Os poetas são homens que se recusam a utilizar a linguagem. Ora, como é na linguagem, concebida como uma certa espécie de instrumento, e através dela, que se opera a busca da verdade, não se deve imaginar que eles tencionem discernir ou expor a verdade. Tampouco pretendem nomear o mundo e, na realidade, não nomeiam absolutamente nada, pois a nomeação implica um perpétuo sacrifício do nome ao objeto nomeado ou, para falar como Hegel, nela o nome se revela o não-essencial, ante a coisa que é essencial. Eles não falam; tampouco se calam: é outra coisa. Já se disse que eles queriam destruir o verbo por acoplamentos monstruosos, mas é falso; pois seria necessário então que eles já estivessem lançados no meio da linguagem utilitária e que buscassem dela retirar as palavras por pequenos grupos singulares, como por exemplo “cavalo” e “manteiga”, escrevendo “cavalo de manteiga”. Além do fato de que semelhante empreitada exigiria um tempo infinito, não é concebível que se possa permanecer no plano ao mesmo tempo do projeto utilitário, considerando as palavras como utensílios, e meditar retirar-lhes sua utensilibilidade. Na verdade, o poeta se retirou de uma só vez da linguagem-instrumento; escolheu, de uma vez por todas, a atitude poética que consdera as palavras como coisas e não como signos. Pois a ambigüidade do signo implica que se possa à vontade atravessá-lo como um vidro e perseguir através dele a coisa significada, ou lançar o olhar para a sua realidade e considerá-la como objeto. O homem que fala está além das palavras, perto do objeto; o poeta está aquém. Para o primeiro, elas são domésticas; para o segundo, elas permanecem no estado selvagem. Para aquele, são convenções úteis, ferramentas que se gastam pouco a pouco e que se jogam fora, quando não servem mais; para o segundo, são coisas naturais que crescem naturalmente na terra como a erva e as árvores.
De: SARTRE, Jean-Paul. "Qu'est-ce qu'écrire?". In:
Qu'est-ce que la littérature?. Paris: Gallimard, 1948.