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14.11.10
Liberalismo e religião
O seguinte artigo foi publicado na minha coluna da "Ilustrada", da Folha de São Paulo, no sábado, 14 de outubro:
Liberalismo e religião
NO INTERESSANTE artigo "Patologias do indivíduo" (Opinião, 9/11), Vladimir Safatle afirma que "a vida contemporânea demonstrou que individualismo e religiosidade, liberalismo e restrições religiosas dogmáticas, longe de serem antagônicos, transformaram-se nos dois polos complementares e paradoxais do mesmo movimento pendular". Trata-se, para ele, do movimento pendular do pensamento conservador.
Num primeiro momento, a vitória do Partido Republicano nas recentes eleições americanas – que provavelmente até ocasionou o seu artigo – parece dar-lhe razão. Ocorre porém que, justamente nos Estados Unidos, o "pensamento conservador" se define em oposição ao "pensamento liberal", de modo que a vitória dos republicanos sobre os democratas foi tomada por todos como uma vitória dos conservadores CONTRA os liberais.
O que diferencia o conservadorismo americano do europeu é que os Estados Unidos não tiveram uma aristocracia. Principalmente depois da Revolução Francesa, o conservadorismo europeu, nostálgico do "ancien régime", definia-se contra a Ilustração, a secularização, o liberalismo e o individualismo, que considerava alienantes, e exaltava os valores da comunidade, da autoridade, da hierarquia e do sagrado.
Os Estados Unidos, porém, já surgiram com a afirmação tanto da separação entre o Estado e a religião quanto das liberdades individuais. A divergência entre conservadores e liberais americanos se dá principalmente no sentido e no alcance que cada um deles atribui a cada um desses pontos. O primeiro é um ponto fundamental para os liberais. Quanto aos conservadores, basta lembrar a recente demonstração de ignorância da candidata republicana ao Senado pelo Estado de Delaware, Cristine O'Donnell, que reconheceu publicamente desconhecer que a separação entre o Estado e a religião se encontra estabelecida na famosíssima primeira emenda da Constituição dos EUA.
Quanto às liberdades individuais, os liberais tendem, cada vez mais, a entendê-las no sentido mais amplo e universal possível, considerando que compete à sociedade, por meio do aparelho de Estado, garantir que, em princípio, todos os cidadãos tenham a oportunidade de exercê-las plenamente, oferecendo-lhes, para tanto, as condições necessárias de saúde pública, educação, renda mínima etc. Como o famoso economista liberal Paul Krugman recentemente declarou, o termo "liberal" nos Estados Unidos significa mais ou menos o mesmo que "social-democrata" significa na Europa.
Já os conservadores americanos, opondo-se à interpretação ampla das liberdades individuais, tentam reduzi-las basicamente à garantia do "laissez-faire", isto é, da ausência ou da minimização da intervenção do Estado na sociedade e na economia. Para eles, qualquer interpretação mais ampla das liberdades individuais é suspeita, e "social-democracia" é sinônimo de "comunismo".
A quem pode interessar diretamente tal conservadorismo, senão à plutocracia americana, aos grandes bancos, corporações e bilionários? Pode-se facilmente entender como é que, contra qualquer mudança, esses conservadores deem graças a Deus pela sobrevivência e expansão da religião e de pretensos "valores genuinamente americanos".
O estranho é que os republicanos tenham sido capazes de seduzir para esse conservadorismo parte considerável da população interiorana e branca norte-americana, principalmente a parcela composta de subempregados, desempregados e ameaçados de desemprego. O ex-colunista do Wall Street Journal, Thomas Frank, chama atenção, em seu famoso livro “What’s the matter with Kansas?”, para o paradoxo de que essa população vote predominantemente no Partido Republicano, apesar de ter sido economicamente prejudicada exatamente pela política conservadora de privatização, desregulamentação, favorecimento dos monopólios econômicos em todas as áreas, desde a bancária até a de radiodifusão e a de empacotamento de carne – o que resultou no sucateamento das indústrias do centro-oeste –, destruição do estado de bem-estar social, desmantelamento do movimento operário etc.
Uma explicação possível para essa aparente incongruência é que, dado que foi a partir dos anos 1960 que tiveram início não somente as mais importantes ampliações dos direitos – das liberdades – dos negros, dos gays, das minorias em geral, das mulheres etc., mas também o declínio econômico de grande parte da população do interior, esta tenha acreditado no mito conservador de que tal declínio tenha sido causado pela ampliação desses direitos. Assim, ela culpa o liberalismo cosmopolita por ter destruído os "valores genuinamente americanos" -- e, segundo crê, "cristãos" -- dos anos 1950, sua época áurea.
De todo modo, é preciso reconhecer que a relação entre o liberalismo e a religião é um tanto mais complexa do que a que Safatle esboçou.
6.11.07
Alba Zaluar: Inverter não é transformar
O seguinte artigo de Alba Zaluar foi publicado na sua coluna da Folha de São Paulo, segunda-feira, 15 de outubro de 2007:
Inverter não é transformar
A IGUALDADE tem sido objeto de uma infindável discussão teórica. Há os que afirmam ser ela uma condição inalcançável, visto que seres humanos diferem em suas capacidades, talentos e disposição para o trabalho; há os que ressaltam a necessidade como o critério para a distribuição da riqueza produzida. Os primeiros, filósofos morais do liberalismo político, preocupam-se com as violações à liberdade que a busca incessante da igualdade vem a trazer. Os segundos, adeptos da economia marxista, acreditam que dar a cada um segundo a sua necessidade inclui o princípio de receber de cada um segundo a sua habilidade de contribuir economicamente.
Nenhum pensador da igualdade defendeu a idéia de que seria possível obter o necessário por fraude, força, roubo, coerção ou dano a outras pessoas. Esse princípio moral está também em Marx, que exaltava o valor do trabalho -o pago e o não pago- e visualizava uma sociedade futura em que essa distribuição seria feita sem coerção de qualquer espécie.
Aqui no Brasil, a discussão tomou rumos indefensáveis. Quem nega a um branco bem-sucedido, mesmo que vindo de meios sociais modestos, o direito de consumir (que inclui portar) os bens disponíveis socialmente, não está recusando para si mesmo, um negro oriundo de favelas e periferias, esse gozo.
Rappers são conhecidos no mundo todo por seu sucesso e sua ilimitada sede de consumo. Coleções de tênis, roupas de marca, automóveis do ano, festas extravagantes são alguns itens listados nos seus currículos de consumidores. E, claro, não se imolam pelo sucesso que os destacou.
Defender o roubo como recurso de distribuição de renda revela um enorme desconhecimento das redes e tramas do submundo do crime, onde grassa o capitalismo mais selvagem de que se tem notícia. Ou bem a pessoa que roubou vai portar esse objeto, que apenas muda de mãos e continua a simbolizar a desigualdade reinante, ou ela vai vendê-lo a um receptador que pagará muito pouco e fará um hiperlucro comercial, ambos sem produzir riqueza nenhuma. Para onde foi a distribuição de renda? Para alimentar a acumulação do receptador e a ilusão do ladrão que precisa voltar a roubar e, portanto, está sempre a se arriscar em benefício de outrem.
Com tanto incentivo a ganhar dinheiro fácil, estimula-se exponencialmente a acumulação de riquezas em poucas mãos. Se as defesas morais contra a fraude e o roubo continuarem a ser destruídas tão hipocritamente, a produção de riquezas será reduzida e o estoque de riquezas do país encolhido a tal ponto que não teremos nem consumo nem muito menos a tão almejada igualdade.
Alba Zaluar
Inverter não é transformar
A IGUALDADE tem sido objeto de uma infindável discussão teórica. Há os que afirmam ser ela uma condição inalcançável, visto que seres humanos diferem em suas capacidades, talentos e disposição para o trabalho; há os que ressaltam a necessidade como o critério para a distribuição da riqueza produzida. Os primeiros, filósofos morais do liberalismo político, preocupam-se com as violações à liberdade que a busca incessante da igualdade vem a trazer. Os segundos, adeptos da economia marxista, acreditam que dar a cada um segundo a sua necessidade inclui o princípio de receber de cada um segundo a sua habilidade de contribuir economicamente.
Nenhum pensador da igualdade defendeu a idéia de que seria possível obter o necessário por fraude, força, roubo, coerção ou dano a outras pessoas. Esse princípio moral está também em Marx, que exaltava o valor do trabalho -o pago e o não pago- e visualizava uma sociedade futura em que essa distribuição seria feita sem coerção de qualquer espécie.
Aqui no Brasil, a discussão tomou rumos indefensáveis. Quem nega a um branco bem-sucedido, mesmo que vindo de meios sociais modestos, o direito de consumir (que inclui portar) os bens disponíveis socialmente, não está recusando para si mesmo, um negro oriundo de favelas e periferias, esse gozo.
Rappers são conhecidos no mundo todo por seu sucesso e sua ilimitada sede de consumo. Coleções de tênis, roupas de marca, automóveis do ano, festas extravagantes são alguns itens listados nos seus currículos de consumidores. E, claro, não se imolam pelo sucesso que os destacou.
Defender o roubo como recurso de distribuição de renda revela um enorme desconhecimento das redes e tramas do submundo do crime, onde grassa o capitalismo mais selvagem de que se tem notícia. Ou bem a pessoa que roubou vai portar esse objeto, que apenas muda de mãos e continua a simbolizar a desigualdade reinante, ou ela vai vendê-lo a um receptador que pagará muito pouco e fará um hiperlucro comercial, ambos sem produzir riqueza nenhuma. Para onde foi a distribuição de renda? Para alimentar a acumulação do receptador e a ilusão do ladrão que precisa voltar a roubar e, portanto, está sempre a se arriscar em benefício de outrem.
Com tanto incentivo a ganhar dinheiro fácil, estimula-se exponencialmente a acumulação de riquezas em poucas mãos. Se as defesas morais contra a fraude e o roubo continuarem a ser destruídas tão hipocritamente, a produção de riquezas será reduzida e o estoque de riquezas do país encolhido a tal ponto que não teremos nem consumo nem muito menos a tão almejada igualdade.
Alba Zaluar
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