31.8.16

Jorge Luis Borges: "Texas": trad. de Augusto de Campos




Texas

Aquí también. Aquí, como en el otro
Confín del continente, el infinito
Campo en que muere solitario el grito;
Aquí también el indio, el lazo, el potro.

Aquí también el pájaro secreto
Que sobre los fragores de la historia
Canta para una tarde y su memoria;
Aquí también el místico alfabeto

De los astros, que hoy dictan a mi cálamo
Nombres que el incesante laberinto
De los días no arrastra: San Jacinto

Y esas otras Termópilas, el Álamo.
Aquí también esa desconocida
Y ansiosa y breve cosa que es la vida.




Texas

Aqui também. Aqui como no outro
Confim do continente, o infinito
Campo em que morre solitário o grito;
Aqui também o índio, o laço, o potro.

Aqui também o pássaro secreto
Que por sobre os estrépitos da história
Canta para uma tarde e sua memória;
Aqui também o místico alfabeto

Dos astros, que hoje ditam a meu cálamo
Nomes que o incessante labirinto
Dos dias não arrasta: São Jacinto

E essas outras Termópilas, o Álamo.
Aqui também essa desconhecida
E ansiosa e breve coisa que é a vida.



BORGES, Jorge Luis. "Texas". In:_____. Quase Borges. 20 transpoemas e uma entrevista. Traduções de Augusto de Campos. São Paulo: Terracota, 2013. 

29.8.16

Luis Cernuda: "Juventud"




Juventud

¿Es más bella la hoja
Verde, que su deseo?
¿Luz estival de oro
O nimbo de embeleso?

Mejor que la palabra,
El silencio en que duerme.
No la pasión: el sueño
Adonde está latente.

Al ser irreductible,
La nube primitiva
Prefiere; las futuras
Criaturas divinas.

Esa indecisa gracia
Tan pura de la fuente,
No el mar; y esa sonrisa
Que el amor antecede.

No el arco triunfante
De meta conseguida:
La inicial misteriosa
Y eterna de la vida.




Juventude

É mais bela a folha
Verde, que seu desejo?
Luz estival de ouro
Ou nimbo de encantamento?

Melhor que a palavra,
O silêncio em que dorme.
Não a paixão: o sonho
No qual está latente.

Ao ser irredutível,
A nuvem primitiva
Prefere; as futuras
Criaturas divinas.

Essa indecisa graça
Tão pura da fonte,
Não o mar; e esse sorriso
Que ao amor antecede.

Não o arco triunfante
De meta conseguida:
A inicial misteriosa
E eterna da vida.




CERNUDA, Luis. "Juventud". In:_____. "Como quien espera el alba". In:_____. Poesía completa. Madrid: Siruela, 1994.












26.8.16

Carlos Nejar: "Luiz Vaz de Camões"




Luiz Vaz de Camões

Não sou um tempo
ou uma cidade extinta.
Civilizei a língua
e foi resposta em cada verso.
E à fome, condenaram-me
os perversos e alguns
dos poderosos. Amei
a pátria injustamente
cega, como eu, num
dos olhos. E não pôde
ver-me enquanto vivo.
Regressarei a ela
com os ossos de meu sonho
precavido? E o idioma
não passa de um poema
salvo da espuma
e igual a mim, bebido
pelo sol de um país
que me desterra. E agora
me ergue no Convento
dos Jerônimos o túmulo,
quando não morri.
Não morrerei, não
quero mais morrer.
Nem sou cativo ou mendigo
de uma pátria. Mas da língua
que me conhece e espera.
E a razão que não me dais,
eu crio. Jamais pensei
ser pai de tantos filhos.



NEJAR, Carlos. "Luiz Vaz de Camões". In:_____. Melhores poemas. Org. Léo Gilson Ribeiro. São Paulo: Global, 1997.


24.8.16

Manuel António Pina: "Neste preciso tempo, neste preciso lugar"




Neste preciso tempo, neste preciso lugar

No princípio era o Verbo
(e os açucares
e os aminoácidos).
Depois foi o que se sabe.
Agora estou debruçado
da varanda de um 3º andar
e todo o Passado
vem exactamente desaguar
neste preciso tempo, neste preciso lugar,
no meu preciso modo e no meu preciso estado!

Todavia em vez de metafísica
ou de biologia
dá-me para a mais inespecífica
forma de melancolia:
poesia nem por isso lírica
nem por isso provavelmente poesia.
Pois que faria eu com tanto Passado
senão passar-lhe ao lado,
deitando-lhe o enviesado
olhar da ironia?

Por onde vens, Passado,
pelo vivido ou pelo sonhado?
Que parte de ti me pertence,
a que se lembra ou a que esquece?
Lá em baixo, na rua, passa para sempre
gente indefinidamente presente,
entrando na minha vida
por uma porta de saída
que dá já para a memória.
Também eu (isto) não tenho história
senão a de uma ausência
entre indiferença e indiferença.



PINA, Manuel António. "Neste preciso tempo, neste preciso lugar". In:_____. "Nenhuma palavra e nenhuma lembrança". In:_____. Poesia reunida. Lisboa: Ass´rio & Alvim, 2001.

22.8.16

Fernando Pessoa / Álvaro de Campos: trecho de "Tabacaria"



Tabacaria


Não sou nada;
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

[...]



PESSOA, Fernando. "Tabacaria" (trecho). In:_____. "Ficções do interlúdio / Poesias de Álvaro de Campos". In:_____. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986.

21.8.16

Sobre o jornal gay "Lampeão"



Agradeço ao poeta Glauco Mattoso por me ter chamado atenção para um documentário, dirigido por Livia Perez, sobre o jornal de vanguarda gay Lampeão, do final da década de 1970 e começo de 1980, que eu sempre lia. Ele me enviou também os seguintes links de teasers/trailers do filme da Livia Perez:





Aqui vocês podem assistir ao teaser que corresponde ao último desses links. Trata-se de um trecho do programa "Metrópolis", da TV Cultura:



Adriana Calcanhotto: "canção sem seu nome"




canção sem seu nome

Eu vi você atravessar a rua
Molhando a sombra na água
Eu vi você parar a lagoa parada

Você atravessou a rua na direção oposta
Pisando nas poças, pisando na lua
E a poesia refletida ali me deu as costas

E pra que palavras se eu não sei usá-las?
Cadê palavra que traga você daquela calçada?

Você atravessou a rua na direção contrária
E a poesia que meu olho molhava ali
Quem sabe não me caiba
Quem sabe seja sua
Ali, atravessando a chuva
E toda a lagoa parada
Você na direção errada
E eu na sua



CALCANHOTTO, Adriana. "cancão sem nome". In:_____. Pra que é que serve uma canção com essa? Org. por Eucanaã Ferraz. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2016.


18.8.16

Luis Dolhnikoff: "um poema"




um poema


um poema
é um objeto
como qualquer outro
se qualquer outro objeto
for de tinta preta
papel branco
e pontas
soltas
de frases cortadas
em cortantes
dispondo
e expondo
palavras comuns
de forma incomum
capazes de lançar
e entrelaçar
vibrações
e outras ações
de fios de sentidos
como corpos
que não se tocam
mas suas sombras
se sobrepõem
traçando o contorno
ou quase
da possibilidade do
não encontro



DOLHNIKOFF, Luis. "um poema". In:_____. As rugosidades do caos. São Paulo: Quatro Cantos, 2015.

16.8.16

Ricardo Silvestrin: "Dança"





Dança


Sim, existe a dança:
o corpo solto avança
e recua leve nos passos
matemáticos, um, dois, um,
como se fosse mais fácil
viver num tempo menor,
brincadeira de criança
que sabe de cor o roteiro
e ri na hora marcada.

Fora da dança, o infinito
nos convida, nos seduz
com passos improváveis,
mas temos dois olhos,
apenas duas pernas,
e, sobretudo, duas mãos
onde só cabe um punhado
de estrelas.




SILVESTRIN, Ricardo. "Dança". In:_____. Typographo. São Paulo: Patuá, 2016.

14.8.16

Salgado Maranhão: "Um outro um"




Um outro um

Caminho com o outro que é um vulto
a me seguir ao sol. O que não tem
nome ou norma e sequer se faz oculto,
porque livre é seu hoje e o seu além.
Não posso deletar esse atributo
que já está na conta do armazém
do ser. E ainda que me faça astuto,
eu próprio já não sei se quando é quem.
Se me desperto acordo em alvoroço
aquela voz que grita nos meus ossos
uma pavana feita de alarido
(num apelo febril mais do que posso).
Por vezes, me pergunto estarrecido:
foi ilusão de espelho esse ter sido?



MARANHÃO, Salgado. "Um outro um". In:_____. Avessos avulsos. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2016.


12.8.16

Gastão Cruz: "I. Há dias em que em ti talvez não pense"





I

Há dias em que em ti talvez não pense
a morte mata um pouco a memória dos vivos
é todavia claro e fotográfico o teu rosto
caído não na terra mas no fogo
e se houver dia em que não pense em ti
estarei contigo dentro do vazio





CRUZ, Gastão. "I - Há dias em que em ti talvez não pense". In:_____. Fogo. Porto: Assírio e Alvim, 2013.

10.8.16

Wisława Szymborska: "A vida na hora": trad. de Regina Przybycien




A vida na hora


A vida na hora.
Cena sem ensaio.
Corpo sem medida.
Cabeça sem reflexão.

Não sei o papel que desempenho.
Só sei que é meu, impermutável.

De que se trata a peça
devo adivinhar já em cena.

Despreparada para a honra de viver,
mal posso manter o ritmo que a peça impõe.
Improviso embora me repugne a improvisação.
Tropeço a cada passo no desconhecimento das coisas.
Meu jeito de ser cheira a província.
Meus instintos são amadorismo.
O pavor do palco, me explicando, é tanto mais humilhante.
As circunstâncias atenuantes me parecem cruéis.

Não dá para retirar as palavras e os reflexos,
inacabada a contagem das estrelas,
o caráter como o casaco às pressas abotoado –
eis os efeitos deploráveis desta urgência.

Se eu pudesse ao menos praticar uma quarta-feira antes
ou ao menos repetir uma quinta-feira outra vez!
Mas já se avizinha a sexta com um roteiro que não conheço.

Isto é justo – pergunto
(com a voz rouca
porque nem sequer me foi dado pigarrear nos bastidores).

É ilusório pensar que esta é só uma prova rápida
feita em acomodações provisórias. Não.
De pé em meio à cena vejo como é sólida.
Me impressiona a precisão de cada acessório.
O palco giratório já opera há muito tempo.
Acenderam-se até as mais longínquas nebulosas.
Ah, não tenho dúvida de que é uma estreia.
E o que quer que eu faça,
vai se transformar para sempre naquilo que fiz.



SZYMBORSKA, Wislawa. In:_____. "Um grande número". In:_____. Poemas. Org. e tradução de Regina Przybycien. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

9.8.16

Leonardo Lichote: "Aos 70, Antonio Cicero ganha tributo e promete se dedicar só à poesia"



Convido-os a ler a matéria que Leonardo Lichote escreveu sobre o disco "Presente", que Arthur Nogueira fez com canções cujas letras são de minha autoria. Ela se encontra aqui: http://oglobo.globo.com/cultura/musica/aos-70-antonio-cicero-ganha-tributo-promete-se-dedicar-so-poesia-19880241

7.8.16

Sophia de Mello Breyner Andresen: "Manuel Bandeira"





Manuel Bandeira

Este poeta está
Do outro lado do mar
Mas reconheço a sua voz há muitos anos
E digo ao silêncio os seus versos devagar


Relembrando
O antigo jovem tempo tempo quando
Pelos sombrios corredores da casa antiga
Nas solenes penumbras do silêncio
Eu recitava
"As três mulheres do sabonete Araxá"
E minha avó se espantava


Manuel Bandeira era o maior espanto da minha avó
Quando em manhãs intactas e perdidas
No quarto já então pleno de futura
Saudade
Eu lia
A canção do "Trem de ferro"
E o "Poema do beco"


Tempo antigo lembrança demorada
Quando deixei uma tesoura esquecida nos ramos da cerejeira
Quando
Me sentava nos bancos pintados de fresco
E no Junho inquieto e transparente
As três mulheres do sabonete Araxá
Me acompanhavam
Tão visíveis
Que um eléctrico amarelo as decepava


Estes poemas caminharam comigo e com a brisa
Nos passeados campos da minha juventude
Estes poemas poisaram a sua mão sobre o meu ombro
E foram parte do tempo respirado.




ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner. "Manuel Bandeira". In:_____. "Brasil ou do outro lado do mar". In:_____. Obra poética. Org. por Carlos Mendes de Sousa. Alfragide: Caminho, 2011.

5.8.16

Eugénio de Andrade: "II" de "As mãos e os frutos"




II

Cantas. E fica a vida suspensa.
É como se um rio cantasse:
em redor é tudo teu;
mas quando cessa teu canto
o silêncio é todo meu.



ANDRADE, Eugénio de. "II". In:_____. "As mãos e os frutos". In:_____. Primeiros poemas, As mãos e os frutos, Os amantes sem dinheiro. Vila Nova de Famalicão: Quasi, 2006.

3.8.16

Giuseppe Ungaretti: "La notte bella" / "A noite linda": trad. de Sérgio Wax




A noite linda
Devetachi, 16 de agosto 1916

Qual canto se levantou esta noite
que entrelaça
de cristalino eco do coração
as estrelas

Qual jorro de nascente
de coração em festa

Já fui
um charco de escuridão

Agora mordo
como uma criança a mama
o espaço

Agora estou embriagado
de universo




La notte bella
Devetachi il 24 agosto 1916

Quale canto s’è levato stanotte
che intesse
di cristallina eco del cuore
le stelle

Quale festa sorgiva
di cuore a nozze

Sono stato
uno stagno di buio

Ora mordo
come un bambino la mammella
lo spazio

Ora sono ubriaco
d’universo




UNGARETTI, Giuseppe. "La notte bella" / "A noite linda". In:_____. A alegria / L'allegria. Trad. de Sérgio Wax. Belém: CEJUP, 1992.

2.8.16

Vinícius de Moraes: "Anfiguri"





Anfiguri


Aquilo que eu ouso
Não é o que quero
Eu quero o repouso
Do que não espero.

Não quero o que tenho
Pelo que custou
Não sei de onde venho
Sei para onde vou.

Homem, sou a fera
Poeta, sou um louco
Amante, sou pai.

Vida, quem me dera...
Amor, dura pouco...
Poesia, ai!...




MORAES, Vinícius de. "Anfiguri". In:_____. Nova antologia poética. Org. por Antonio Cicero e Eucanaã Ferraz. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.