no jornal O Estado de São Paulo, em 21 de abril de 2013.



HELIO JAGUARIBE, AOS 90


Helio Jaguaribe completa 90 anos neste mês. Integra uma admirável geração que começou a produzir na década de 1950 com base no que escrevera a anterior, para explicar o Brasil, de distintas perspectivas (por exemplo, as de Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, Caio Prado Jr.). A partir desse patamar de conhecimento procurou, à sua maneira, as chaves para o entendimento do Brasil, da sua formação e do seu destino político, econômico e cultural. Dessa geração, que inclui Celso Furtado, Roberto Campos, Raymundo Faoro, Darcy Ribeiro, Florestan Fernandes, Antonio Candido, Helio é um dos grandes expoentes.

Essa geração exerceu, no espaço da palavra e da ação, a função do intelectual público e, nesse âmbito, Helio é representativo de um paradigma de excelência. Empenhou-se, tendo em vista a relação entre intelectuais e política no mundo contemporâneo, tanto em propor rumos quanto em elaborar conhecimentos aptos a converter os rumos propostos em políticas públicas.

"Compreender o nosso tempo na perspectiva do Brasil" e "compreender o Brasil na perspectiva do nosso tempo" foi o lema que Helio formulou em 1953 para a revista Cadernos do Nosso Tempo, que fundou e dirigiu. Esse lema, na dialética de sua complementaridade, caracteriza as linhas da trajetória do seu pensamento e da sua ação. Num fecundo diálogo entre o nacional e o universal explora e clarifica o porquê e o como promover e incrementar a racionalidade pública para ampliar democraticamente, com liberdade e igualdade, o poder de controle da sociedade brasileira sobre o seu destino. Daí, no correr das décadas, não só as suas intervenções, as instituições que criou (como o Iseb), a sua participação na vida pública e os seus incontáveis estudos relacionados com o desenvolvimento brasileiro.

O impacto de Helio na opinião pública como expositor, analista da conjuntura, articulista tem muito que ver com o vigor e o entusiasmo da sua orteguiana razão vital, com a fulgurante inteligência do seu poder de síntese e a originalidade contagiante de suas formulações. Em poucas palavras, com o seu estilo que, como todo estilo, é a expressão de uma visão de mundo. Observa Helio que, "as ideias de um autor sobre o mundo coincidem com o mundo das ideias desse autor".

Helio, no mundo das ideias, é um pensador que, por aproximações sucessivas, com empenho de scholar, sistematizou e desenvolveu suas inquietações e percepções numa densa obra. Esta, a de maior escopo de sua geração, abrange, num arco de coerência, muitos campos do conhecimento. Por questão de espaço vou circunscrever minhas observações à ciência política e às relações internacionais.

Helio ampliou os horizontes e elevou o patamar da ciência política com Desenvolvimento Econômico e Desenvolvimento Político (1962), cujas ideias muito ampliadas foram elaboradas em Political Development (1973) e em Introdução ao Desenvolvimento Social (1978). Neles estão presentes a vivência da História brasileira, a política comparada e o uso sincrônico e diacrônico da experiência de outros países na análise das perspectivas brasileiras, as contribuições da ciência política norte-americana e o diálogo com os pensadores "clássicos" e "modernos". Disso resulta, no trato da dinâmica das mudanças, uma concepção funcional-dialética das sociedades, das variáveis da participação e de institucionalização dos seus sistemas políticos, do papel das lideranças e das congruências e incongruências dos fluxos entre o social, o econômico, o cultural e o político. Desse modo Helio alargou o universo do saber da ciência política, dando a base de sustentação teórica das prescrições do seu "nacionalismo de fins", comprometido em assegurar as condições de viabilidade de um caminho próprio para o Brasil no mundo, numa visão humanista destituída de zelotismos fundamentalistas.

A presença brasileira no mundo tem como suporte uma escala continental conjugada com o potencial da sua economia e de seus recursos humanos e materiais. Assim, Helio, levando em conta a aptidão interna para o desenvolvimento e partindo da ciência política, ao tratar das perspectivas da nossa diplomacia se tornou o patrono inaugural do pensamento brasileiro sobre relações internacionais. Um marco é a sua discussão da política externa brasileira em O Nacionalismo na Atualidade Brasileira (1958), no qual, por meio de um confronto analítico de posturas no período da guerra fria, pioneiramente argumenta os méritos de um não alinhamento automático com os EUA.

Dessa tomada de posição deflui a elaboração de um tema básico de Helio, que subsequentemente permeia o conjunto de estudos do livro Novo Cenário Internacional (1986) e trabalhos posteriores. Esse tema é, em síntese, o da arquitetura das condições de acesso do Brasil à autonomia, como tal entendido o de tornar viável, em distintos momentos e conjunturas, uma margem significativa de autodeterminação na condução dos assuntos internos, conjugada com uma apreciável capacidade de atuação internacional independente. Um dos seus conceitos-chave é o da dinâmica das condições de permissibilidade vigentes num sistema internacional estratificado em que prevalecem hegemonias. Daí os inúmeros estudos de Helio sobre o sistema internacional e suas transformações, do escopo de atuação dos EUA durante e após a guerra fria, da relevância da integração latino-americana e de uma aliança estratégica com a Argentina e do significado da capacitação científico-tecnológica.

Concluo realçando, com afetuosa admiração, a postura cidadã de Helio, caracterizada pela vontade e pela inteligência aplicadas ao bem da res publica. Essa postura confere a marca da grandeza a uma obra e uma vida voltadas, numa larga visada que transita pela sociologia histórica e pela antropologia filosófica, para a incessante procura, sem interesses subalternos e personalismos, dos meios de bem servir ao Brasil e à sua sociedade.


* Celso Lafer é professor emérito do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo, membro da Academia Brasileira de Letras e da Academia Brasileira de Ciências.