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21.8.09

Hudson Carvalho: "A candidatura de Marina Silva"

O seguinte artigo do Hudson Carvalho foi publicado no dia 19 de agosto no Jornal do Brasil. Trata-se de uma reflexão muito bem pensada e equilibrada sobre a possível candidatura de Marina Silva à presidência do Brasil.

A candidatura de Marina Silva


Depois de 30 anos de filiação, a senadora Marina Silva anunciou sua saída do PT. Embora ainda não o tenha feito, filiar-se-á ao PV, para se candidatar à presidência da República em 2010. A nova matrícula partidária e a condição de postulante ao Palácio do Planalto revestem-se, momentaneamente, de zelo ritualístico, para tentar agregar grandeza a um gesto que pode ser facilmente visto como algo menor, como uma simples acomodação de um ambicioso projeto pessoal. E, na cartilha politicamente correta, não fica bem gente como Marina Silva, mulher de biografia e de qualidades notáveis, ter projetos pessoais; isso é coisa de convencionais políticos oportunistas. Pois bem, Marina Silva deixa o PT e, agora, busca dar sentido social e ecológico ao seu movimento. Por sua vez, para abrigar Marina Silva, o PV se propõe a se despoluir e a se refundar, através de um programa ecologicamente incrementado. Ou seja, ambos se movimentam para dar justificativa pública e conforto ao outro. Não fazem nada de condenável; assim é a vida.

Especula-se que Marina Silva agitará a pasmaceira que se esboçava para a sucessão presidencial, com o cenário se resumindo às candidaturas petista e tucana. Pode ser, embora não haja nada, por ora, que sustente essa hipótese, além de uma torcida efusiva por parte de diminutos setores específicos. Nas pesquisas dos institutos mais sérios, não há registro de que o seu nome possa vir a empolgar. Isso não chega a ser nenhuma tragédia. Primeiro porque as pesquisas, a essa distância do pleito, retratam mais grau de conhecimento do que intenção de votos. Segundo porque o decisivo é o próprio processo eleitoral, e não esses fotogramas preliminares. Uma eventual candidatura Marina Silva, portanto, poderá crescer ou não, dependendo das circunstâncias.

Na ótica atual, contudo, as expectativas eleitorais para ela não são das mais auspiciosas. O PV é um partido pequeno, com pouco tempo de televisão e sem expressiva capilaridade nacional. Além disso, há um elenco prévio de sólidas postulações - José Serra ou Aécio Neves, Dilma Rouseff, Ciro Gomes e Heloísa Helena. Mesmo que um ou dois deles não estejam efetivamente no pleito, romper a polarização tucano-petista não será fácil. Se os tucanos tiverem a habilidade de montarem a hoje descosturada chapa José Serra e Aécio Neves (leia-se São Paulo e Minas Gerais, os dois maiores colégios eleitorais) e se os petistas conseguirem transformar a agenda eleitoral em um plebiscito sobre o presidente Lula, menos espaço disporão as demais alternativas.

Por sua vez, a bandeira ecológica pode vir a ter as suas limitações eleitorais, mesmo que a temática tenha aumentado de importância universalmente. No fim do milênio passado, esse era um estandarte moldado às novas esquerdas. Hoje, até em função do crescimento de sua importância, a ecologia, até por puro oportunismo, foi adotada por quase todas as forças políticas contemporâneas, inclusive algumas de direita. Por ser tema de quase todos, com maior ou menor ênfase, não tem o potencial de distinção que já teve. Mais do que os outros, Marina Silva é visceralmente ligada ao assunto. Mas, será este o tema prevalente da sucessão presidencial? Pouco provável. E, se Marina Silva se tornar competitiva, o seu xiitismo nessa questão não poderá também acarretar custos eleitorais, se ele for exposto, pelos adversários, como um elemento de atravancamento do desenvolvimento e da criação de empregos? No momento, mais do que na sua agenda as chances de Marina Silva estão depositadas na ojeriza que segmentos substantivos da população nutrem pelos políticos tradicionais.
Por fim, a pretensão de Marina Silva é vista inicialmente como prejudicial a Dilma Rouseff. Até certo ponto, pode ser, sobretudo por retirar da ministra o apelo de gênero e por ter mais charme eleitoral.

A senadora tem brilho político próprio. A ministra não; sua força eleitoral é derivativa do presidente Lula. Já há quem ache que a candidatura Marina Silva trará mais desconforto à postulação tucana, sob o argumento de que o eleitorado ?qualificado? dos grandes centros urbanos - como o da Zona Sul do Rio, por exemplo -, que é sensível aos encantos da senadora, não tencionaria mesmo a votar na ministra. Essas questões só serão dirimidas no curso eleitoral. É certo que, se a candidatura Marina Silva estimular outras ambições na base de sustentação do governo Lula, como a de Ciro Gomes, por exemplo, a situação da ministra ficará realmente complicada. Em compensação, a presença da senadora, se bem sucedida, poderá ensejar um segundo turno que não haveria em caso de um mano a mano tucano versus petista.

Em suma, do ponto de vista eleitoral, apesar de suas virtudes e de seus positivos simbolismos, a candidatura Marina Silva terá, inicialmente, muitos obstáculos para chegar a abalar as gigantescas máquinas eleitorais do quadro presente; a não ser que se constitua em um fenômeno, coisa em que os seus adeptos crêem e que a realidade política brasileira refuga.

3.9.08

Hudson Carvalho: O fim da política

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O fim da política

*Hudson Carvalho


Vivemos dias confusos. Dias de excesso de imoralidades e da falta de valores. Por um lado, abundantes manifestações de carência moral e de ética nas instâncias pública e privada. Por outro, guardiões postiços e autênticos da moralidade bradando para restabelecê-la; às vezes ao arrepio das leis.

Os descaminhos pululam em todos os lugares. É na esfera pública, porém, que eles mais cintilam. A impressão generalizada é de que os nossos homens públicos só aprontam, quase sem exceção. Pelo menos, é o que nos reporta a grande imprensa diária. São escândalos e mais escândalos, dia após dia, em uma seqüência funesta que, pelo volume, mais nos entorpece do que nos indigna. E se a mídia exagera, não significa que ela esteja tratando de um universo alheio ao verdadeiro.

Na contra-ofensiva, instituições e pessoas denunciando e lutando contra o descalabro. Nem todas de boa fé, ressalta-se. Há aí também, no meio dos genuinamente bem-intencionados, uma matula de aproveitadores midiáticos, de éticos de ocasião, de justiceiros sem lei, de moralistas profissionais, de ingênuos manipuláveis. Todos - os bons e os maus - amparados por uma grande mídia majoritariamente de espírito udenista.

Na política é onde esse embate está mais latente. Sem a prevalência de princípios e ideologias, o ambiente político virou uma terra arrasada moralmente, onde imperam as safadezas e o desinteresse público. Como subproduto, surge a judicialização da política em uma tentativa do Poder Judiciário de higienizar ordem tão degradada. Soma-se a isso a cruzada midiática, balizada pelo açodamento natural dos que dependem das concorrências mercantis.

O certo é de que, do jeito que a coisa anda, esse confronto mais do que produzindo bons resultados para a moralização da política está nos conduzindo para o fim da política, conforme já anotaram vários estudiosos.

Ninguém nega que o espaço político tornou-se, comumente, um lugar de perdição, corrupção e vícios. E se a própria classe política não cuida do seu ambiente, o Judiciário e a imprensa tentam remediá-lo. Por sua vez, quando esses poderes atuam, eles o fazem na maioria das vezes para amputar o espaço da política, e não para cristalizar direitos. Por trás de uma retórica de valores morais, mesmo que não seja essa a intenção, há, na prática, uma ameaça as conquistas da democracia formal e das liberdades individuais.

E é isso que vivemos nesses dias confusos. Onde anda a política com “P” maiúsculo? Não está nos partidos. Não está nos governos. Não está nas casas legislativas. Não está na sociedade. Na mídia, só a encontramos encardida.

A política tem sido vítima dela mesmo e das gentes e circunstâncias do nosso tempo. Desvirtuou-se e paga um preço por descaminho. Não há mais a política das idéias, das convicções. Só há a política dos interesses, sem causa pública. Por isso, provoca reações também radicalizadas por parte dos oponentes, como segmentos da sociedade, do Judiciário e da imprensa, que muitas vezes atuam inspirados pela máxima de que os fins justificam os meios e rasgam as formalidades que se interpõem.

Tudo isso seria relativo, se na fronteira desse confronto não constasse, mesmo que veladamente, um prenúncio de desgraça: o fim da política pode ser também o fim dos direitos, das liberdades individuais e da democracia.



*Jornalista.

4.10.07

Hudson Carvalho: "Tropa de Elite"

Um artigo do jornalista Hudson Carvalho, especialmente para o nosso blog:


“Tropa de Elite”


Assisti a “Tropa de Elite” atendendo a convite generoso da secretária estadual de Cultura, Adriana Rattes, na abertura do Festival de Cinema do Rio. No caso, esse inusitado preâmbulo faz-se necessário para me isentar da suspeição de ter visto o filme nos escaninhos da abjeta pirataria. Feita a ressalva, ao filme, pois.
Há várias maneiras de se ver “Tropa de Elite”. Como não sou crítico de cinema, de nada, nem de ninguém, interessam-me mais os aspectos políticos e o ambiente sociológico de segurança e de violência que o filme reflete do que propriamente a obra.
Como filme, “Tropa de Elite” não é nenhuma Brastemp. Nos mesmos moldes, por exemplo, cinematograficamente falando, “Cidade de Deus” é bem melhor, mais consistente e criativo. Mostra melhor o que revela.
Já “Tropa de Elite”, em minha desqualificada visão cinematográfica, perde-se em subtramas pouco densas, ora para enfatizar o infernal embrutecimento do personagem principal mesmo em domínio doméstico, ora para generalizar a podridão que retrata. Na ânsia de culpar igualmente a sociedade perfumada, o aparato policial, os políticos sem escrúpulo e a bandidagem ensandecida, “Tropa de Elite” abusa de soluções generalistas e simplistas. Se fosse um filme americano sobre a SWAT, provavelmente seria depreciado.
Não li o livro “Elite da Tropa” que originou o filme. Disse-me, porém, o ex-capitão do BOPE, Rodrigo Pimentel, co-autor do livro e do roteiro do filme, que ambos são bem diferentes. Considerando-se, entretanto, que livro e filme, embora fantasiosos, tenham um grande embasamento na realidade, podemos observar a situação espelhada como gravíssima e preocupante. Não por apresentar uma novidade; mas, sim, pela dimensão.
Sobre a superfície do universo criminal há farto material ficcional e respaldo cotidiano nas ruas e na mídia. Já as mazelas da polícia, mesmo que também ricamente documentada, não deixam de causar perplexidade no filme. O que tem de mais virtuoso em “Tropa de Elite” é a crua exposição das entranhas de um importante corpo de segurança.
A rigor, lato sensu, a polícia se divide entre corruptos, ladrões, assassinos, torturadores etc. Ou seja, não há mocinhos, não há agentes públicos agindo dentro da lei. No filme, os supostos mocinhos são os policiais boçais que torturam e matam, em contraponto aos policiais que se corrompem, roubam e achacam uma sociedade conivente com o tráfico de drogas, mas que espia sua culpa social, caricaturalmente, com florais assistencialistas.
É certo que tanto na sociedade quanto nos engenhos policiais há gente de outra estirpe. Não há como deixar de imaginar, entretanto, que o quadro real policialesco seja assemelhado ao narrado no filme. Ou pior. Se assim consideramos e se assim é, será que temos soluções realísticas para os problemas? Ou a sociedade e os poderes públicos perderam definitivamente as condições de cuidar dessa moléstia?
O mérito de “Tropa de Elite” não é provar que o cinema nacional evoluiu e há muito equacionou a qualidade de som dos seus filmes. O mérito de “Tropa de Elite” é ensejar uma discussão sobre a natureza das nossas polícias e os papéis que elas têm que cumprir e sob que regras. E isso não pode mais tardar.

Hudson Carvalho

7.8.07

Hudson Carvalho: "Cansei"

Eis um artigo muito lúcido e oportuno do jornalista Hudson Carvalho:



“CANSEI”


Há dias o presidente Luiz Inácio Lula da Silva abespinhou-se por ter recebido uma trovejante vaia no Maracanã, na inauguração dos Jogos Pan-Americanos do Rio. Acostumado com platéias subsidiadas e plácidas, Lula surpreendeu-se com a apupada. Depois, passou a oscilar na digestão do processo. Ora, considerava as vaias naturais, supostamente assimilando-as; ora, observava-as como injustas e viciadas, contestando-as.
Esse pêndulo incorporava também outras percepções difusas e confusas. Ora, as vaias eram atribuídas a uma elite ingrata; ora, eram vistas como instrumentalizadas por uma oposição inconformada com os ditames das urnas. Essas ilações conjugadas, em parte, embasaram a suspeição governista quanto à natureza das arruaças promovidas pelo movimento paulista “Cansei”, no rastro da comoção gerada pelo trágico acidente do avião da TAM.
Em tese, o “Cansei”, como muitos de seus precursores, propõe-se como desaguadouro de todas as mazelas que assolam a sociedade civil, sobretudo aquelas potencializadas pelos descasos dos andaimes governamentais e institucionais. Amparado em causas incandescentes e justas, o “Cansei” – que nome infeliz! - ambiciona o lugar de catalisador de insatisfações múltiplas, notadamente, no caso, é verdade, daquelas que emparedam o governo Lula, tendo a animá-lo cidadãos e contribuintes justamente indignados, mas também foliões elitistas e oposicionistas juramentados. Em suma, um congênere do falecido movimento carioca “Basta”, desintegrado, prematuramente, por insuficiência popular, na sua tentativa de aporrinhar o, então, governante casal Garotinho.
É do direito de todos exercitarem a sua cidadania e espernearem contra a imobilidade, a incapacidade e a imoralidade governamental. Em geral, no entanto, infelizmente, esse tipo de iniciativa presta-se a caftinagens políticas, mesmo quando nascem sob égide virtuosa. E o “Cansei” não foge a regra. É muito difícil um movimento brotar no seio da sociedade sem se contaminar pelos rufiões de plantão. Há sempre políticos oportunistas querendo se assenhorear de aparatos organizados e de demandas nobres, transformando os primeiros em inocentes úteis. Essa simbiose, comumente, vitima os movimentos, conspurcando-os e lhes sugando legitimidade, o que os leva a definhar precocemente.
E o pior é que, comumente, muitos desses núcleos elitistas contestatórios têm a besuntá-los uma hipócrita pregação moralista e um preconceito militante. Uma coisa é o absolutismo da ética; outra é o relativismo do falso moralismo a granel.
No mais, ao incorporarem o brado “Fora Lula”, esses empreendimentos enamoram-se de um sentimento golpista indesculpável. Durante trânsito democrático, são os funis eleitorais que legitimam os governantes. Não podemos promover expurgos, fora das cerimônias eleitorais, apenas por avaliarmos um governo incapaz ou inconveniente. Portanto, tão despropositado como o “Fora Lula” de agora era o “Fora FHC” de outrora.
Esses segmentos, entretanto, não são os únicos em tentarem esgarçar a democracia. O próprio presidente Lula e acólitos costumam contribuir, quando, incomodados, ameaçam sublevar as massas em defesa de seu reino, remontando o imaginário de uma intimidação a la Chávez.
O melhor para o país é que todos assumam postura mais sensata e madura. Ninguém é obrigado a gostar do presidente Lula, e muitos têm razões concretas e subjetivas para criticá-lo e, até, vaiá-lo. Não se pode, todavia, pregar a sua degola além da agenda democrática e longe de ritos processuais. Por sua vez, o presidente tem que se habituar ao fato de que nem todos são obrigados a se simpatizarem com ele e com o seu governo, e que a exposição de queixas também faz parte do processo democrático. Nem o mais paranóico pode ver no limitado Cansei sequer um embrião de desestabilização.
A consolidação da democracia é o mais importante. E a democracia se caracteriza, principalmente, em função do respeito aos direitos das minorias. É normal que Lula, como qualquer um, não aprecie vaias dirigidas a si. O presidente da República tem a obrigação, no entanto, de aprender a conviver com elas. O Cansei, mesmo que contagiado, cumpre um papel. Que o governo cumpra o seu.


Hudson Carvalho

17.5.07

Hudson Carvalho: FHC é candidato

Uma excelente análise política do Hudson Carvalho:



FHC é candidato

Esta é forte; mas, considerando-se o artigo (“Um Brasil melhor”) que escreveu recentemente em O Globo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso é candidatíssimo a tentar voltar ao Palácio do Planalto, em 2010.
No artigo, em resumo, FHC flerta, sem assumi-lo, com o conhecido conceito que embaralha política e guerra, quando diz que nos embates eleitorais “o ponto de aglutinação da militância e, mais tarde, dos eleitores, depende dos estados-maiores partidários ... para ter objetivos claros e ser capaz de alentar os que lutam pela causa”. E adverte que o ano de 2010 está longe, “mas muito perto do momento que requer um discurso político vigoroso, de unidade, que mantenha o moral do eleitorado oposicionista e apresente a todos alternativas”. E lembra que, na ausência desse discurso, se a economia não estiver mal – como ele admite que não esteja -, o “eleitor comum” tenderá a ficar novamente com o já conhecido e feito.
FHC prescreve ainda a aliança das agremiações oposicionistas, sobretudo daquelas que refletem os anseios dos “setores de vanguarda das classes médias, que querem novos rumos”. E observa que à falta de “definições simples, abrangentes e claras sobre o que os partidos querem, as discussões serão sempre sobre quem, ao invés de ser sobre o quê”, fulanizando previamente o debate e restringindo o processo a apenas aos círculos íntimos dos supostos presidenciáveis. Para ele, isso não é suficiente para mobilizar os recursos humanos necessários para enfrentar os desafios do século XXI.
E, espetando o presidente Lula, useiro e vezeiro em exaltar a natureza inaugural das façanhas do seu governo, Fernando Henrique Cardoso convoca-nos a não nos comparar conosco mesmo, e, sim, com o que acontece com o mundo, para vermos que “os nossos concorrentes avançam a passos largos, enquanto nós voltamos ao ufanismo ingênuo, marcando passos, afogados na irrelevância”. E complementa: “Devemos ser contemporâneos do século XXI e não do passado”.
E prossegue no ataque a Lula: “Se quisermos projetar um futuro que não seja de esmolas para os pobres disfarçadas em bolsas e de concentração de renda ainda maior, temos que assegurar à maioria condições para competir e obter emprego, com melhor educação e mais crescimento econômico. Caso contrário, seguiremos no rumo do apartheid moderno, que transforma o estado em casa de misericórdia e o mercado em apanágio dos bem-educados”.
Por fim, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sentencia, com razão, que “o povo cansou de ouvir os políticos” e que “a oposição não pode se restringir ao Congresso”, apregoando a combinação de mídia com ação direta como elemento relevante da política contemporânea, e clamando por uma participação da sociedade mais afeita aos oráculos da extrema-esquerda.
Fernando Henrique Cardoso tem se dedicado a intentar imprimir mais organicidade, ênfase e eficácia a oposição feita contra o governo presente. Às vezes, em dissonância com o seu próprio partido, hoje sem discurso, sem rumo, dividido quanto à tonalidade oposicionista e, equivocadamente, acomodado a hipotética competitividade de dois governadores de suas hostes. A despeito dos avanços do seu governo, notadamente na esfera econômica, o cotejo com a administração atual não lhe tem sido patentemente favorável. FHC demonstra ressentir muito disso. Freqüentemente insurge-se contra o seu sucessor, aparentemente, instigado por espírito menor e por fígado avinagrado.
As circunstâncias e os humores fermentados de Fernando Henrique Cardoso, no entanto, não desqualificam necessariamente as premissas defendidas no seu artigo. É razoável se admitir que, pelo menos, parte do seu diagnóstico esteja correta. É percebível a olho nu, porém, que, por trás do arrazoado, se apresenta também a pretensão extemporânea de um homem vaidoso e qualificado que não consegue digerir as comparações desfavoráveis com o operário que lhe herdou o trono nem se libertar das tentações dos resorts do poder.

10.3.07

Hudson Carvalho sobre Hugo Chávez

CHÁVEZ É UM RETRATO DAS DIFICULDADES DAS ESQUERDAS

* Hudson Carvalho

A queda do Muro de Berlim, em 1989, cristalizou-se como marco do ocaso do comunismo, embora algumas poucas experiências anacrônicas, como Cuba, ainda sobrevivam. Com o desmoronamento do comunismo, Francis Fukuyama decretou açodada e equivocadamente o fim da história, e, de lá para cá, ex-comunistas e esquerdistas tatuados de outras linhagens buscam reconstruir os seus espaços e as suas utopias.
Paralelamente, os postulados da economia de mercado instalaram-se avassaladoramente, alojando a primazia do capitalismo como verdade absoluta e quase universal. Com isso, esquerdistas de todo o mundo passaram a vagar catatônicos em um limbo existencial.
Os ensaios intermediários, moderados, gerenciados por esquerdistas envernizados na social-democracia, tiveram, parcial e temporariamente, algum êxito em países europeus de economia pujante. Depois, mesmo nesses ambientes, o tamanho do estado começou a transbordar e a fissurar mais ainda os experimentos esquerdistas, inclusive os reciclados e democráticos.
Ao mesmo tempo, com o término da polarização capitalismo versus comunismo, apresentaram-se os novos conflitos universais, que se acentuaram com a ascensão de George Bush nos Estados Unidos. No lugar do clássico confronto direita contra esquerda, estabeleceram-se outros tipos de colisões, alguns animados por estandartes religiosos.
Apesar de tudo isso, nada indica, porém, que se possa realmente abonar a morte das ideologias. Pelo contrário. O planeta continua a se mover sobre eixos ideológicos; agora, mais fracionados, sem a nitidez e a bipolaridade exclusiva das referências anteriores.
Na América Latina, por exemplo, é quase unânime o questionamento governamental ao liberalismo rubricado pelo Consenso de Washington. Tornamo-nos, com maior ou menor ênfase, dependendo do país, bastiões retóricos de resistência à lógica capitalista, a despeito de, na prática, continuarmos vivendo sob o seu predomínio. Pelo menos, rugimos e bravateamos. Nesse contexto, destaca-se o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, com suas gabolices.
Que Chávez encarne o que é melhor para a Venezuela no momento, diante de uma avara e corrupta oligarquia que mandou e desmandou inconseqüentemente naquele país por muitos anos, vá lá. Mas, entre isso e transformá-lo em líder regional e símbolo da regeneração esquerdista, cabe uma distância abissal. Caricato e antidemocrático, Chávez pode atender, no máximo, a aspirações emergentes na Venezuela e cercanias. Levá-lo, entretanto, a sério como guia deprecia a própria esquerda.
Idolatrá-lo pelo seu barroco antiamericanismo destaca ainda mais os descaminhos em que as esquerdas se encontram. Não é por considerarmos George Bush altamente pernicioso, que devemos, automaticamente, ter apreço pelo seu vaniloqüente crítico. Chávez não é alternativa a Bush. Guardando-se as proporções pela relevância suprema dos Estados Unidos, eles são da mesma cepa, sendo que o ruinoso governo Bush tem prazo de validade ajuizado pelo rito democrático americano.
Na verdade, sob o garrote do pensamento único que disciplinou as esquerdas durante quase todo o século passado, é difícil para essa gente raciocinar além de vertentes binárias e excludentes. Para as esquerdas, é tudo branco ou preto. Não há matizes nem relativismos; só o limitado império do absoluto.
Espelhar-se em uma figura como Chávez é sublinhar as deficiências e as estreitas divisas da própria esquerda. É verdade que, em um tempo de tantas inovações, por paradoxo, não está fácil, para as esquerdas, desbravarem veredas singulares. Elas, no entanto, é que devem ser buscadas, ambicionadas. Este é o desafio da esquerda: renovar-se na procura de rumos originais indubitavelmente democráticos, pois o socialismo do século XXI, apregoado por Hugo Chávez, não é historicamente futuro, é passado. E, como tal, repete-se como farsa, como, aliás, já alertara Marx.

* Jornalista.