Mostrando postagens com marcador Bin Laden. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Bin Laden. Mostrar todas as postagens

17.3.07

A simbiose entre a demagogia e o terrorismo

Segundo João Pereira Coutinho, a minha denúncia, em entrevista à Folha Ilustrada (04/03), da existência de uma aliança entre a demagogia reacionária e religiosa (da administração americana) e o terrorismo reacionário e religioso equivale a dizer que Bush é igual a Bin Laden. Está errado. No mesmo dia (14/03) em que apareceu a coluna em que Coutinho dizia isso, o New York Times afirmava, em editorial intitulado “Política Pura e Cínica”, que a demissão, politicamente motivada, de oito promotores americanos, “é apenas uma parte da sórdida história da administração Bush de brandir o megafone sangrento de 11 de setembro pelo mais mesquinho dos motivos: a perpetuação do poder pelo poder”. É exatamente nessa “sórdida história” que consiste a simbiose – a aliança objetiva de que eu falava – entre a demagogia e o terrorismo. Coutinho diria que o New York Times afirma que Bush é igual a Bin Laden? Duvido. Roosevelt foi aliado de Stalin contra Hitler. Seria lícito inferir-se que Roosevelt era igual a Stalin?

8.3.07

Resposta a João Pereira Coutinho

Ontem, na Ilustrada, o colunista João Pereira Coutinho atacou a entrevista que dei a esse mesmo caderno da Folha de São Paulo, e que se encontra publicada abaixo.

Não me surpreende que ele não tenha gostado da minha entrevista. Afinal, ela surgiu a partir de determinadas críticas que fiz às declarações de Luiz Felipe Pondé à mesma Ilustrada; ora, em artigo de 31/1, Coutinho demonstrara sentir não apenas “alguma”, como diz, mas muita admiração pelas mesmas declarações de Pondé.

O que me surpreende é que, acusando-me de estar disposto a assinar clichês, ele diga, em primeiro lugar, que eu cometo a insensatez de “comparar uma democracia como a norte-americana... enfiando-a no mesmo saco de fanatismos tribais”. A formulação é confusa, porém se o que ele quer dizer é que eu não respeito ou levo a sério a democracia americana, comete uma calúnia.

Mas o pior vem depois: “Dizer que Bush é igual a Bin Laden pode fazer as delícias dos simples. Não deveria fazer as delícias de Cicero”. Ora, dado que jamais afirmei tal coisa, jamais a pensei, e nem sequer menciono Bin Laden na referida entrevista, Coutinho tirou da sua própria cabeça essa falsa equivalência. Em outras palavras, os clichês que ele critica não são meus, mas dele.

Suponho que o que ocasionou seu ato falho foi a minha condenação do fato de que Bush conseguiu fazer o Congresso, quando este era ainda era majoritariamente Republicano, aprovar uma lei que, em alguns casos, põe fora de ação o habeas corpus e admite a tortura. Trata-se do Military Commissions Act. Ora, que essa lei sinistra seja profundamente anti-democrática e fira gravemente a democracia americana não é opinião só minha. Por ocasião da sua aprovação pelo Congresso, o New York Times (28/9/2006), por exemplo, declarou em editorial que, no futuro, os americanos se lembrarão de que, “em 2006, o Congresso passou uma lei tirânica que será considerada como um dos pontos baixos da democracia americana”. É justamente por prezar a democracia – e a Constituição – americana que eu, como o New York Times, repudio a lei anti-democrática de Bush.

Finalmente, Coutinho pergunta de que modernidade eu estou a falar, já que, segundo ele, “não existe uma, existem várias modernidades”. Não concordo com esta última tese, e já escrevi um livro sobre esse assunto (O mundo desde o fim). Mas não é necessário entrar aqui num argumento filosófico complexo. Aceitemos, disputationis gratia, que existam várias modernidades. De que modernidade estarei a falar? Ou melhor: que modernidade estarei a defender contra aqueles que chamo de reacionários? Defendo, é claro, a modernidade que descrevo explicitamente na entrevista: aquela “que garante, através da institucionalização de sociedades laicas e abertas, a dúvida e a crítica, que constituem a racionalidade”; a que torna possíveis “o Estado de direito, a livre expressão do pensamento, a maximização da liberdade individual, a abertura do mundo a novas possibilidades, a coexistência de uma multiplicidade de culturas e formas de vida, a pluralidade de expressões eróticas, a autonomia da ciência, a autonomia da arte etc”.

Na modernidade que defendo existe, sim, mais do que em qualquer sociedade pré-moderna, lugar para a coexistência de uma multiplicidade de sentimentos e emoções contraditórios. Cada qual tem o direito de exprimir os seus sentimentos, que podem ser inteiramente diferentes de um indivíduo para o outro e que, como tudo no mundo, estão sujeitos a serem discutidos e criticados. Por isso mesmo, porém, as regras que possibilitam a coexistência de todas as diferenças – como, por exemplo, a de que ninguém tem o direito de impor os seus sentimentos aos outros – não podem deixar de ser universais e racionais.