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6.4.22

Cesare Pavese: "Il Paradiso sui tetti" / "O Paraíso sobre os telhados": Carlos Leite

 



O Paraíso sobre os telhados




Será um dia tranquilo, de luz fria

como o sol que nasce ou que morre, e o vidro

fechará por fora o ar sórdido.


Acorda-se uma manhã, de uma vez para sempre,

na tepidez do último sono: A sombra

será como a tepidez. Encherá o quarto

pela grande janela um céu mais vasto.

Da escada subida um dia para sempre

não virão mais vozes nem rostos mortos.


Não será preciso deixar a cama.

Só a aurora entrará no quarto vazio.

Bastará a janela para vestir cada coisa

de uma claridade tranquila, quase uma luz.

Pousará uma sombra descarnada no rosto supino.

As recordações serão coágulos de sombra

calcados quais velhas brasas

na chaminé. A recordação será a chama

que ainda ontem picava nos olhos apagados.







Il Paradiso sui tetti



Sarà un giorno tranquillo, di luce fredda

come il sole che nasce o che muore, e il vetro

chiuderà l’aria sudicia fuori del cielo.


Ci si sveglia un mattino, una volta per sempre,

nel tepore dell’ultimo sonno: l’ombra

sarà come il tepore. Empirà la stanza

per la grande finestra un cielo più grande.

Dalla scala salita un giorno per sempre

non verranno più voci, né visi morti.


 Non sarà necessario lasciare il letto.

Solo l’alba entrerà nella stanza vuota.

Basterà la finestra a vestire ogni cosa

di un chiarore tranquillo, quasi una luce.

Poserà un’ombra scarna sul volto supino.

I ricordi saranno dei grumi d’ombra

appiattiti così come vecchia brace

nel camino. Il ricordo sarà la vampa

che ancor ieri mordeva negli occhi spenti.









PAVESE, Cesare. "Il Paradiso sui tetti"/ "O paraíso sobre os telhados". In:_____Trabalhar cansa.
Título original: Lavorare stanca. Trad. de Carlos Leite. Lisboa: Ed. Cotovia, 1997.












1.2.20

Cesare Pavese: "La notte" / "A noite": trad. de Carlos Leite




A noite


Mas a noite ventosa, a noite límpida
que a lembrança somente aflorava, está longe,
é uma lembrança. Perdura uma calma de espanto,
feita também ela de folhas e de nada. Desse tempo
mais distante que as recordações apenas resta
um vago recordar.

As vezes volta à luz do dia,
na imóvel luz dos dias de Verão,
aquele espanto remoto.

Pela janela vazia
o menino olhava a noite nas colinas
frescas e negras, e espantava-se de as ver assim tão juntas:
vaga e límpida imobilidade. Entre a folhagem
que sussurrava na escuridão, apareciam as colinas
onde todas as coisas do dia, as ladeiras
e as árvores e os vinhedos, eram nítidas e mortas
e a vida era outra, de vento, de céu,
e de folhas e de coisa nenhuma.

Às vezes regressa
na imóvel calma do dia a recordação
daquele viver absorto, na luz assombrada.






La notte


Ma la notte ventosa, la limpida notte
che il ricordo sfiorava soltanto, è remota,
è un ricordo. Perdura una calma stupita
fatta anch'essa di foglie e di nulla. Non resta,
di quel tempo di là dai ricordi, che un vago
ricordare.

Talvolta ritorna nel giorno
nell'immobile luce del giorno d'estate,
quel remoto stupore.

Per la vuota finestra
il bambino guardava la notte sui colli
freschi e neri, e stupiva di trovarli ammassati:
vaga e limpida immobilità. Fra le foglie
che stormivano al buio, apparivano i colli
dove tutte le cose del giorno, le coste
e le piante e le vigne, eran nitide e morte
e la vita era un'altra, di vento, di cielo,
e di foglie e di nulla.

Talvolta ritorna
nell'immobile calma del giorno il ricordo
di quel vivere assorto, nella luce stupita.






PAVESE, Cesare. "La notte" / "A noite". In: Trabalhar cansa. Trad. de Carlos Leite. Lisboa: Cotovia, 1997.

13.6.16

Cesare Pavese: "Paesaggio VIII" / "Paisagem VIII": Trad. Carlos Leite




Paisagem VIII

As recordações começam ao cair da tarde
com o hálito do vento a erguer o rosto
e a escutar a voz do rio. A água
é a mesma, na escuridão, dos anos mortos.

No silêncio da escuridão eleva-se um murmúrio
onde passam vozes e risos distantes;
acompanha o rumor uma cor inútil,
de sol, margens e olhos claros.
Um verão de vozes. Cada rosto contém
como um fruto maduro um sabor passado

Cada olhar que volta conserva um gosto
a erva e a coisas impregnadas de pôr-do-sol
na praia. Conserva um hálito de mar.
Como um mar nocturno é esta vaga sombra
de ânsias e arrepios antigos, que o céu roça
e que volta ao fim de cada dia. As vozes mortas
assemelham-se à rebentação daquele mar.




Paesaggio VIII

I ricordi cominciano nella sera
sotto il fiato del vento a levare il volto
e ascoltare la voce del fiume. L’acqua
è la stessa, nel buio, degli anni morti.

Nel silenzio del buio sale uno sciacquo
dove passano voci e risa remote;
s'accompagna al brusio un colore vano
che è di sole, di rive e di sguardi chiari.
Un'estate di voci. Ogni viso contiene
come un frutto maturo un sapore andato.

Ogni occhiata che torna, conserva un gusto
di erba e cose impregnate di sole a sera
sulla spiaggia. Conserva un fiato di mare.
Come un mare notturno è quest'ombra vaga
di ansie e brividi antichi, che il cielo sfiora
e ogni sera ritorna. Le voci morte
assomigliano al frangersi di quel mare.



PAVESE, Cesare. "Paesaggio VIII" / "Paisaem VIII". In:_____. Trabalhar cansa / Lavorare stanca. Trad. Carlos Leite. Lisboa: Cotovia, 1997.