30.5.20

Lêdo Ivo: "A palavra final"




A palavra final


Falo como as plantas.
Digo como as pedras.

Clamo como o réptil,
o miasma e o verme.

Quantas vozes tenho
quando estou calado?

Meu silêncio é a voz
vinda do outro lado

onde a escuridão
dispensa as palavras

a fala espantada
de quem sabe e cala.




IVO, Lêdo. "A palavra final". In:_____. "Crepúsculo civil". In:_____. Poesia completa 1940-2004. Rio de Janeiro: Topbooks, 2004.

28.5.20

Adriano Nunes: "Nesses instantes dispersos"



Sendo hoje aniversário do querido amigo Adriano Nunes, resolvi aqui postar um dos belíssimos poemas do seu e-book Escombros do Infinito, que foi lançado pela Amazon.





Nesses instantes dispersos




Madrugada. Outros versos

Vazam do báratro infindo

Do ser. Sonhos vão fluindo...

São vários, vivos, diversos!



Viver vem-nos diluindo

Nesses instantes dispersos

Em que nos vemos imersos

Na dor, na alegria... Indo,



À tez dos acasos, para

A plenitude mais clara

Do fenomênico mundo.



Madrugada. Quem repara

Que em mim tudo fere fundo

E sangra, neste segundo?




NUNES, Adriano. "Nesses instantes dispersos". In:_____. Escombros do Infinito. Amazon: e-book Kindle, 2020.

27.5.20

Poesia: Um Bando de Gente



É hoje! Os poetas Ricardo Silvestrin, Laís Araruna de Aquino, Mônica de Aquino, Tito Leite e eu leremos alguns de nossos poemas, às 20h, no You Tube e no Instagram!





26.5.20

Rainer Maria Rilke: "Initiale" / "Inicial": trad. de Augusto de Campos




Inicial

Deixe a sua beleza se mostrar
sem cálculo e sem fala.
Ela diz por você: eu sou. Você se cala.
E ela se manifesta de mil modos
e enfim atinge a todos.






Initiale

Gieb deine Schönheit immer hin
ohne Rechnen und Reden.
Du schweigst. Sie sagt für dich: Ich bin.
Und kommt in tausendfachem Sinn,
kommt endlich |über jeden.





RILKE, Rainer Maria. "Initiale" / "Inicial". In: CAMPOS, Augusto de (org. e trad.). Coisas e anjos de Rilke. São Paulo: Perspectiva, 2013. 

24.5.20

Carlos Cardoso: "Folhas secas"




Folhas secas


Folhas desabam de seus galhos
lentas e suaves tocam o chão,

folhas secas tão próprias
que paro e observo a mudança
do tom e do tempo a serem tomados
por sua beleza.

Certeza, nenhuma.

Estilhaços de suposições,
vários.

Essa é a rua que habito
lindas árvores
mar batendo nas pedras
folhas e silêncio a me intrigarem
decifram a beleza
em sua possível morte.

Mar batendo
nas pedras ao norte.





CARDOSO, Carlos. "Folhas secas". In:_____. Melancolia. Rio de Janeiro: Record, 2019.

21.5.20

Constantinos Caváfis: "Coisas pintadas": trad. de Ísis Borges da Fonseca





Coisas pintadas


Por meu trabalho zelo, e a ele quero bem.
Mas a lentidão da composição hoje me desanima.
O dia influiu sobre mim. Seu aspecto
torna-se continuamente sombrio. Sem cessar venta e chove. Mais desejo olhar que falar.
Nesta pintura vejo agora
um belo rapaz que, perto da fonte,
se estendeu, depois de ter-se cansado talvez de correr.
Que belo menino! Que divino meio-dia
já o arrebatou para adormecê-lo! -
Fico a olhar assim por muito tempo.
E, dentro da arte novamente, descanso de sua labuta.






CAVÁFIS, Constantinos. "Coisas pintadas". In:_____. Poemas de K. Kavávis. Trad. de Ísis Borges da Fonseca. São Paulo: Odysseus Editora, 2006.

15.5.20

Waly Salomão: "RIO(COLOQUIAL-MODERNISTA).DOC"




RIO(COLOQUIAL-MODERNISTA).DOC



O deus que banha o Rio de Janeiro

fica murrinha nos dias sem sol.

Mas é só o sol brilhar:

o Rio arreganha suas sem-vergonhas,

e o deus experimenta

novíssimas aptidões

para o prazer.



Aí o deus e o Rio se esparramam no tempo,

sem ziquiziras.






SALOMÃO, Waly. "RIO(COLOQUIAL-MODERNISTA).DOC". In:_____. "Algaravias: câmara de ecos". In:_____. Poesia total. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.

11.5.20

Armando Freitas Filho: "Escrever é riscar o fósforo"




23


Escrever é riscar o fósforo
e sob seu pequeno clarão
dar asas ao ar – distância, destino
segurando a chama contra
a desatenção do vento, mantendo
a luz acesa, mesmo que o pensamento
pisque, até que os dedos se queimem.





FREITAS FILHO,  Armando. 23: "Escrever é riscar o fósforo". In:_____. "Numeral". In:_____.  Máquina de escrever: poesia reunida e revista. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2003.

9.5.20

Antoine Emaz: "Lie, 4" / "Borra, 4": trad. por Júlio Castañon Guimarães




Borra, 4 (25.07.06)


enfim o vento
de verdade
no azul do verão
o ar
o frescor na pele e nas telhas
após dias
enfim

dias escaldantes
corpo dessorado

andava-se
em uma massa mole quente
para avançar
se empurrava o ar

no jardim raso amarelo seco






Lie, 4 (25.07.06)


enfin le vent
vrai
dans le bleu de l’été
l’air
le frais sur la peau et les tuiles
après des jours
enfin

jours plombés
corps essoré

on marchait
dans une masse molle chaude
pour avancer
on poussait l’air

dans le jardin ras jaune sec







EMAZ, Antoine. "Lie, 4" (25.07.06) / "Borra, 4" (25.07.06). In:_____. Lama, pele. Trad. por Júlio Castañon Guimarães. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2012.





7.5.20

Antonio Carlos Secchin: "Biografia"




Biografia


O poema vai nascendo
num passo que desafia:
numa hora eu já o levo,
outra vez ele me guia.

O poema vai nascendo,
mas seu corpo é prematuro,
letra lenta que incendeia
com a carícia de um murro.

O poema vai nascendo
sem mão ou mãe que o sustente,
e perverso me contradiz
insuportavelmente.

Jorro que engole e segura
o pedaço duro do grito,
o poema vai nascendo,
pombo de pluma e granito.






SECCHIN, Antonio Carlos. "Biografia". In:_____. Hálito das pedras. Antologia selecionada e organizada por Diego Mendes Sousa. Guartinguetá: Penalux, 2019.

5.5.20

Paula Lavigne: "Carta à imprensa e a quem mais interessar"

Publico a seguir uma importante carta da Paula Lavigne sobre a ameaça que paira sobre os compositores brasileiros a partir da emenda apresentada pelo deputado Felipe Carreras à MP 948/2020. 


CARTA À IMPRENSA E A QUEM MAIS INTERESSAR
Publicada em 05/05/2020

por Paula Lavigne
Presidente da Associação Procure Saber

Os direitos autorais dos autores e compositores brasileiros e de seus colegas do mundo inteiro estão ameaçados pelos violentos ataques promovidos pelo deputado Felipe Carreras, por razões de seu  interesse pessoal e em benefício de promotores de eventos que obtêm altos lucros  em suas  atividades comerciais. Sem autores não haveria música e sem música não haveria artista para interpretá-la, nem promotores de eventos. Sem essa cadeia criativa da música, eles sequer existiriam.

A Constituição Brasileira assegura aos autores o direito exclusivo de autorizar ou proibir o uso de suas composições. Além das garantias que as leis brasileiras oferecem, vários tratados internacionais que o Brasil assinou estabelecem regras de cumprimento obrigatório, que estão sendo violadas pela emenda à MP 948. Os Direitos autorais, não se inserem apenas entre os tratados de Direitos Humanos e de propriedade intelectual. Por sua importância para a economia dos países, especialmente a dos países que produzem cultura, como é o caso do Brasil, os direitos autorais passaram a ser considerados por esses aspectos comerciais. A proteção dos direitos dos autores no mundo está, portanto, presente em tratados comerciais administrados pela Organização Mundial do Comércio, como o TRIPS, de qual o Brasil é membro, já tendo manifestado, inclusive, seu interesse de fazer parte da OCDE. 

A emenda do deputado Felipe Carreras não é permitida por esses  mecanismos internacionais comerciais, causando amplos e incontáveis prejuízos ao Brasil e aos autores e compositores nacionais e estrangeiros, podendo significar efeitos catastróficos, como a paralização dos pagamentos aos autores brasileiros em todos os países, como medida de retaliação.

O ECAD, no Brasil, representa todos os autores nacionais e estrangeiros frente às empresas de promoção de eventos e outros usuários que exploram as suas músicas. Deixar de pagar a quem se deve, usando de subterfúgios para obter vantagens  é uma das características de uma prática conhecida como “enriquecimento sem causa”. Não cabe aos devedores dos autores repassar suas obrigações para os artistas que as interpretam e muito menos colocar preço no que não lhe pertence.



4.5.20

Antonio Cicero: "As livrarias"




As livrarias

                                                                        para Alberto Mathias

Ia ao centro da cidade
e me achava em livrarias,
livros, páginas, Bagdad,
Londres, Rio, Alexandria:

Que cidade foi aquela
em que me sonhei perder
e antes disso acontecer
aconteceu-me perdê-la?





CICERO, Antonio. "As livrarias". In:_____. A cidade e os livros. Rio de Janeiro: Record, 2002.

1.5.20

Angela Melim: "Uma casa no ar"




Uma casa no ar
é a minha:
vejo do alto
casas antigas, panos ao vento, a luz do mundo
– o verão no Rio –
e sou feliz.

Poeta:
verde e sol
me atravessam.

Fotossintética
clorofílica
transparente

puro ar puro, moro aqui.





MELIM, Angela. "Uma casa no ar". In:_____. Possibilidades. Rio de Janeiro: Ibis Libris, 2006.