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13.2.12

Joseph Brodsky: "Odisseu a Telêmaco": tradução de Boris Schnaiderman e Nelson Ascher





Odisseu a Telêmaco

Caro Telêmaco,
                            encerrou-se a Guerra
de Tróia. Quem venceu, não lembro. Gregos,
sem dúvida: só gregos deixariam
tantos defuntos longe de seu lar.
Mesmo assim, o caminho para casa
mostrou-se demasiado longo, como
se Posseidon, enquanto ali perdíamos
nosso tempo, tivesse ampliado o espaço.

Não sei nem onde estou nem o que tenho
diante de mim, que suja ilhota é esta,
que moitas, casas, porcos a grunhir,
jardins abandonados, que rainha,
capim, raízes, pedras. Meu Telêmaco,
as ilhas todas se parecem quando
já se viaja há tanto tempo, o cérebro
confunde-se contando as ondas, o olho
chora entulhado de horizonte e a carne
das águas nos entope enfim o ouvido.
Não lembro como terminou a guerra
e quantos anos tens, tampouco lembro.

Cresce, Telêmaco meu filho, os deuses,
só eles sabem se nos reveremos.
Não és mais o garoto em frente a quem
contive touros bravos. Viveríamos
juntos os dois, não fosse Palamedes,*
que estava, talvez, certo, pois, sem mim,
podes, liberto das paixões de Édipo,
ter sonhos, meu Telêmaco, impolutos.


BRODSKY, Joseph. Quase uma elegia. Traduções de Boris Schnaiderman e Nelson Ascher. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1996.


* NOTA (por Antonio Cicero):
Ulisses jurara lutar ao lado de Menelau e dos outros gregos contra Troia. Quando, porém, Palamedes e Menelau foram buscá-lo para a guerra, ele tentou escapar desse compromisso, fingindo estar louco. Juntando bois bravos a um arado, saiu pelo campo, semeando sal. Foi Palamedes quem o desmascarou, pois quando colocou Telêmaco, o filhinho de Ulisses, em frente à parelha, este a freou para não atropelar a criança. Com isso, revelou que não estava realmente fora de si. Resultado: teve que ir à guerra, após a qual se extraviou pelo mar durante vinte anos.

8.7.11

Joseph Brodsky: "Почти элегия" / "Quase uma elegia": tradução por Boris Schnaiderman e Nelson Ascher




Quase uma elegia

Também eu aguardei na colunata
da Bolsa, outrora, o fim da chuva fria.
Julgava-a dom de Deus. E era sensata
minha suposição. Pois algum dia
também eu fui feliz. Fui prisioneiro
dos anjos. Combatia monstro horrendo.
Feito Jacó, fitava sorrateiro
uma beldade -rápido- descendo
a escada principal.
                               Aonde tudo
se foi. Sumiu. Olho janela afora:
o "aonde" acima, eu o escrevi, contudo,
sem ponto de interrogação. Agora
é setembro. Um trovão distante invade
meu ouvido. Eis um horto. Pêras pensas,
cheias de seiva nas ramagens densas,
parecem signos de virilidade.
E o ouvido admite, como gente avara
parentes na cozinha, um som assíduo
de chuva que, na mente, sem chegar a
música ainda, é mais do que ruído.



Почти элегия

В былые дни и я пережидал

холодный дождь под колоннадой Биржи.
И полагал, что это - божий дар.
И, может быть, не ошибался. Был же
и я когда-то счастлив. Жил в плену
у ангелов. Ходил на вурдалаков.
Сбегавшую по лестнице одну
красавицу в парадном, как Иаков,
подстерегал.
                       Куда-то навсегда
ушло все это. Спряталось. Однако,
смотрю в окно и, написав "куда",
не ставлю вопросительного знака.
Теперь сентябрь. Передо мною - сад.
Далекий гром закладывает уши.
В густой листве налившиеся груши
как мужеские признаки висят.
И только ливень в дремлющий мой ум,
как в кухню дальних родственников - скаред,
мой слух об эту пору пропускает:
не музыку еще, уже не шум.

 
BRODSKY, Joseph. Quase uma elegia. Traduções de Boris Schnaiderman e Nelson Ascher. Introdução e textos complementares de Nelson Ascher. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1996.

22.12.08

Joseph Brodsky: "Я был только тем, чего" / "Eu era apenas quanto" : traduzido por Boris Schnaiderman e Nelson Ascher

.



Eu era apenas quanto


Eu era apenas quanto
a tua mão tocasse
ou sobre o que inclinavas,
no breu da noite, a face.

Eu era, embaixo, quanto
notavas turvo, apenas:
traços, no início, vagos;
feições, mais tarde, plenas.

Foste quem logo, ardente,
criou-me a sussurrar,
seja à direita, à esquerda,
a concha auricular.

Foste, a agitar cortinas,
quem, na umidade cava
da boca, introduziu-me
a voz que te chamava.

Eu era cego e, vindo,
sumindo-te de mim,
doaste-me a visão.
Fica um vestígio, assim.

E, assim, criam-se mundos
que são postos de lado,
girando, quando prontos,
presente abandonado.

Em meio, pois, de treva
e luz, calor e frio,
prossegue o nosso globo
seu giro no vazio.



Я был только тем, чего


Я был только тем, чего
ты касалась ладонью,
над чем в глухую, воронью
ночь склоняла чело.

Я был лишь тем, что ты
там, внизу, различала:
смутный облик сначала,
много позже - черты.

Это ты, горяча,
ошую, одесную
раковину ушную
мне творила, шепча.

Это ты, теребя
штору, в сырую полость
рта вложила мне голос,
окликавший тебя.

Я был попросту слеп.
Ты, возникая, прячась,
даровала мне зрячесть.
Так оставляют след.

Так творятся миры.
Так, сотворив их, часто
оставляют вращаться,
расточая дары.

Так, бросаем то в жар,
то в холод, то в свет, то в темень,
в мирозданьи потерян,
кружится шар.



De: BRODSKY, Joseph. Quase uma elegia. Tradução de Boris Schnaiderman e Nelson Ascher. Introdução e textos complementares de Nelson Ascher. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1997.