Mostrando postagens com marcador Nelson Ascher. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Nelson Ascher. Mostrar todas as postagens

4.3.22

Paul Valéry: "Le Sylphe" / "O Silfo": Nelson Ascher




O Silfo



Entrevisto e esquivo,

Eu sou esse aroma

Finado mas vivo

Que no vento assoma!


Entrevisto e incerto,

Acaso ou talento?

Mal se chega perto,

Concluiu-se o intento!


Entrelido e oculto?

Que erros, ao arguto,

Foram prometidos!


Entrevisto e alheio

Lapso nu de um seio

Entre dois vestidos!







Le Sylphe



Ni vu ni connu

Je suis le parfum

Vivant et défunt

Dans le vent venu !


Ni vu ni connu

Hasard ou génie ?

À peine venu

La tâche est finie !


Ni lu ni compris ?

Aux meilleurs esprits

Que d’erreurs promises !


Ni vu ni connu,

Le temps d’un sein nu

Entre deux chemises 





VALÉRY, Paul. "Le Sylphe / "O Silfo". In: ASCHER, Nelson. Poesia alheia. 124 poemas traduzidos. Rio de Janeiro: Imago, 1998. 




20.5.21

Nelson Ascher: "É isto?"

 



É isto?



Estou, mas onde?

Quem é que existo?

Entrei sem visto

e, até que o bonde


chegue imprevisto,

brinco de esconde-

esconde. É isto?

Ninguém responde.


Durmo desperto

e, em desconcerto

quando o consigo,


me desacordo

do desacordo

de um si consigo.




ASCHER, Nelson. "É isto?" In:_____. Parte alguma: poesia (1997-2004). São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

8.12.20

Christopher Ernest Dowson: "Vitae summa brevis spem nos vetat incohare longam": trad. de Nelson Ascher

 



Vitae summa brevis spem nos vetat incohare longam



A alegria, o desejo, o pranto, o amor

E a raiva duram pouco.

Nada disso, que eu saiba, há de transpor

O umbral conosco.


Poucos dias de rosas e de vinho:

Surge num vago sonho

E logo se desfaz nosso caminho

Dentro de um sonho.







Vitae summa brevis spem nos vetat incohare longam




They are not long, the weeping and the laughter,

Love and desire and hate:

I think they have no portion in us after

We pass the gate.


They are not long, the days of wine and roses:

Out of a misty dream

Our path emerges for a while, then closes

Within a dream.







DOWSON, Ernest Christopher. "Vitae summa brevis spem nos vetat incohare longam". In: ASCHER, Nelson. Poesia alheia. 124 poemas traduzidos. Rio de Janeiro: Imago, 1998.



18.11.20

Derek Walcott: "Midsummer, Tobago" / "Meio do verão, Tobago": tradução por Nelson Ascher

 



Meio do verão, Tobago


Vastas praias lapidadas pelo sol.

Calor branco.
Um rio verde.

Uma ponte,
palmeiras crestadas, amarelas

da casa que, na sesta estival,
cochila agosto afora.

Dias que retive,
dias que perdi,

dias que, como filhas, crescem para fora
da enseada dos meus braços.







Midsummer, Tobago



Broad sun-stoned beaches.

White heat.
A green river.

A bridge,
scorched yellow palms

from the summer-sleeping house
drowsing through August.

Days I have held,
days I have lost,

days that outgrow, like daughters,
my harbouring arms.






WALCOTT,  Derek. "Midsummer, Tobago" / "Meio do verão, Tobago". In: ASCHER,  Nelson (organização e tradução). Poesia alheia. 124 poemas traduzidos. Rio de Janeiro: Imago, 1998.


28.8.20

Guillaume Apollinaire: "Inscription qui se trouve sur le tombeau d'Apollinaire" / "Inscrição que se encontra sobre o seu túmulo"




Inscrição que se encontra
sobre o seu túmulo


Eu finalmente me afastei
De tudo o que há de natural
Posso morrer mas não pecar
E o que ninguém jamais tocou
Não só toquei como apalpei
Já perscrutei o que ninguém
Nunca sequer imaginou
E sopesei vezes sem conta
Até a vida imponderável
Se vou morrer, morro sorrindo






Incription qui se trouve
sur le tombeau d’Apollinaire


Je me suis enfin détaché
De toutes choses naturelles
Je peux enfin mourir mais non pêcher
Et ce qu’on n’a jamais touché
Je l’ai touché je l’ai palpé
Et j’ai scruté tout ce que nul
Ne peut en rien imaginer
Et j’ai soupesé maintes fois
Même la vie impondérable
Je peux mourir en souriant





APOLLINAIRE, Guillaume. "Inscription qui se trouve sur le tombeau d'Apollinaire" / "Inscrição que se encontra sobre seu túmulo". In: ASCHER, Nelson (trad. e org.). Poesia alheia; 124 poemas traduzidos. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1998.

5.6.20

Heinrich Heine: "Und bist du erst mein ehlich Weib" / "Quando eu te desposar, teus dias"




Quando eu te desposar, teus dias


Quando eu te desposar, teus dias
     Serão dignos de invejas;
Desfrutarás mil alegrias
     E ociosidade régia.

Hei de perdoar-te mau humor,
     E queixas mas -- é claro –
Se não cobrires de louvor
     Meu verso, eu me separo.




Und bist du erst mein ehlich Weib


Und bist du erst mein ehlich Weib,
     Dann bist du zu beneiden,
Dann lebst du in lauter Zeitvertreib,
     In lauter Pläsier und Freuden.

Und wenn du schiltst und wenn du tobst,
     Ich werd es geduldig leiden;
Doch wenn du meine Verse nicht lobst,
     Laß ich mich von dir scheiden.





HEINE, Heinrich. "Und bist du erst mein ehlich Weib" / "Quando eu te desposar". In: ASCHER, Nelson (trad. e org.). Poesia alheia. 124 poemas traduzidos. Rio de Janeiro: Imago, 1998

29.7.19

Dorothy Parker: "Résumé" / "Em suma": trad. de Nelson Ascher






Em suma

Navalhas doem,
ácido mancha,
o rio molha,
drogas dão cãibra;
arma é ilegal,
laço desfaz-se,
gás cheira mal.
Viva: é mais fácil.





Résumé

Razors pain you –
Rivers are damp:
Acids stain you;
And drugs cause cramp.
Guns aren’t lawful;
Nooses give;
Gas smells awful;
You might as well live.





PARKER, Dorothy. "Resumé" / "Em suma". In: ASCHER, Nelson. Poesia alheia. 124 poemas traduzidos. Trad. de Nelson Ascher. Rio de Janeiro: Imago, 1998.

1.6.19

Nelson Ascher: "Saudade"




Saudade

Posto que nem é de bom-tom falar
sobre a tristeza insossa
cujo vaivém, quando se apossa
de mim, me embala como o som

sem fim das ondas do Leblon,
dispondo-me a curtir a fossa
a sós, pus na vitrola a bossa
nova de João, Vinícius, Tom,

menos pra ouvir o que ela tem,
porque talvez já nem me agrade
a ausência tanto faz de quem,

do que pra que, pouco à vontade,
meu coração se encha, se bem
que sob protesto, de saudade.




ASCHER, Nelson. "Saudade". In:_____. Parte alguma. Poesia (1997-2004). São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

24.4.19

Johann Wolfgang von Goethe: "Wandrers Nachtlied" / "Canção noturna do andarilho: trad. por Nelson Ascher




Canção noturna do andarilho

No alto das colinas
há paz;
não se ouve, ali nas
frondes, mais
que um sopro manso.
Nem há no bosque um trino. Aguarda:
tampouco tarda
o teu descanso.






Wandrers Nachtlied

Über allen Gipfeln
Ist Ruh,
In allen Wipfeln
Spürest Du
Kaum einen Hauch;
Die Vögelein schweigen im Walde.
Warte nur, balde
Ruhest du auch.







GOETHE, Johann Wolfgang von. "Wandrers Nachtlied" / "Canção noturna do andarilho". In: ASCHER, Nelson (tradução e organização). Poesia alheia. Rio de Janeiro: Imago, 1998.

9.4.19

Nelson Ascher: "Elegiazinha"




Elegiazinha

[i. m. nikita (gata da Inês)]


Gatos não morrem de verdade:
eles apenas se reintegram
no ronronar da eternidade.

Gatos jamais morrem de fato:
suas almas saem de fininho
atrás de alguma alma de rato.

Gatos não morrem: sua fictícia
morte não passa de uma forma
mais refinada de preguiça.

Gatos não morrem: rumo a um nível
mais alto é que eles, galho a galho,
sobem numa árvore invisível.

Gatos não morrem: mais preciso
- se somem - é dizer que foram
rasgar sofás no paraíso

e dormirão lá, depois do ônus
de sete bem vividas vidas,
seus sete merecidos sonos.





ASCHER, Nelson. "Elegiazinha". In:_____. Parte alguma. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

13.3.19

Marcial: "Epigramma XVI": trad. de Nelson Ascher




1/16


Algo de bom, muito de médio e mais de ruim
lerás, Avito, aqui: um livro é feito assim.




I/XVI

Sunto bona, sunt quaedam mediocria, sunt mala plura
quae legis hic: aliter non fit, Avite, liber.






MARCIAL. "Epigramma I.XVI". In: ASCHER, Nelson. Poesia alheia. 124 poemas traduzidos. Rio de Janeiro: Imago, 1998.

15.2.19

W. B. Yeats: "An Irish airman foresees his death" / "Um aviador irlandês prevê a morte"



Um aviador irlandês prevê a morte


Encontrarei meu fim no meio

das nuvens de algum céu sobejo;

os que combato, eu não odeio,

também não amo os que protejo;

Kiltartan Cross é meu país,

seus pobres são a minha gente,

nada a fará mais infeliz

do que já era, ou mais contente.

Não é por lei ou por dever,

turba ou políticos, que luto,

mas pelo afã de me entreter,

a sós, nas nuvens em tumulto.

Tudo na mente foi pesado:

nada que espere ou que recorde

vale-me a pena comparado

com esta vida ou esta morte.






An Irish airman foresees his death


I know that I shall meet my fate 

Somewhere among the clouds above; 

Those that I fight I do not hate 

Those that I guard I do not love; 

My country is Kiltartan Cross,

My countrymen Kiltartan’s poor, 

No likely end could bring them loss 

Or leave them happier than before. 

Nor law, nor duty bade me fight, 

Nor public man, nor cheering crowds,

A lonely impulse of delight 

Drove to this tumult in the clouds; 

I balanced all, brought all to mind, 

The years to come seemed waste of breath, 

A waste of breath the years behind

In balance with this life, this death.






YEATS, W.B. "An Irish airman foresees his death" / "Um aviador irlandês prevê a morte". In: ASCHER, Nelson (org.). Poesia alheia. 124 poemas traduzidos. Rio de Janeiro: Imago, 1998.


24.1.19

Nelson Ascher: "Exegi monumentum"



Exegi monumentum

Ergui pra mim, mais alto
que o Empire State Building, menos
biodegradável mesmo
que o urânio, um monumento

que, à chuva ácida ileso
e imune à inversão térmica,
não tem turnover nem
sairá de moda nunca.

Não morrerei de todo:
cinqüenta ou mais por cento
de meu ego hão de incólumes
furtar-se à obsolescência

programada e hei de estar
no Quem É Quem enquanto
Hollywood dê seus Oscars
anuais ou supermodels

desfilem mudas pelas
mil e uma passarelas.
Onde transborda infecto
nosso Tietê, nas várzeas

garoentas sempre cujos
quatrocentões votavam
antanho em Jânio Quadros,
lembrar-se-ão de que fui

quem adaptou primeiro
em Sampa, ao berimbau
tropicalista, Horácio.
Credita-me tais méritos

e põe durante este ano
fiscal, Academia
Sueca, em minha conta
a grana do Nobel.




ASCHER, Nelson. "Exegi monumentum". In:_____. Parte alguma. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

10.9.18

W. P. Yeats: "A coat" / "Um manto": trad. por Nelson Ascher



Um manto

Fiz para o verso um manto
de alto a baixo ornado
com mitos do passado.
Tolos, no entanto,
ao mundo reles
o expõem como se urdido
fosse por eles.
Levem-no em paz,
pois, verso, andar despido
é mais audaz.





A coat

I made my song a coat
Covered with embroideries
Out of old mythologies
From heel to throat;
But the fools caught it,
Wore it in the world’s eyes
As though they’d wrought it.
Song, let them take it
For there’s more enterprise
In walking naked.





YEATS, W. B. "A coat" / "Um manto". In: ASCHER, Nelson. Poesia alheia; 124 poemas traduzidos. Trad. e org. por Nelson Ascher. Rio de Janeiro: Imago, 1998.

23.7.18

Elias Canetti: trecho de "A consciência das palavras": trad. de Nelson Ascher



A morte é o primeiro e mais antigo, haveria quase a tentação de dizer: o único fato. Tem uma idade monstruosa e, ainda assim, é nova a cada hora. Seu grau de dureza é dez, e ela corta também como o diamante. Ela possui o frio absoluto do espaço exterior: 273 graus negativos. Ela tem a velocidade de um furacão, a maior. Ela é muito real e superlativa, mas não é infinita, porque pode ser alcançada por qualquer caminho. Enquanto a morte existir, qualquer declaração é uma declaração contra ela. Enquanto a morte existir, qualquer luz é um fogo-fátuo, pois conduz a ela. Enquanto a morte existir, nenhuma beleza é bela, nenhuma bondade é boa. [...] Todas as tentativas de chegar a um acordo com a morte (e que mais são as religiões?) falharam. A descoberta de que não há nada após a morte – uma apavorante e inexaurível descoberta – banhou a vida com uma nova e desesperada santidade. O escritor que, em virtude do que nós, algo sumariamente, chamamos de seu vício, é capaz de de participar de muitas vidas deve participar também de todas as mortes que ameaçam aquelas vidas. Seu próprio medo (e quem não teme a morte?) deve tornar-se o medo que todos têm da morte. Seu próprio ódio (e quem não odeia a morte?) deve transformar-se no ódio que todos têm da morte. Isso e nada mais é sua oposição ao tempo, repleta de uma miríade de mortes.”



CANETTI, Elias. Trecho de “A consciência das palavras”. In: ASCHER, Nelson. “Canetti e a consciência das palavras”. Trad. por Nelson Ascher. In: Folha de São Paulo: Ilustrada, 02/05/1987.

16.10.17

Edgar Allan Poe: "Eldorado": trad. de Nelson Ascher



Eldorado

Um cavaleiro
seguiu faceiro
ao sol e à sombra, ousado
e, não obstante,
cantarolante,
em busca do Eldorado.

Mas ficou velho
esse andarilho
e não pôde, assombrado,
nunca, em lugar
algum, achar
nem sombra de Eldorado.

Enfim, diante
de sombra errante,
parou, já fatigado
e indagou: "Onde,
sombra, se esconde
a terra de Eldorado?"

"Vai às montanhas
da lua e entranhas
do atroz vale assombrado,
que há mais viagem”,
disse a miragem,
"se buscas o Eldorado."




Eldorado

Gaily bedight,
A gallant knight,
In sunshine and in shadow,
Had journeyed long,
Singing a song,
In search of Eldorado.

But he grew old
This knight so bold
And o'er his heart a shadow
Fell as he found
No spot of ground
That looked like Eldorado.

And, as his strength
Failed him at length,
He met a pilgrim shadow
"Shadow," said he,
"Where can it be
This land of Eldorado?"

"Over the Mountains
Of the Moon,
Down the Valley of the Shadow,
Ride, boldly ride,"
The shade replied
"If you seek for Eldorado!"




POE, Edgar Allan. "Eldorado". In: ASCHER, Nelson (trad. e org.). Poesia Alheia. 124 poemas traduzidos. Rio de Janeiro: Imago, 1998.

29.4.17

Giacomo Leopardi: "L'Infinito" / "O Infinito": trad. de Nelson Ascher

Agradeço ao poeta Nelson Ascher por me ter enviado a seguinte belíssima tradução que ele fez do clássico poema de Leopardi "L'INFINITO":


O INFINITO

Volto sempre a esta encosta solitária
e gosto até da sebe que me encobre
em boa parte o extremo do horizonte.
Porém, sentado e olhando, eu infindáveis 
espaços muito além e sobre-humanos
silêncios e as quietudes mais profundas
formo ao pensar, a ponto de que o peito
por pouco não se alarma. E ouvindo folhas
farfalharem ao vento, esta voz logo
comparo com aqueles infinitos
silêncios, e me assoma a eternidade
e as eras que passaram e esta nossa,
viva e ruidosa. Então meu pensamento
se afoga nessa imensidade toda:

e é doce naufragar num mar assim.



L'INFINITO

Sempre caro  mi fu quest’ermo colle, 
e questa siepe, che da tanta parte 
dell’ultimo orizzonte il guardo esclude. 
Ma sedendo e mirando, interminati 
spazi di là da quella, e sovrumani 
silenzi, e profondissima quïete 
io nel pensier mi fingo, ove per poco
il cor non si spaura. E come il vento 
odo stormir tra queste piante, io quello 
infinito silenzio a questa voce 
vo comparando: e mi sovvien l’eterno, 
e le morte stagioni, e la presente 
e viva, e il suon di lei. Così tra questa 
immensità s’annega il pensier mio: 
e il naufragar m’è dolce in questo mare.


LEOPARDI, Giacomo. "L'Infinito". In:_____. "Canti". In:_____. Opere di Giacomo Leopardi. Org. por Giovanni Getto. Milano: Ugo Mursia, 1975. 

3.4.17

Nelson Ascher: "Havia um surfista em Recife"





Havia um surfista em Recife
que usava só pranchas de grife.
    Tubarões, todavia,
    devoraram-no um dia
pensando tratar-se de um bife.



ASCHER, Nelson. "Havia um surfista em Recife". In:_____. "Aqui (limericks, epigramas & epitáfio)". In:_____. Parte alguma: poesia (1997-2004). São Paulo: Companhia das Letras, 2005.




27.10.16

Walter Savage Landor: "Epitaph" / "Epitáfio": trad. Nelson Ascher


Com 74 anos, o poeta Walter Savage Landor escreveu um epitáfio para si próprio. Ei-lo, seguido da bela tradução que dele fez o poeta Nelson Ascher:


Epitaph

I strove with none, for none was worth my strife:
Nature I loved and, next to Nature, Art.
I warm`d both hands before the fire of Life;
It sinks; and I am ready to depart.


Epitáfio

Não comprei briga: ninguém deu pro gasto.
Gostava de arte e amei a natureza.
Quentes as mãos do fogo, quase exausto
Da vida, eu me despeço sem tristeza.



LANDOR, Walter Savage. "Epitaph". In: Poetry Foundation. https://www.poetryfoundation.org/poems-and-poets/poems/detail/44562. October 17, 2016.

23.9.16

Nelson Ascher: "Neblina"




Neblina


Neblina densa, às vezes,
(poder-se-ia quase
cortá-la em cubos como
se fosse gelo) sobe

da terra ou baixa abrupta
do céu, quando se desce
(quem do planalto rume
ao litoral) a Serra

do Mar, à noite, após
a chuva ou antes dela,
nem há como julgar
qual treva, seja a preta

ou seja a branca, é mais
cerrada, sobretudo
porque não se distinguem
(escura sinergia)

sequer uma da outra,
levando a questionar
no meio do caminho
se, posto que amanheça,
há de amanhã sair
o sol de sempre, ou mesmo
se à beira mar –quem sabe
dizê-lo- ainda há mar.




Nelson Ascher. “Neblina”. In: Algo de sol. São Paulo: Editora 34, 1996.