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7.1.17
Cioran: "Nossa época"
Nossa época será marcada pelo romantismo dos apátridas. Já se forma a imagem de um universo onde ninguém mais terá direito de cidadania.
Em todo cidadão de hoje jaz um meteco futuro.
CIORAN. "Occident". In:_____. Syllogismes de l'amertume. Paris: Gallimard, 1980.
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25.11.14
Cioran: de "L'escroc du gouffre"
Uma poesia digna desse nome começa pela experiência da fatalidade. Livres não são senão os maus poetas.
CIORAN. Syllogismes de l'amertume. Paris: Gallimard, 1980.
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29.1.12
Cioran: trecho de "Borges. Carta a Fernando Savater"
[...]
Nunca fui atraído por espíritos confinados numa única forma de cultura. Não se enraizar, não pertencer a nenhuma comunidade - esta foi e é minha divisa. Voltado para outros horizontes, sempre procurei saber o que se passava alhures. Aos vinte anos, os Bálcãs não podiam me oferecer mais nada. É o drama, e a vantagem também, de ter nascido num espaço "cultural" menor, qualquer que seja ele. O estrangeiro se tornara meu deus. Daí esta sede de peregrinar através das literaturas e das filosofias, de devorá-las com ardor doentio. O que acontece no Leste da Europa deve necessariamente acontecer nos países da América Latina e observei que seus representantes são infinitamente mais informados, mais "cultos" que os Ocidentais, incuravelmente provincianos. Nem na França ou na Inglaterra vi alguém que tivesse uma curiosidade comparável à de Borges, uma curiosidade exacerbada até a mania, até o vício, digo realmente vício porque, em matéria de arte e de reflexão, tudo o que não se transforma em entusiasmo um pouco perverso é superficial, logo irreal.
[...]
CIORAN. "Borges. Carta a Fernando Savater". In:_____. Exercícios de admiração. Tradução de José Thomaz Brum. Rio de Janeiro: Rocco, 2011.
8.6.11
Cioran: de "Silogismos da amargura"
O Inferno -- tão exato como um atestado.
O Purgatório -- falso como toda alusão ao Céu.
O Paraíso -- mostruário de ficções e de insipidezes...
A trilogia de Dante constitui a mais alta reabilitação do diabo empreendida por um cristão.
CIORAN, E.M. Silogismos da amargura. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2011.
15.12.08
Cioran: sobre Nietzsche
.
Ainda jovens, exercitamo-nos na filosofia, menos para nela buscar uma visão que um estimulante; encarniçamo-nos com as idéias, adivinhamos o delírio que as produziu, sonhamos imitá-lo e exagerá-lo. A adolescência se compraz com o malabarismo das altitudes; num pensador, ela ama o saltimbanco; em Nietzsche, amamos Zaratustra, suas poses, sua clowneria mística, verdadeira feira dos cumes...
Sua idolatria da força deriva menos de um esnobismo evolucionista que de uma tensão interior projetada para o exterior, de uma embriaguez que interpreta o devir e o aceita. Disso resultaria uma imagem falsa da vida e da história. Mas era preciso passar por lá, pela orgia filosófica, pelo culto da vitalidade. Os que se recusaram a fazê-lo não conhecerão jamais a recaída, o antípoda e os trejeitos desse culto: ficarão fechados às fontes do engano.
Tínhamos com Nietzsche acreditado na perenidade dos transes; graças à maturidade do nosso cinismo, fomos mais longe que ele. A idéia do super-homem não nos parece mais que uma elucubração; ela nos dava a impressão de ser tão exata quanto um dado da experiência. Assim se esvaece o encantador da nossa juventude. Mas quem dele – se ele foi muitos – permanece ainda? É o especialista em degradações, o psicólogo, psicólogo agressivo, não somente observador como os moralistas. Escruta como inimigo e se cria inimigos. Mas seus inimigos, tira-os de si, como os vícios que denuncia. Encarniça-se contra os fracos? É que faz introspecção; e quando ataca a decadência, descreve o seu estado. Todos os seus ódios vão indiretamente contra si próprio. Suas fraquezas, ele as proclama e as eleva a ideal; se ele se execra, quem sofre é o cristianismo ou o socialismo. Seu diagnóstico do niilismo é irrefutável: é que ele mesmo é niilista, e que o confessa. Panfletário amoroso de seus adversários, não conseguiria suportar-se se não tivesse consigo combatido contra si, se não tivesse colocado suas misérias em outro lugar, nos outros: vingou-se neles do que ele era. Tendo praticado a psicologia como herói, propõe, aos apaixonados pelo Inextricável, uma diversidade de impasses.
Medimos sua fecundidade pelas possibilidades que nos oferece de renegá-lo continuamente sem esgotá-lo. Espírito nômade, ele sabe variar seus desequilíbrios. Em todas as coisas, sustentou o pró e o contra: espalhar-se em múltiplos destinos é o procedimento daqueles que se entregam à especulação por não conseguirem escrever tragédias. – De todo modo, exibindo suas histerias, Nietzsche nos livrou do pudor das nossas: suas misérias foram-nos salutares. Ele abriu a época dos “complexos”.
De: CIORAN. "L'escroc du gouffre". In: Syllogismes de l'amertume. Paris: Folio, 1980.
Ainda jovens, exercitamo-nos na filosofia, menos para nela buscar uma visão que um estimulante; encarniçamo-nos com as idéias, adivinhamos o delírio que as produziu, sonhamos imitá-lo e exagerá-lo. A adolescência se compraz com o malabarismo das altitudes; num pensador, ela ama o saltimbanco; em Nietzsche, amamos Zaratustra, suas poses, sua clowneria mística, verdadeira feira dos cumes...
Sua idolatria da força deriva menos de um esnobismo evolucionista que de uma tensão interior projetada para o exterior, de uma embriaguez que interpreta o devir e o aceita. Disso resultaria uma imagem falsa da vida e da história. Mas era preciso passar por lá, pela orgia filosófica, pelo culto da vitalidade. Os que se recusaram a fazê-lo não conhecerão jamais a recaída, o antípoda e os trejeitos desse culto: ficarão fechados às fontes do engano.
Tínhamos com Nietzsche acreditado na perenidade dos transes; graças à maturidade do nosso cinismo, fomos mais longe que ele. A idéia do super-homem não nos parece mais que uma elucubração; ela nos dava a impressão de ser tão exata quanto um dado da experiência. Assim se esvaece o encantador da nossa juventude. Mas quem dele – se ele foi muitos – permanece ainda? É o especialista em degradações, o psicólogo, psicólogo agressivo, não somente observador como os moralistas. Escruta como inimigo e se cria inimigos. Mas seus inimigos, tira-os de si, como os vícios que denuncia. Encarniça-se contra os fracos? É que faz introspecção; e quando ataca a decadência, descreve o seu estado. Todos os seus ódios vão indiretamente contra si próprio. Suas fraquezas, ele as proclama e as eleva a ideal; se ele se execra, quem sofre é o cristianismo ou o socialismo. Seu diagnóstico do niilismo é irrefutável: é que ele mesmo é niilista, e que o confessa. Panfletário amoroso de seus adversários, não conseguiria suportar-se se não tivesse consigo combatido contra si, se não tivesse colocado suas misérias em outro lugar, nos outros: vingou-se neles do que ele era. Tendo praticado a psicologia como herói, propõe, aos apaixonados pelo Inextricável, uma diversidade de impasses.
Medimos sua fecundidade pelas possibilidades que nos oferece de renegá-lo continuamente sem esgotá-lo. Espírito nômade, ele sabe variar seus desequilíbrios. Em todas as coisas, sustentou o pró e o contra: espalhar-se em múltiplos destinos é o procedimento daqueles que se entregam à especulação por não conseguirem escrever tragédias. – De todo modo, exibindo suas histerias, Nietzsche nos livrou do pudor das nossas: suas misérias foram-nos salutares. Ele abriu a época dos “complexos”.
De: CIORAN. "L'escroc du gouffre". In: Syllogismes de l'amertume. Paris: Folio, 1980.
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8.12.08
Cioran: "Genealogia do fanatismo"
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Genealogia do fanatismo
Em si mesma, toda idéia é neutra ou deveria sê-lo; mas o homem a anima, projeta nela suas chamas e suas demências; impura, transformada em crença, insere-se no tempo, toma a forma de acontecimento: a passagem da lógica à epilepsia está consumada... Assim nascem as ideologias, as doutrinas e as farsas sangrentas.
Idólatras por instinto, convertemos em incondicionados os objetos de nossos sonhos e de nossos interesses. A história não passa de um desfile de falsos Absolutos, uma sucessão de templos elevados a pretextos, um aviltamento do espírito ante o Improvável. Mesmo quando se afasta da religião o homem permanece submetido a ela; esgotando-se em forjar simulacros de deuses, adota-os depois febrilmente: sua necessidade de ficção, de mitologia, triunfa sobre a evidência e o ridículo. Sua capacidade de adorar é responsável por todos os seus crimes: o que ama indevidamente um deus obriga os outros a amá-lo, na espera de exterminá-los se se recusam. Não há intolerância, intransigência ideológica ou proselitismo que não revelem o fundo bestial do entusiasmo. Que perca o homem sua faculdade de indiferença: torna-se um assassino virtual; que transforme sua idéia em deus: as conseqüências são incalculáveis. Só se mata em nome de um deus ou de seus sucedâneos: os excessos suscitados pela deusa Razão, pela idéia de nação, de classe ou de raça são parentes dos da Inquisição ou da Reforma. As épocas de fervor se distinguem pelas façanhas sanguinárias. Santa Teresa só podia ser contemporânea dos autos-de-fé e Lutero do massacre dos camponeses. Nas crises místicas, os gemidos das vítimas são paralelos aos gemidos do êxtase... patíbulos, calabouços e masmorras só prosperam à sombra de uma fé -- dessa necessidade de crer que infestou o espírito para sempre. O diabo empalidece comparado a quem dispõe de urna verdade, de sua verdade. Somos injustos com os Neros ou com os Tibérios: eles não inventaram o conceito de herético: foram apenas sonhadores degenerados que se divertiam com os massacres. Os verdadeiros criminosos são os que estabelecem uma ortodoxia no plano religioso ou político, os que distinguem entre o fiel e o cismático.
No momento em que nos recusamos a admitir o caráter intercambiável das idéias, o sangue corre... Sob as resoluções ergue-se um punhal; os olhos inflamados pressagiam o crime. Jamais o espírito hesitante, afligido pelo hamletismo, foi pernicioso: o princípio do mal reside na tensão da vontade, na inaptidão para o quietismo, na megalomania prometéica de uma raça que se arrebenta de tanto ideal, que explode sob suas convicções e, que, por haver-se comprazido em depreciar a dúvida e a preguiça — vícios mais nobres do que todas as suas virtudes —, embrenhou-se em uma via de perdição, na história, nesta mescla indecente de banalidade e apocalipse... Nela as certezas abundam: suprima-as e suprimirá sobretudo suas conseqüências: reconstituirá o paraíso. O que é a Queda senão a busca de uma verdade e a certeza de havê-la encontrado, a paixão por um dogma, o estabelecimento de um dogma? Disso resulta o fanatismo — tara capital que dá ao homem o gosto pela eficácia, pela profecia e pelo terror —, lepra lírica que contamina as almas, as submete, as tritura ou as exalta... Só escapam a ela os céticos (ou os preguiçosos e os estetas), porque não propõem nada, porque — verdadeiros benfeitores da humanidade — destroem os preconceitos e analisam o delírio. Sinto-me mais seguro junto de um Pirro do que de um São Paulo, pela razão de que uma sabedoria de boutades é mais doce do que uma santidade desenfreada. Em um espírito ardente encontramos o animal de rapina disfarçado; não poderíamos defender-nos demasiado das garras de um profeta... Quando elevar a voz, seja em nome do céu, da cidade ou de outros pretextos, afaste-se dele: sátiro de nossa solidão, não perdoa que vivamos aquém de suas verdades e de seus arrebatamentos; quer fazer-nos compartilhar de sua histeria, de seu bem, impô-lo a nós e desfigurar-nos. Um ser possuído por uma crença e que não procurasse comunicá-la aos outros seria um fenômeno estranho à terra, onde a obsessão da salvação torna a vida irrespirável. Olhe à sua volta: por toda parte larvas que pregam; cada instituição traduz uma missão; as prefeituras têm seu absoluto como os templos; a administração, com seus regulamentos — metafísica para uso de macacos... Todos se esforçam por remediar a vida de todos; aspiram a isso até os mendigos, inclusive os incuráveis: as calçadas do mundo e os hospitais transbordam de reformadores. A ânsia de tornar-se fonte de acontecimentos atua sobre cada um como uma desordem mental ou uma maldição intencional. A sociedade é um inferno de salvadores! O que Diógenes buscava com sua lanterna era um indiferente.
Basta-me ouvir alguém falar sinceramente de ideal, de futuro, de filosofia, ouvi-lo dizer "nós" com um tom de segurança, invocar os "outros" e sentir-se seu intérprete, para que o considere meu inimigo. Vejo nele um tirano fracassado, quase um carrasco, tão odioso quanto os tiranos e os carrascos de alta classe. É que toda fé exerce uma forma de terror, ainda mais temível quando os "puros" são seus agentes. Suspeita-se dos espertos, dos velhacos, dos farsantes; no entanto, não poderíamos atribuir-lhes nenhuma das grandes convulsões da história; não acreditando em nada, não vasculham nossos corações, nem nossos pensamentos mais íntimos; abandonam-nos à nossa indolência, ao nosso desespero ou à nossa inutilidade; a humanidade deve a eles os poucos momentos de prosperidade que conheceu: são eles que salvam os povos que os fanáticos torturam e que os "idealistas" arruínam. Sem doutrinas só possuem caprichos
e interesses, vícios complacentes, mil vezes mais suportáveis que os estragos provocados pelo despotismo dos princípios; porque todos os males da vida provêm de uma "concepção da vida". Um homem político completo deveria aprofundar-se nos sofistas antigos e tomar aulas de canto; e de corrupção...
O fanático é incorruptível: se mata por uma idéia, pode igualmente morrer por ela; nos dois casos, tirano ou mártir, é um monstro. Não existem seres mais perigosos do que os que sofreram por uma crença: os grandes perseguidores se recrutam entre os mártires cuja cabeça não foi cortada. Longe de diminuir o apetite de poder, o sofrimento o exaspera; por isso o espírito sente-se mais à vontade na companhia de um fanfarrão do que na de um mártir: e nada o repugna tanto como este espetáculo onde se morre per urna idéia... Farto do sublime e de carnificinas, sonha com um tédio provinciano em escala universal, com uma História cuja estagnação seria tal que a dúvida representaria um acontecimento e a esperança uma calamidade...
De: CIORAN. Breviário de decomposição. Rio de Janeiro: Rocco, 1989.
Genealogia do fanatismo
Em si mesma, toda idéia é neutra ou deveria sê-lo; mas o homem a anima, projeta nela suas chamas e suas demências; impura, transformada em crença, insere-se no tempo, toma a forma de acontecimento: a passagem da lógica à epilepsia está consumada... Assim nascem as ideologias, as doutrinas e as farsas sangrentas.
Idólatras por instinto, convertemos em incondicionados os objetos de nossos sonhos e de nossos interesses. A história não passa de um desfile de falsos Absolutos, uma sucessão de templos elevados a pretextos, um aviltamento do espírito ante o Improvável. Mesmo quando se afasta da religião o homem permanece submetido a ela; esgotando-se em forjar simulacros de deuses, adota-os depois febrilmente: sua necessidade de ficção, de mitologia, triunfa sobre a evidência e o ridículo. Sua capacidade de adorar é responsável por todos os seus crimes: o que ama indevidamente um deus obriga os outros a amá-lo, na espera de exterminá-los se se recusam. Não há intolerância, intransigência ideológica ou proselitismo que não revelem o fundo bestial do entusiasmo. Que perca o homem sua faculdade de indiferença: torna-se um assassino virtual; que transforme sua idéia em deus: as conseqüências são incalculáveis. Só se mata em nome de um deus ou de seus sucedâneos: os excessos suscitados pela deusa Razão, pela idéia de nação, de classe ou de raça são parentes dos da Inquisição ou da Reforma. As épocas de fervor se distinguem pelas façanhas sanguinárias. Santa Teresa só podia ser contemporânea dos autos-de-fé e Lutero do massacre dos camponeses. Nas crises místicas, os gemidos das vítimas são paralelos aos gemidos do êxtase... patíbulos, calabouços e masmorras só prosperam à sombra de uma fé -- dessa necessidade de crer que infestou o espírito para sempre. O diabo empalidece comparado a quem dispõe de urna verdade, de sua verdade. Somos injustos com os Neros ou com os Tibérios: eles não inventaram o conceito de herético: foram apenas sonhadores degenerados que se divertiam com os massacres. Os verdadeiros criminosos são os que estabelecem uma ortodoxia no plano religioso ou político, os que distinguem entre o fiel e o cismático.
No momento em que nos recusamos a admitir o caráter intercambiável das idéias, o sangue corre... Sob as resoluções ergue-se um punhal; os olhos inflamados pressagiam o crime. Jamais o espírito hesitante, afligido pelo hamletismo, foi pernicioso: o princípio do mal reside na tensão da vontade, na inaptidão para o quietismo, na megalomania prometéica de uma raça que se arrebenta de tanto ideal, que explode sob suas convicções e, que, por haver-se comprazido em depreciar a dúvida e a preguiça — vícios mais nobres do que todas as suas virtudes —, embrenhou-se em uma via de perdição, na história, nesta mescla indecente de banalidade e apocalipse... Nela as certezas abundam: suprima-as e suprimirá sobretudo suas conseqüências: reconstituirá o paraíso. O que é a Queda senão a busca de uma verdade e a certeza de havê-la encontrado, a paixão por um dogma, o estabelecimento de um dogma? Disso resulta o fanatismo — tara capital que dá ao homem o gosto pela eficácia, pela profecia e pelo terror —, lepra lírica que contamina as almas, as submete, as tritura ou as exalta... Só escapam a ela os céticos (ou os preguiçosos e os estetas), porque não propõem nada, porque — verdadeiros benfeitores da humanidade — destroem os preconceitos e analisam o delírio. Sinto-me mais seguro junto de um Pirro do que de um São Paulo, pela razão de que uma sabedoria de boutades é mais doce do que uma santidade desenfreada. Em um espírito ardente encontramos o animal de rapina disfarçado; não poderíamos defender-nos demasiado das garras de um profeta... Quando elevar a voz, seja em nome do céu, da cidade ou de outros pretextos, afaste-se dele: sátiro de nossa solidão, não perdoa que vivamos aquém de suas verdades e de seus arrebatamentos; quer fazer-nos compartilhar de sua histeria, de seu bem, impô-lo a nós e desfigurar-nos. Um ser possuído por uma crença e que não procurasse comunicá-la aos outros seria um fenômeno estranho à terra, onde a obsessão da salvação torna a vida irrespirável. Olhe à sua volta: por toda parte larvas que pregam; cada instituição traduz uma missão; as prefeituras têm seu absoluto como os templos; a administração, com seus regulamentos — metafísica para uso de macacos... Todos se esforçam por remediar a vida de todos; aspiram a isso até os mendigos, inclusive os incuráveis: as calçadas do mundo e os hospitais transbordam de reformadores. A ânsia de tornar-se fonte de acontecimentos atua sobre cada um como uma desordem mental ou uma maldição intencional. A sociedade é um inferno de salvadores! O que Diógenes buscava com sua lanterna era um indiferente.
Basta-me ouvir alguém falar sinceramente de ideal, de futuro, de filosofia, ouvi-lo dizer "nós" com um tom de segurança, invocar os "outros" e sentir-se seu intérprete, para que o considere meu inimigo. Vejo nele um tirano fracassado, quase um carrasco, tão odioso quanto os tiranos e os carrascos de alta classe. É que toda fé exerce uma forma de terror, ainda mais temível quando os "puros" são seus agentes. Suspeita-se dos espertos, dos velhacos, dos farsantes; no entanto, não poderíamos atribuir-lhes nenhuma das grandes convulsões da história; não acreditando em nada, não vasculham nossos corações, nem nossos pensamentos mais íntimos; abandonam-nos à nossa indolência, ao nosso desespero ou à nossa inutilidade; a humanidade deve a eles os poucos momentos de prosperidade que conheceu: são eles que salvam os povos que os fanáticos torturam e que os "idealistas" arruínam. Sem doutrinas só possuem caprichos
e interesses, vícios complacentes, mil vezes mais suportáveis que os estragos provocados pelo despotismo dos princípios; porque todos os males da vida provêm de uma "concepção da vida". Um homem político completo deveria aprofundar-se nos sofistas antigos e tomar aulas de canto; e de corrupção...
O fanático é incorruptível: se mata por uma idéia, pode igualmente morrer por ela; nos dois casos, tirano ou mártir, é um monstro. Não existem seres mais perigosos do que os que sofreram por uma crença: os grandes perseguidores se recrutam entre os mártires cuja cabeça não foi cortada. Longe de diminuir o apetite de poder, o sofrimento o exaspera; por isso o espírito sente-se mais à vontade na companhia de um fanfarrão do que na de um mártir: e nada o repugna tanto como este espetáculo onde se morre per urna idéia... Farto do sublime e de carnificinas, sonha com um tédio provinciano em escala universal, com uma História cuja estagnação seria tal que a dúvida representaria um acontecimento e a esperança uma calamidade...
De: CIORAN. Breviário de decomposição. Rio de Janeiro: Rocco, 1989.
14.9.08
Javier Cercas: trecho de "Todo eran campos"
A mí me parece que el peor vicio de los filósofos –o simplemente de eso que algunos llaman intelectuales– consiste en empeñarse en ser interesantes. Yo debo de estar muy anticuado, porque sigo pensando que la filosofía no sirve para disentir del discurso dominante, sino sólo para decir la verdad, y la verdad no siempre es interesante. Decir que todos los hombres buscan la felicidad es aburrido y poco original, porque los filósofos llevan diciéndolo por lo menos desde Aristóteles, pero tiene la ventaja de ser cierto; reivindicar la infelicidad, la enfermedad y la vejez, como hace ahora el filósofo alemán Boris Groys para disentir del discurso dominante de la apoteosis juvenil –no por la alegría de que esas tres tristes cosas formen parte de la vida–, es desde luego original, pero tiene la desventaja de ser una tontería incapaz de sobrevivir al contraste de la experiencia personal: como todo el mundo, cuando yo tenía 18 años era un príncipe sin miedo; como todo el mundo, ahora que tengo 46 no soy más que un mendigo que, como decía el filósofo Cioran, apenas está aprendiendo a convertir sus terrores en sarcasmos.
De: CERCAS, Javier. "Todo eran campos". El País Semanal. Madrid, 7/9/2008.
De: CERCAS, Javier. "Todo eran campos". El País Semanal. Madrid, 7/9/2008.
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10.9.08
Cioran no blog do Mariano
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No seu blog, Mariano dedicou a mim a postagem de um trecho do admirável Breviário de decomposição, de Cioran. Fico grato pela homenagem, que me comove, mas sobretudo recomendo aos leitores deste blog que leiam o belíssimo texto de Cioran, no seguinte endereço: http://peneiradorato.blogspot.com/2008/09/brevirio-de-decomposio-cioran.html.
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No seu blog, Mariano dedicou a mim a postagem de um trecho do admirável Breviário de decomposição, de Cioran. Fico grato pela homenagem, que me comove, mas sobretudo recomendo aos leitores deste blog que leiam o belíssimo texto de Cioran, no seguinte endereço: http://peneiradorato.blogspot.com/2008/09/brevirio-de-decomposio-cioran.html.
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19.6.08
Cioran: de "Syllogismes de l'amertume"
Sans Dieu tout est néant; et Dieu? Néant suprême.
[Sem Deus tudo é nada; e Deus? Nada supremo.]
De: "Le cirque de la solitude", in: Syllogismes de l'amertume. Paris: Gallimard, 1980, p.79
[Sem Deus tudo é nada; e Deus? Nada supremo.]
De: "Le cirque de la solitude", in: Syllogismes de l'amertume. Paris: Gallimard, 1980, p.79
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