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18.10.09

A ONU e os direitos humanos




O seguinte artigo foi publicado na minha coluna da “Ilustrada”, da
Folha de São Paulo, sábado, 17 de outubro, sob o título “O Islã e os direitos humanos”. Ao reler o artigo no jornal, percebi que seu verdadeiro assunto não era refletido por esse título. Alterei-o, por isso, ao postá-lo aqui.


A ONU e os direitos humanos


ATÉ POUCO tempo atrás, o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (CDH), criado há três anos, encontrava-se inteiramente controlado por Estados membros da Organização da Conferência Islâmica. Infinitamente mais preocupados em blindar sua religião contra qualquer crítica do que em proteger os direitos humanos dos seus cidadãos, esses Estados conseguiam, ano após ano, passar resoluções de condenação à "difamação de religiões".

Na prática isso significava endossar os atentados constantes de diversos Estados contra o direito humano fundamental da liberdade de expressão. Assim, a crítica a determinadas práticas de fundo religioso - como a execução de apóstatas e homossexuais, a clitorectomia, a lapidação de adúlteras ou a amputação das mãos de ladrões, por exemplo - podia ser enquadrada como "difamação de religiões". Também a perseguição de hereges, de membros de religiões minoritárias ou de ateus pode ser justificada através dessa noção. Em suma, ao condenar a "difamação de religiões", o CDH, por um lado, racionalizava exatamente o desrespeito aos direitos humanos e, por outro lado, inibia qualquer crítica a esse desrespeito: violando, desse modo, o direito humano fundamental à liberdade de opinião e expressão.

Na verdade, os direitos humanos são direitos de seres humanos individuais, face ao Estado, às igrejas e, de maneira geral, a todas as instituições e coletividades. Por isso, à medida que qualquer sistema de crenças e comportamentos tradicionais, seja secular, seja religioso, sirva para racionalizar o desrespeito aos direitos dos indivíduos, ele deve ser criticado por violar os direitos humanos. Quanto mais uma ideologia secular ou religiosa se pretender superior à crítica, tanto mais, por isso mesmo, merece crítica. Nada mais absurdo do que tentar converter os direitos humanos no seu oposto, tomando-os como os direitos das religiões face aos - ou melhor, contra os - seres humanos.

Na era Bush, os Estados Unidos, desprezando tanto as Nações Unidas quanto os direitos humanos - pisoteados, por exemplo, em Guatánamo - desdenhavam participar do CDH. Com isso, abandonavam-no, na prática, à Organização da Conferência Islâmica. Neste ano, porém, a secretária de Estado Hillary Clinton anunciou que os Estados Unidos, coerentes com a rejeição da política arrogantemente unilateral de Bush, haviam decidido participar do Conselho, com a esperança de torná-lo melhor. De fato, deve-se dizer que eles conseguiram isso, em certa medida.

Ainda em 27 de março, antes da entrada dos Estados Unidos no Conselho, este passou mais uma resolução de condenação à "difamação de religiões". No dia 2 do corrente mês porém, após intensas negociações em Genebra, os Estados Unidos conseguiram chegar a um compromisso com o Egito, por meio do qual foi tomada uma nova resolução da qual já não consta essa noção. Isso nos lembra, aliás, de que foi no Egito que, em junho, ante os estudantes e professores da Universidade do Cairo, Barack Obama teve a coragem de declarar que o negacionismo do Holocausto é algo "infundado, ignorante e odioso".

Embora a nova resolução represente um progresso considerável - que foi devidamente saudado como tal pelas mais importantes organizações internacionais que defendem a livre expressão, tais como a "Artigo 19" - a verdade é que ainda há um longo caminho a percorrer.

É que, embora já não se refira à "difamação de religiões", a nova resolução ainda condena tanto o uso de "estereótipos negativos raciais e religiosos" quanto qualquer defesa de "ódio religioso que constitua incitação à discriminação, hostilidade ou violência". Isso deu margem, por exemplo, a que o paquistanês Zamir Akram, falando em nome da Organização da Conferência Islâmica, condenasse o uso de "estereótipos negativos" não somente em relação a indivíduos mas a sistemas de crenças.

Falando pela União Europeia, o francês Jean-Baptiste Mattei lembrou então que "a lei de direitos humanos não protege nem deve proteger sistemas de crenças. Logo, o que foi dito sobre estereótipos só se aplica a estereótipos de indivíduos, não de ideologias, religiões ou valores abstratos. A União Europeia rejeita e continuará a rejeitar o conceito de difamação de religiões e também rejeita o abuso de religiões ou crenças para a incitação ao ódio. [...] Os Estados não devem tentar interferir no trabalho de jornalistas e devem permitir a independência editorial da mídia".

Não deixa de ser bom que algo se mova até mesmo lá, onde nada parecia acontecer.

25.1.09

O fenômeno Barack Obama

O seguinte artigo foi publicado na minha coluna da "Ilustrada", da Folha de São Paulo, sábado, 24 de janeiro de 2009.



O fenômeno Barack Obama

NEM OS representantes da direita cínica nem os da esquerda dogmática conseguem esconder seu rancor contra a alegria com que tanta gente saudou a posse de Barack Obama. Tanto uns quanto os outros debocham da "ingenuidade" dos que pensam que, com o novo presidente, alguma coisa possa melhorar nos Estados Unidos ou em qualquer outra parte do mundo. Segundo eles, nada pode mudar senão para pior.

Acontece que as pessoas que conheço e que ficaram admiradas e alegres com a eleição e a posse de Obama estão longe de ser tão ingênuas quanto eles supõem. Elas não acreditam em milagres ou messias ou "grandes timoneiros"; são conscientes de que o presidente dos Estados Unidos não pode fazer tudo o que quer; percebem que Obama ainda não se provou como administrador; sabem que vivemos um momento de crise econômica mundial sem precedentes; entendem a gravidade das guerras no Oriente Médio e no Afeganistão; compreendem que vivemos um momento instável de imprevisíveis transformações nas correlações internacionais de forças econômicas, políticas e militares etc. etc.

Apesar disso, os que celebram a posse de Obama -entre os quais me incluo- acreditam que já há bastante razão para fazê-lo. Em primeiro lugar, é extraordinário que um homem negro, filho de imigrante, com um nome de origem árabe, tenha sido eleito presidente dos Estados Unidos. Em segundo lugar, é maravilhoso que tal homem deva sua eleição, em grande parte, à superioridade do seu brilho, do seu carisma, das suas ideias. Em terceiro lugar, é esplêndido que, ao eleger Obama, os eleitores americanos tenham claramente repudiado o governo mais vil de que se tem memória nos Estados Unidos, que foi o da extrema direita do Partido Republicano, na figura lamentável de George W. Bush. Em resposta aos que afirmam que nada poderá mudar no novo governo, pode-se dizer que esses três fatos já representam uma imensa mudança.

Mas há mais. Curiosamente, sob influência de comentaristas das grandes redes de televisão norte-americanas, muitos afirmam que Obama nada disse de novo no seu discurso de posse. Isso é uma falsidade. De modo educado, porém firme, ele deixou bem claras as suas diferenças em relação ao antecessor. Entre outras coisas, falou de restaurar ao devido lugar a ciência (que foi vilipendiada, como se sabe, pelo apoio ideológico e material dado por Bush à charlatanice do "design inteligente"); declarou ser falsa a oposição entre os princípios e a segurança (quando Bush, em nome desta, sacrificou aqueles); ressaltou a necessidade de abandonar dois dogmas: o primeiro, quanto ao tamanho do Estado (que o governo Bush pretendeu tornar mínimo no que diz respeito à segurança social, mas não no que diz respeito às forças de repressão e guerra); e o segundo, quanto ao papel do mercado (que o governo Bush quis maximizar por meio, entre outras coisas, de uma desregulamentação cujas consequências se manifestam na atual crise econômica); observou, contra o fanatismo religioso (que Bush sempre cortejou), que o povo dos EUA não se compõe apenas de crentes, mas também de incréus; e afirmou, contra os conservadores, que "o mundo mudou e nós devemos mudar com ele".

As ideias de que o mundo mudou – que o próprio Obama não só afirma mas encarna – e de que devemos mudar com ele são, no fundo, as que mais irritam tanto os direitistas cínicos quanto os esquerdistas dogmáticos. Outra ideia que lhes é inaceitável -e que constitui o próprio teor do discurso de posse- é a de que a sociedade aberta é melhor do que a fechada.

Quanto à direita, ninguém ignora que ela se define exatamente em oposição às ideias de mudança para melhor e de sociedade aberta. Já para a esquerda dogmática, a situação é um pouquinho mais complexa. O que ela é incapaz de admitir é que possa haver qualquer melhora real no mundo antes da superação do capitalismo, isto é, antes da "Revolução". Sendo assim, dado que qualquer mudança real no mundo existente – principalmente nos Estados Unidos, que são o ápice do capitalismo – desmentiria suas teses, não lhe resta senão crer que toda mudança e todo projeto de mudança que se apresente como tal seja um mero engodo. Assim lhe parece ser também a sociedade aberta, que ela descarta como "democracia burguesa".

A meu ver, o que não consegue mudar, o que é esclerosado, são ideologias como essas. As coisas reais mudam o tempo todo, ora para pior, ora para melhor e, embora não possamos saber o que acontecerá daqui para frente, a verdade é que, no momento em que escrevo, o fenômeno Obama já representa uma mudança real para melhor.

5.11.08

Barack Obama: do discurso da vitória

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Se há alguém que ainda duvida que a América seja um lugar em que todas as coisas são possíveis, que ainda se pergunta se o sonho dos nossos Fundadores está vivo em nosso tempo, que ainda questiona o poder da nossa democracia, esta noite é a resposta.

[...]

Esta é a verdadeira maravilha da América: ser capaz de mudar.