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13.1.15

A imprensa face ao terrorismo 2




A propósito da postagem “A imprensa face ao terrorismo”, recebi um comentário – anônimo, é claro – equivocadíssimo. Como tenho observado muita gente jovem cometer os mesmos equívocos do autor desse comentário, resolvi, em vez de postá-lo como comentário, reproduzi-lo aqui, numa nova postagem, e criticá-lo, segmento por segmento, equívoco por equívoco:


"Liberdade de Expressão... Muito complicado. Onde é que existe isso? Qualquer pessoa que passou perto de uma redação de jornal sabe que isso é um mito. Ou como diz, você, "ideologia". O pessoal do Charlie Hebdo batia em gente sem poder. Quem dá bola para religião no Ocidente? Vivemos como queria Goethe: "Quem tem arte e ciência não precisa de religião. Quem não tem arte e ciência, que tenham religião". Ou seja, religião hoje é coisa de gente sem poder e cultura. Dai ser tão fácil se declara ateu (eu sou!). Quantas capas a C.H. dedicou ao turma de Wall Street, que destroem economias e infelicitam milhões de pessoas (vide Espanha, Portugal e Grécia). Dona Angela Merke, a Margaret Thatcher repaginada, foi agraciada com quantas capas dos iconoclastas de araque da C.H.? Ou seja, eles faziam o jogo de sempre da imprensa: livrar a cara dos poderosos e atacar os sem poder. Deviam ser assassinados? Claro que não! Avaliaram mal a situação ao se meter com gente rustica e deu no que deu. Se tivessem se metido com os verdadeiros poderosos teriam apenas perdido o crédito, os anúncios, seriam importunados pelos Impostos, bombeiros, perderiam a revista, mas estariam vivos. Iriam trabalhar no Le Figaro..." 

Vejamos:
  
“Liberdade de Expressão... Muito complicado. Onde é que existe isso? Qualquer pessoa que passou perto de uma redação de jornal sabe que isso é um mito. Ou como diz, você, "ideologia"."

Isso é uma tolice. Há uma diferença enorme entre um país em que há liberdade de expressão e um país em que a imprensa é controlada e censurada. No Brasil, qualquer um que tenha vivido durante a ditadura sabe disso. Só quem (consciente ou inconscientemente) quer, como você, uma ditadura é que tenta dizer que não há diferença entre a democracia e a ditadura, entre imprensa controlada e censurada e imprensa livre.

“O pessoal do Charlie Hebdo batia em gente sem poder. Quem dá bola para religião no Ocidente? Vivemos como queria Goethe: "Quem tem arte e ciência não precisa de religião. Quem não tem arte e ciência, que tenham religião". Ou seja, religião hoje é coisa de gente sem poder e cultura. Dai ser tão fácil se declara ateu (eu sou!). Quantas capas a C.H. dedicou ao turma de Wall Street, que destroem economias e infelicitam milhões de pessoas (vide Espanha, Portugal e Grécia). “

Sabe quem defende ardorosamente a religião no Ocidente? Vou dar um exemplo: a extrema direita do Partido Republicano, nos Estados Unidos. É exatamente quem defende a total liberdade para a turma de Wall Street que também defende a religião... O que mostra que você não sabe o que está dizendo. A religião está sempre ao lado dos mais reacionários; e estes, ao lado dela. Quem foi o maior aliado – ainda que, talvez, involuntariamente – do fascista George Bush, dando-lhe pretexto para desavergonhadamente desrespeitar os direitos humanos, senão exatamente o religioso Bin Laden e a religiosa Al Qaeda? Quem foram os maiores aliados da fascista Marine Le Pen, senão esses imbecis religiosos que assassinaram a turma do Charlie Hebdo?

“A religião é coisa de gente sem poder e cultura”, diz você. Ou seja, "pobrezinhos dos religiosos!", não é? Mas vejamos o que eles têm, quando estão no poder ou quando têm armas:

Na Arábia Saudita, o blogueiro Raif  Badaw acaba de ser condenado a mil chibatadas e dez anos de prisão por ter criticado o clero saudita no site Sauditas Livres e Liberais.

Há alguns dias o grupo islâmico nigeriano Boko Haram matou 2.000 civis, pondo fogo em suas casas.

Há pouco tempo, os fundamentalistas islâmicos do Taliban, do Paquistão, mataram mais de cem crianças numa escola.  

Milhões de mulheres são destituídas de existência pública nos países em vige a Lei Islâmica. As meninas são proibidas de estudar. As adúlteras são apedrejadas. Os gays são enforcados.

Quando os cristãos tinham poder, torturaram e mataram de modo atroz milhões de pessoas, como ficou provado pelo historiador Karlheinz Dreschner, na sua monumental “História criminal do Cristianismo”.

“Dona Angela Merkel, a Margaret Thatcher repaginada, foi agraciada com quantas capas dos iconoclastas de araque da C.H.?”

Angela Merkel – ou melhor, a cabeleira dela na cabeça do Hollande – foi agraciada com ao menos uma capa intitulada “Os estragos do modelo alemão”, como você pode ver:























“Ou seja, eles faziam o jogo de sempre da imprensa: livrar a cara dos poderosos e atacar os sem poder.”


Afinal, Angela Merkel tem poder ou não, segundo você? E o Hollande? Quanto aos poderosos economicamente, veja, abaixo, uma capa que critica "a Europa dirigida pelos bancos". Ou seja, você é que está errado, de novo: não sabe do que está falando. 
























A última parte do e-mail nem sequer merece comentário.










14.11.10

Liberalismo e religião




O seguinte artigo foi publicado na minha coluna da "Ilustrada", da Folha de São Paulo, no sábado, 14 de outubro:


Liberalismo e religião


NO INTERESSANTE artigo "Patologias do indivíduo" (Opinião, 9/11), Vladimir Safatle afirma que "a vida contemporânea demonstrou que individualismo e religiosidade, liberalismo e restrições religiosas dogmáticas, longe de serem antagônicos, transformaram-se nos dois polos complementares e paradoxais do mesmo movimento pendular". Trata-se, para ele, do movimento pendular do pensamento conservador.

Num primeiro momento, a vitória do Partido Republicano nas recentes eleições americanas – que provavelmente até ocasionou o seu artigo – parece dar-lhe razão. Ocorre porém que, justamente nos Estados Unidos, o "pensamento conservador" se define em oposição ao "pensamento liberal", de modo que a vitória dos republicanos sobre os democratas foi tomada por todos como uma vitória dos conservadores CONTRA os liberais.

O que diferencia o conservadorismo americano do europeu é que os Estados Unidos não tiveram uma aristocracia. Principalmente depois da Revolução Francesa, o conservadorismo europeu, nostálgico do "ancien régime", definia-se contra a Ilustração, a secularização, o liberalismo e o individualismo, que considerava alienantes, e exaltava os valores da comunidade, da autoridade, da hierarquia e do sagrado.

Os Estados Unidos, porém, já surgiram com a afirmação tanto da separação entre o Estado e a religião quanto das liberdades individuais. A divergência entre conservadores e liberais americanos se dá principalmente no sentido e no alcance que cada um deles atribui a cada um desses pontos. O primeiro é um ponto fundamental para os liberais. Quanto aos conservadores, basta lembrar a recente demonstração de ignorância da candidata republicana ao Senado pelo Estado de Delaware, Cristine O'Donnell, que reconheceu publicamente desconhecer que a separação entre o Estado e a religião se encontra estabelecida na famosíssima primeira emenda da Constituição dos EUA.

Quanto às liberdades individuais, os liberais tendem, cada vez mais, a entendê-las no sentido mais amplo e universal possível, considerando que compete à sociedade, por meio do aparelho de Estado, garantir que, em princípio, todos os cidadãos tenham a oportunidade de exercê-las plenamente, oferecendo-lhes, para tanto, as condições necessárias de saúde pública, educação, renda mínima etc. Como o famoso economista liberal Paul Krugman recentemente declarou, o termo "liberal" nos Estados Unidos significa mais ou menos o mesmo que "social-democrata" significa na Europa.

Já os conservadores americanos, opondo-se à interpretação ampla das liberdades individuais, tentam reduzi-las basicamente à garantia do "laissez-faire", isto é, da ausência ou da minimização da intervenção do Estado na sociedade e na economia. Para eles, qualquer interpretação mais ampla das liberdades individuais é suspeita, e "social-democracia" é sinônimo de "comunismo".

A quem pode interessar diretamente tal conservadorismo, senão à plutocracia americana, aos grandes bancos, corporações e bilionários? Pode-se facilmente entender como é que, contra qualquer mudança, esses conservadores deem graças a Deus pela sobrevivência e expansão da religião e de pretensos "valores genuinamente americanos".

O estranho é que os republicanos tenham sido capazes de seduzir para esse conservadorismo parte considerável da população interiorana e branca norte-americana, principalmente a parcela composta de subempregados, desempregados e ameaçados de desemprego. O ex-colunista do Wall Street Journal, Thomas Frank, chama atenção, em seu famoso livro “What’s the matter with Kansas?”, para o paradoxo de que essa população vote predominantemente no Partido Republicano, apesar de ter sido economicamente prejudicada exatamente pela política conservadora de privatização, desregulamentação, favorecimento dos monopólios econômicos em todas as áreas, desde a bancária até a de radiodifusão e a de empacotamento de carne – o que resultou no sucateamento das indústrias do centro-oeste –, destruição do estado de bem-estar social, desmantelamento do movimento operário etc.

Uma explicação possível para essa aparente incongruência é que, dado que foi a partir dos anos 1960 que tiveram início não somente as mais importantes ampliações dos direitos – das liberdades – dos negros, dos gays, das minorias em geral, das mulheres etc., mas também o declínio econômico de grande parte da população do interior, esta tenha acreditado no mito conservador de que tal declínio tenha sido causado pela ampliação desses direitos. Assim, ela culpa o liberalismo cosmopolita por ter destruído os "valores genuinamente americanos" -- e, segundo crê, "cristãos" -- dos anos 1950, sua época áurea.

De todo modo, é preciso reconhecer que a relação entre o liberalismo e a religião é um tanto mais complexa do que a que Safatle esboçou.