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11.2.12
Marcel Proust: trecho de "À l'ombre des jeunes filles en fleurs"
[...] Compreendi melhor desde então que quando estamos apaixonados por uma mulher projetamos nela simplesmente um estado de nossa alma; que em conseqüência o importante não é o valor da mulher, mas a profundidade do estado; e que as emoções que uma moça medíocre nos dá podem permitir-nos fazer com que se elevem à nossa consciência partes mais íntimas de nós mesmos, mais pessoais, mais longínquas, mais essenciais do que poderia fazê-lo o prazer proporcionado pela conversação com um homem superior ou mesmo a contemplação e a admiração de suas obras.
[...] Je m’étais rendu mieux compte depuis qu’en étant amoureux d’une femme nous projetons simplement en elle un état de notre âme ; que par conséquent l’important n’est pas la valeur de la femme mais la profondeur de l’état ; et que les émotions qu’une jeune fille médiocre nous donne peuvent nous permettre de faire monter à notre conscience des parties plus intimes de nous-même, plus personnelles, plus lointaines, plus essentielles, que ne ferait le plaisir que nous donne la conversation d’un homme supérieur ou même la contemplation admirative de ses œuvres.
PROUST, Marcel. À l'ombre des jeunes filles en fleur. Paris: Gallimard, 1919.
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27.10.10
Marcel Proust: de "A l'ombre des jeunes filles en fleurs"
J’avais autrefois entrevu aux Champs-Élysées et je m’étais rendu mieux compte depuis qu’en étant amoureux d’une femme nous projetons simplement en elle un état de notre âme ; que par conséquent l’important n’est pas la valeur de la femme mais la profondeur de l’état ; et que les émotions qu’une jeune fille médiocre nous donne peuvent nous permettre de faire monter à notre conscience des parties plus intimes de nous-même, plus personnelles, plus lointaines, plus essentielles, que ne ferait le plaisir que nous donne la conversation d’un homme supérieur ou même la contemplation admirative de ses œuvres.
Eu havia outrora entrevisto nos Champs Élysées, e depois compreendi melhor, que, quando estamos enamorados de uma mulher, projetamos simplesmente nela um estado de nossa alma; que por conseguinte o importante não é o valor da mulher, mas a profundidade do estado; e que as emoções que uma moça medíocre nos dá podem permitir-nos fazer elevarem-se à consciência algumas partes mais íntimas de nós mesmos, mais pessoais, mais longínquas, mais essenciais do que o prazer de conversar com um homem superior ou mesmo o de contemplar com admiração suas obras seria capaz de produzir.
PROUST, Marcel. "A l'ombre des jeunes filles en fleurs". A la recherche du temps perdu. Paris: Gallimard, 1919.
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13.7.08
Sobre o tédio
O seguinte artigo foi publicado na minha coluna da "Ilustrada", da Folha de São Paulo , sábado, 12 de julho de 2008.
Sobre o tédio
EM CERTO ponto do romance "O Vermelho e o Negro", de Stendhal, um dos personagens -o príncipe Korasoff- censura a tristeza do herói, Julien Sorel, explicando-lhe que "o ar triste não pode ser de bom tom; o que é necessário é o ar entediado. Se você está triste, há alguma coisa que lhe falta, alguma coisa que você não conseguiu. É mostrar-se inferior. Se você está entediado, ao contrário, o que é inferior é aquilo que em vão tentou agradá-lo". É sem dúvida por essa razão que o ar blasé é tido por muitos como sinal de superioridade.
Não vejo superioridade nenhuma na pessoa cronicamente entediada. Se alguém, para parecer superior, precisa fingir estar entediado, é porque, na verdade, se sente inferior. Seu ar entediado é uma tentativa de se vingar dessa inferioridade. Por outro lado, uma pessoa que esteja sempre ou quase sempre genuinamente entediada não pode deixar de ser, em primeiro lugar, entediante: ela é entediada exatamente porque entendia a si própria.
Refiro-me aqui, é claro, às pessoas livres, isto é, àquelas que podem dispor, em medida considerável, do seu tempo. O que digo não se aplica, por exemplo, a enfermos, a prisioneiros ou a trabalhadores forçados.
E todos nós estamos sujeitos a momentos de tédio, como, por exemplo, quando nos encontramos, sem material de leitura, numa fila de banco, ou numa cerimônia da qual, por alguma razão, não conseguimos deixar de participar.
Fora semelhantes casos, porém, quase todos os nossos tédios são, como diz o poeta Paul Valéry, "nossa criação original". Difamar o mundo -e o mundo é sempre o mundo contemporâneo-, chamando-o de tedioso, diz muito sobre o difamador e nada sobre o mundo. Este não pode ser classificado nem de tedioso nem de interessante, pois é nele que se encontra tudo o que pode haver de interessante e de tedioso. Por isso, ele é entediante para quem é entediante, superficial para quem é superficial, profundo para quem é profundo, e interessante para quem é interessante.
Assim é que, por exemplo, com um estado de espírito oposto ao do difamador do mundo, Montesquieu anotou num caderno que quase nunca tinha tristeza, e menos ainda tédio. Na mesma página, escreveu também: "Acordo de manhã com uma alegria secreta; vejo a luz com uma espécie de arrebatamento". Esse, sim, é um sentimento verdadeiramente superior.
Contudo, não ignoro que haja pessoas livres, com saúde, e até interessantes, que às vezes se entediam exatamente quando têm lazer, isto é, quando poderiam, por exemplo, não digo nem viajar, mas simplesmente ler um grande romance, escrever uma carta ou um poema, ou não mais que andar na rua, apreciando a paisagem ou o movimento, ou, quem sabe, a passagem dessa ou daquela promessa de felicidade. Nem ignoro que qualquer uma das atividades que acabo de citar -ou qualquer outra que se imagine- seria capaz de lhes sugerir exatamente o cúmulo do tédio. Por quê? Como é possível ser tediosa a vida de uma pessoa que dispõe do seu tempo?
Creio que a resposta é que o tédio costuma acometer qualquer um que tenha orientado tudo na sua vida por uma única causa final.
A pessoa para quem o tédio se dá desse modo é aquela que tem um interesse obsessivo por uma só coisa. Nesse caso, encarando todas as demais coisas como meros caminhos ou obstáculos para a consecução do seu objetivo, ela as destitui de qualquer interesse intrínseco.
À medida que, em vez de facilitar o avanço dela rumo a esse ponto final, algo possui uma espessura e opacidade própria, à medida que exige atenção para si mesmo, passa a ser um obstáculo. Sendo assim, o tempo que, a contragosto, tal pessoa é obrigada a lhe dedicar, passa a ser um tempo de desvio, tempo que gostaria de ver passar o mais rapidamente possível, abrindo-lhe novamente caminho para a retomada da corrida rumo à finalidade última. Tal é o tempo do tédio, que ela tenta "matar", como se o tempo não constituísse a própria substância da vida.
O ponto final pode ser, por exemplo, uma paixão devoradora, que atropele tudo o mais. Digamos que uma pessoa vá a uma festa esperando ver o objeto de sua paixão e, lá chegando, não o veja. Então a festa que, não fosse por essa frustração, poderia ser uma delícia, torna-se, para ela, o mais puro tédio. Sem ganhar o objeto da paixão, ela perde o mundo. Eis uma das razões pelas quais tantos filósofos -inclusive Epicuro, que elogiava o prazer- apreciam o amor e a amizade, mas desconfiam da paixão.
Sobre o tédio
EM CERTO ponto do romance "O Vermelho e o Negro", de Stendhal, um dos personagens -o príncipe Korasoff- censura a tristeza do herói, Julien Sorel, explicando-lhe que "o ar triste não pode ser de bom tom; o que é necessário é o ar entediado. Se você está triste, há alguma coisa que lhe falta, alguma coisa que você não conseguiu. É mostrar-se inferior. Se você está entediado, ao contrário, o que é inferior é aquilo que em vão tentou agradá-lo". É sem dúvida por essa razão que o ar blasé é tido por muitos como sinal de superioridade.
Não vejo superioridade nenhuma na pessoa cronicamente entediada. Se alguém, para parecer superior, precisa fingir estar entediado, é porque, na verdade, se sente inferior. Seu ar entediado é uma tentativa de se vingar dessa inferioridade. Por outro lado, uma pessoa que esteja sempre ou quase sempre genuinamente entediada não pode deixar de ser, em primeiro lugar, entediante: ela é entediada exatamente porque entendia a si própria.
Refiro-me aqui, é claro, às pessoas livres, isto é, àquelas que podem dispor, em medida considerável, do seu tempo. O que digo não se aplica, por exemplo, a enfermos, a prisioneiros ou a trabalhadores forçados.
E todos nós estamos sujeitos a momentos de tédio, como, por exemplo, quando nos encontramos, sem material de leitura, numa fila de banco, ou numa cerimônia da qual, por alguma razão, não conseguimos deixar de participar.
Fora semelhantes casos, porém, quase todos os nossos tédios são, como diz o poeta Paul Valéry, "nossa criação original". Difamar o mundo -e o mundo é sempre o mundo contemporâneo-, chamando-o de tedioso, diz muito sobre o difamador e nada sobre o mundo. Este não pode ser classificado nem de tedioso nem de interessante, pois é nele que se encontra tudo o que pode haver de interessante e de tedioso. Por isso, ele é entediante para quem é entediante, superficial para quem é superficial, profundo para quem é profundo, e interessante para quem é interessante.
Assim é que, por exemplo, com um estado de espírito oposto ao do difamador do mundo, Montesquieu anotou num caderno que quase nunca tinha tristeza, e menos ainda tédio. Na mesma página, escreveu também: "Acordo de manhã com uma alegria secreta; vejo a luz com uma espécie de arrebatamento". Esse, sim, é um sentimento verdadeiramente superior.
Contudo, não ignoro que haja pessoas livres, com saúde, e até interessantes, que às vezes se entediam exatamente quando têm lazer, isto é, quando poderiam, por exemplo, não digo nem viajar, mas simplesmente ler um grande romance, escrever uma carta ou um poema, ou não mais que andar na rua, apreciando a paisagem ou o movimento, ou, quem sabe, a passagem dessa ou daquela promessa de felicidade. Nem ignoro que qualquer uma das atividades que acabo de citar -ou qualquer outra que se imagine- seria capaz de lhes sugerir exatamente o cúmulo do tédio. Por quê? Como é possível ser tediosa a vida de uma pessoa que dispõe do seu tempo?
Creio que a resposta é que o tédio costuma acometer qualquer um que tenha orientado tudo na sua vida por uma única causa final.
A pessoa para quem o tédio se dá desse modo é aquela que tem um interesse obsessivo por uma só coisa. Nesse caso, encarando todas as demais coisas como meros caminhos ou obstáculos para a consecução do seu objetivo, ela as destitui de qualquer interesse intrínseco.
À medida que, em vez de facilitar o avanço dela rumo a esse ponto final, algo possui uma espessura e opacidade própria, à medida que exige atenção para si mesmo, passa a ser um obstáculo. Sendo assim, o tempo que, a contragosto, tal pessoa é obrigada a lhe dedicar, passa a ser um tempo de desvio, tempo que gostaria de ver passar o mais rapidamente possível, abrindo-lhe novamente caminho para a retomada da corrida rumo à finalidade última. Tal é o tempo do tédio, que ela tenta "matar", como se o tempo não constituísse a própria substância da vida.
O ponto final pode ser, por exemplo, uma paixão devoradora, que atropele tudo o mais. Digamos que uma pessoa vá a uma festa esperando ver o objeto de sua paixão e, lá chegando, não o veja. Então a festa que, não fosse por essa frustração, poderia ser uma delícia, torna-se, para ela, o mais puro tédio. Sem ganhar o objeto da paixão, ela perde o mundo. Eis uma das razões pelas quais tantos filósofos -inclusive Epicuro, que elogiava o prazer- apreciam o amor e a amizade, mas desconfiam da paixão.
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