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19.5.09

Caetano Veloso: da entrevista à revista Cult

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Na brilhante entrevista que Caetano Veloso deu a Francisco Bosco e Eduardo Socha para a revista Cult deste mês (nº 135), tive a honra de ser por ele citado em duas respostas. Infelizmente, justamente as referências a mim foram extirpadas da revista impressa. Quem quiser ler a entrevista integral, porém, pode acessá-la no blog da Cult, no endereço http://revistacult.uol.com.br/novo/site.asp?edtCode=3D614E12-495C-4018-A889-F15078DFB1B3&nwsCode=F27D566B-61CE-4A18-9578-7096A463C87C.
Abaixo publico apenas as respostas que contêm as referências cortadas.


CULT - Um dos filósofos mais debatidos no mundo, hoje, é Slavoj Zizek, a respeito do qual você disse, em seu blog: "não penso como Zizek mesmo!". Você poderia explicar em que consiste essa divergência exclamativa?

Caetano - Talvez a exclamação se devesse ao contexto da discussão daquele momento. Zizek é pop. Ele também é um intelecto superexcitado e tem erudição em várias áreas. Ampara-se em Hegel e Lacan para louvar Matrix, filme que, para mim, é um abacaxi de caroço. Ele gosta desses esquemas que dizem que somos sempre manipulados. Quanto mais claro pensamos, mais presos estamos a ideologias que camuflam interesses. Mas eu fico com Antonio Cicero quando lembra Hanna Arendt a esse respeito. Zizek tem o charme de falar no que a esquerda em geral evita mencionar: ele prefere ter algo positivo a dizer sobre as paradas fascistas da Coréia do Norte do que fingir que não as vê. Eu li Bem vindo ao deserto do real, um livro curto, e In defense of lost causes, um grosso volume. Ele convoca Robespierre, Lênin e Mao e exalta a revolução violenta. No fim, ele elege a causa ecológica como a escolha certa da esquerda para exercer o terror.

Eu tinha lido um artigo de Nelson Ascher na Folha predizendo isso. Na altura, achei o artigo de Ascher reacionário e algo simplista. Ao ler a conclusão de In Defense of Lost Causes, achei que Ascher tinha razão. Para Zizek, toda crítica à liberdade de expressão nos países comunistas é mera tramóia liberal burguesa. Além disso, ele grila com o café descafeinado. Qual o problema? Café não é cafeína. Nesse caso, ele faz uso indevido das palavras. Bem, além desses dois livros, li artigos esparsos e vi dois documentários americanos sobre ele (lá nos States, passa no cinema e tudo: ele é uma estrela). Num, segue-se uma turnê de palestras. No outro, vê-se Zizek comentando filmes. Assisti à palestra dele na UFRJ. Ele é um cara enérgico, engraçado, sua muito e pronuncia todas as letras das palavras inglesas - com a adição de um cicio. Resulta simpático. Achei irresponsável ele dizer aquelas coisas a um bando de jovens brasileiros. Mas acho que a exclamação no meu comentário se deve a ele ter falado mal do carnaval.

Só preciso te dizer que leio sempre, mas sempre muito sem método ou mesmo critério. Por exemplo, comprei Coração das trevas no aeroporto, em dezembro, indo para Salvador. Ao chegar lá, comentei com Paulo César Sousa a qualidade da tradução de Sérgio Flaksman. Paulo então me disse que acabara de ler um romance estranhíssimo de Conrad, chamado Under western eyes - e me trouxe o exemplar. É um livro incrível, em que Conrad conta uma história que prende o leitor como Crime e Castigo e onde ele mostra que a autocracia russa, marca do Csarismo, estava presente no espírito dos revolucionários russos que se refugiavam na Suíça. E prediz o estilo autocrático que sairá de uma revolução feita por eles. O romance é de 1908, creio. Estava impressionado com isso, quando uma amiga americana me trouxe de Nova Iorque um exemplar de The Nigger of The Narcissus (ela e eu tínhamos uma discussão sobre o problema da palavra "nigger" no país dela) e Tuzé Abreu, me ouvindo falar de três livros de Conrad me trouxe Lord Jim e Linha de sombra. Passei grande parte do verão lendo Conrad, coisa que não planejei, nem sequer imaginei que fosse fazer. Paulo ainda me deu um livro chamado The Great Tradition, um estudo crítico da ficção inglesa, em que Conrad aparece ao lado de George Elliot e Henry James como os seus maiores representantes. Aí li com atenção especial a parte sobre Conrad. É assim, minhas leituras são definidas pelo acaso. Agora estou lendo The Pirate's Dilemma, um livro otimista sobre internet, pirataria e desrespeito aos direitos autorais. Então, minhas opiniões sobre cultura livresca devem ser tomadas com um grão de sal.

[...]

CULT - Se fosse preciso (você pode recusar tal necessidade), como você se definiria politicamente? De esquerda, de direita, de centro, social-democrata, liberal?
Caetano - Nessa hora eu adoraria ser americano: nos EUA "liberal" quer dizer "de esquerda". Eu estaria unido a palavras que produzem bem-estar. Aqui tenho de me contorcer e dizer que sou de uma esquerda transliberal. Digo também que sou de centro mas não estou em cima do muro: estou muito acima do muro. Mas isso tudo é fanfarronice de artista.

Eu aplico o termo "direita" a conservadores reacionários. Todo o pessoal de esquerda gosta de citar Alain dizendo que se alguém diz que não há tal divisão "direita e esquerda", esse alguém é de direita. A observação é aguda e engraçada. Mas pode servir justamente a propósitos conservadores. Volto a Antonio Cicero: há uma reação à modernidade que se organiza em áreas do que chamamos direita e em áreas do que chamamos esquerda, hoje. Concordo com ele que desqualificar os direitos individuais, os direitos humanos propriamente ditos, é uma manobra conservadora profunda - que você pode encontrar tanto em Olavo de Carvalho quanto em Slavoj Zizek. Tanto no cardeal que excomunga os médicos que fizeram o aborto da menina estuprada pelo padrasto quanto no dirigente comunista que nega o direito de ir e vir dos cidadãos do seu país. Ou o direito de crítica. Cicero não é bobo de pensar que todos os sofisticados da academia não pensam que ele simplesmente quer limpar o terreno de toda a riqueza conceitual que vem desde Heidegger e Wittgestein, passando pelos frankfurtianos, até os pós-estruturalistas, para voltar - num movimento de contravanguarda filosófica - ao racionalismo vulgar dos iluministas. Cicero sabe que enfrenta essa questão com bravura.

Para ser sincero, com meu espírito místico e meus instintos de vanguarda, não sinto as coisas como ele sente. Além de ser muito ignorante para de fato entrar no debate. Mas não dá para seguir em frente repetindo Adorno ou ecoando Deleuze sem responder as questões que Cícero põe. Ele vem de um marxismo estruturalista (Althusser) e reencontra o melhor do liberalismo inglês e do racionalismo francês porque pensou mais do que os que apenas se ilustraram ou mesmo se refinaram muito. Ou seja: para se ir adiante tem-se que superar a crítica que ele faz. Eu o encontro em meu realismo radical, em minha paixão pela lucidez e pela justiça. Somos amigos e ele também é artista (na verdade, poeta), mas se eu encontrasse O mundo desde o fim por acaso, e não conhecesse o autor, eu ficaria tomado. Eu considero minhas confusões e a limpidez do pensamento de Cicero à esquerda de todas as formas de negação da modernidade. Digam-me que uma razão unívoca não pode dar conta dos nós da superpopulação (sou louco pelo Lévy-Strauss de Tristes Trópicos - e adorei ler hoje que Euclides da Cunha profetizou com grande clarividência os problemas ecológicos que enfrentamos), dos enigmas da mecânica quântica, do mistério complexo das culturas. De acordo. Mas não usem esse espantalho para desenterrar formas já testadas e já rejeitadas. Pode ser que haja um grande retrocesso na civilização. Mas ele não terá em mim um de seus arautos.

19.9.08

Sobre a popularidade de Lula

O seguinte artigo foi publicado na minha coluna da "Ilustrada" da Folha de São Paulo sábado, 20 de setembro de 2008:



Sobre a popularidade de Lula


LULA MERECE merece os altos índices de aprovação que tem obtido. E o mais notável é que os merece enquanto frustra as expectativas tanto dos conservadores antipetistas quanto dos radicais de dentro e de fora do PT.

Os conservadores temiam, antes do primeiro mandato de Lula, a volta da inflação galopante, a declaração de moratória, os distúrbios sociais, o colapso das instituições, o caos. Os radicais basicamente torciam por tudo isso, sendo que, no lugar do caos, esperavam uma ampla mobilização popular que culminasse com a substituição da democracia representativa por uma "democracia direta" (leia-se: "ditadura populista"), tendo em vista a realização de "transformações estruturais", isto é, de uma revolução meio cubana, meio pacífica.

Nada disso aconteceu. Contra as expectativas tanto dos conservadores quanto dos radicais, o governo de Lula tem basicamente se mantido dentro dos marcos do Estado de direito.

Hoje os conservadores – que entretanto, no Brasil, jamais morreram de amores pela democracia – temem a implantação de uma ditadura populista. Infelizmente, certos atos promovidos ou apoiados por alguns dos radicais do PT – tais como o mensalão, certas tentativas de intimidar a imprensa, a campanha pelo terceiro turno, a campanha pela "democracia direta", a prática de agências de segurança ilegalmente espionarem até membros do Judiciário e do Legislativo, a lenidade para com os atos ilegais do MST etc.– não nos permitem descartar como simplesmente ridículos tais temores.

Já os radicais se mantêm fiéis a dois dogmas. O primeiro é o de que não será possível realizarem-se as "transformações estruturais" de que, segundo eles, o Brasil precisa, sem a substituição da democracia representativa por uma "democracia direta". O segundo é o de que essas "transformações estruturais" se fazem necessárias porque, a menos que as realize, o Brasil jamais será capaz de resolver ao menos quatro graves problemas: (1) a dependência em relação às metrópoles capitalistas e às flutuações financeiras internacionais; (2) a estagnação ou a regressão econômica; (3) a submissão de grande parte da população brasileira à miséria absoluta; e (4) a manutenção ou o aumento da disparidade de renda entre os brasileiros mais pobres e os mais ricos.

Dado que ainda vivemos numa democracia representativa e não numa "democracia direta", é claro que, de acordo com o primeiro dogma, não se puderam realizar as tais "transformações estruturais". Segue-se, de acordo com o segundo, que nenhum dos quatro graves problemas mencionados pôde ser resolvido.

O fato, porém, é que, na gestão de Lula, cuja política econômica, sabiamente, dá continuidade à do governo -afinal de contas de esquerda- que o antecedeu, a inflação foi controlada e o peso da dívida externa na economia sofreu uma diminuição considerável. Concomitantemente, desmentindo os economistas-ideólogos que supunham serem incompatíveis o controle da inflação e o crescimento econômico, a economia voltou a crescer a taxas respeitáveis, foram gerados milhões de empregos formais e o salário mínimo aumentou em termos reais. E, embora não se possa esperar que país nenhum escape ileso da atual crise financeira, a verdade
é que, se ela houvesse ocorrido há alguns anos, estaríamos em situação bem pior.

Mas, a meu ver, o mais importante feito de Lula foi ter conseguido a diminuição significativa de duas infâmias que pareciam indissociáveis do nosso país: a altíssima disparidade de renda entre os mais pobres e os mais ricos, por um lado, e a miséria absoluta de grande contingente da população, por outro. O progresso na luta contra esses dois horrores foi obtido não só pelo aumento do salário mínimo e a geração de empregos formais, mas também por meio da implementação efetiva de programas sociais como, em primeiro lugar, o Bolsa Família.

Em suma, contra as previsões dos radicais, o Brasil hoje (1) tende a se tornar menos dependente das metrópoles e das intempéries financeiras, (2) cresce economicamente, (3) vê diminuir a população sujeita à miséria absoluta e (4) vê diminuir a disparidade de renda entre os mais pobres e os mais ricos.

Ou seja, mesmo dentro dos marcos do Estado de direito e da democracia representativa, as coisas estão bem mais sujeitas à transformação do que rezam os dogmas. Mas é inútil esperar que os radicais, abrindo mão dos seus dogmas, abram os olhos para a realidade: esta já os deixou para trás há muito tempo.

20.3.07

Conservadores e reacionários

Hoje, Luiz Felipe Pondé assina, na Folha de São Paulo, um artigo intitulado “Dez teses contra Babel”. A primeira tese começa com a afirmação de que “Reacionário é um termo comum em assembléia e bares. Visa tornar a vítima inelegível para jantares inteligentes, aniquilando a sua vida acadêmica”. Dado que a chamada para minha entrevista à Ilustrada (03/03) dizia “Há uma ofensiva reacionária no país” e, na entrevista, eu mencionava explicitamente Pondé, suponho que é a mim que ele visa, ao tentar desqualificar os usuários do termo “reacionário”.
Garanto que não tive a mínima intenção de privá-lo de jantares inteligentes ou de aniquilar a sua vida acadêmica, e que espero sinceramente que nenhuma dessas duas coisas tenha ocorrido ou venha a ocorrer por causa da minha entrevista. Tampouco me interesso pela linguagem comum em assembléias ou bares. Minha intenção foi simplesmente a de ser preciso. Dado que não vivemos, hoje, na Idade Média, aqueles que defendem a restauração de valores medievais não querem conservar coisa alguma: logo, não devem ser chamados de “conservadores”. A palavra certa para eles é “reacionários”.