O seguinte artigo foi publicado na minha coluna da "Ilustrada", da Folha de São Paulo, sábado, 18 de outubro:
A educação da polícia
RECENTEMENTE UM amigo meu, professor de filosofia, ficou chocado ao passar em frente ao Instituto de Ciências Humanas e Filosofia (ICHF) da Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói (RJ). É que, tentando entender qual era o objeto contra o qual protestavam os estudantes que haviam por lá armado uma barricada, ele percebeu um cartaz que continha a palavra "Kant" seguida de um sinal de igualdade, seguido de uma cruz suástica: em suma, "Kant é igual ao nazismo".
"Que estudantes são esses", questionava, "que associam ao nazismo justamente o maior filósofo do iluminismo, aquele que mostrou que o fim último do direito é a liberdade e que afirmava não haver nada neste mundo que não possa ser objeto de crítica?".
Concordando que a cena por ele descrita era absurda – embora talvez não estivesse inteiramente deslocada em certos círculos universitários, digamos "pós-modernos" – resolvi, intrigado, fazer uma sumária pesquisa sobre esse assunto na internet. Logo verifiquei que estávamos equivocados em relação aos estudantes. Não é o filósofo alemão Immanuel Kant, mas o antropólogo brasileiro Roberto Kant de Lima que eles acusam de nazismo ou totalitarismo. Ora, ocorre que conheço suficientemente o trabalho também deste Kant para poder afirmar que, de todo modo, os estudantes em questão estão errados.
De fato, tive oportunidade de ler, algum tempo atrás, dois livros originais e estimulantes desse notável antropólogo. O primeiro, "A antropologia da academia: quando os índios somos nós", é o resultado do fato de que Roberto Kant aproveitou a ocasião em que fazia o seu doutorado, em Harvard, para observar a comunidade acadêmica americana com o olhar de um antropólogo a efetuar seu trabalho de campo. Isso lhe permitiu apreender de maneiras surpreendentes algumas marcantes características tanto da sociedade americana quanto, por comparação, da brasileira.
No outro livro dele que li, "A polícia da cidade do Rio de Janeiro: seus dilemas e paradoxos", Roberto Kant consegue, a partir do exame da questão de segurança pública no Rio, revelar os mecanismos particulares por meio dos quais no Brasil, de maneira geral, "uma ordem constitucional igualitária é aplicada de uma maneira hierárquica pelo sistema judicial". As práticas policiais discricionárias são, como ele mostra, parte de um sistema judicial oficial que opera tradicionalmente por meio de "malhas" que particularizam, em todos os níveis do sistema judiciário, a aplicação das leis universais. No nível da polícia, essas "malhas" se manifestam como certos padrões tradicionais de atitude e comportamento -certo ethos- que, a despeito de uma legislação universalista e moderna, perpetuam em grande medida as desigualdades particularistas herdadas do Brasil pré-moderno, tradicional, hierárquico, escravagista.
Forçoso é reconhecer que, sem a eliminação dessas práticas anacrônicas, não se pode dizer que tenham plena vigência, no Brasil, nem os direitos humanos nem a democracia. Essa verdade foi há pouco dramaticamente reafirmada pela descoberta do erro judiciário que consistiu na prisão e na condenação de três rapazes pobres que, para escapar da brutal tortura a que foram submetidos numa delegacia policial de São Paulo, haviam confessado um crime que não cometeram.
Existe portanto, segundo Roberto Kant, uma situação esquizofrênica: por um lado, uma prática policial cuja teoria implícita é antimoderna, antiuniversalista e discriminatória; e, por outro lado, uma teoria moderna, universalista e igualitária, que se encontra por exemplo na nossa Constituição, mas que não integralmente é posta em prática. Foi na tentativa de contribuir para corrigir essa monstruosidade que ele não só criou e coordena um respeitado curso de especialização em segurança pública, como também elaborou um exemplar projeto de curso superior de bacharelado em segurança pública e social. "Urge", diz ele, com razão, "instituir, no âmbito da universidade pública, gratuita e de qualidade, a produção e reprodução de um campo de conhecimento que propicie a transformação da inflexão estatal da segurança pública para o viés do cidadão e da sociedade".
Pois bem, foi ao tentar abrir tal curso na UFF que Roberto Kant provocou a ira do pequeno, porém ruidoso, grupo de estudantes do ICHF que o acusam de nazismo. Será que se consideram revolucionários quando se opõem à luta contra o que há de pior e de mais retrógrado no Brasil?
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19.10.08
27.7.08
A política do confronto
O seguinte artigo foi publicado na minha coluna "Ilustrada", da Folha de São Paulo, sábado, 26 de julho de 2008:
A política de confronto
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O problema não é a política do governador do Rio, mas a ausência de uma política nacional
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NO CORRENTE MÊS , algumas ações desastrosas da Polícia Militar do Rio de Janeiro resultaram nas mortes de inocentes. A indignação provocada por essas mortes ocasionou um grande número de artigos e declarações que puseram em questão a política de confronto com o crime organizado, adotada pelo governador Sérgio Cabral.
A indignação é plenamente justificada. É inadmissível que a polícia atire contra um automóvel, como no caso que resultou na morte do menino João Roberto, movida pela mera presunção de que esteja ocupado por bandidos. Quem age assim jamais deveria ser policial.
E aqui chegamos à fórmula que conhecemos de cor. O trabalho dos policiais é de alto risco, eles não contam com acompanhamento psicológico, são mal preparados e treinados e recebem baixos salários, o que muitas vezes os obriga a fazerem "bicos". Que admira que sejam altamente estressados?
Além disso -o que é ainda pior-, não só no Rio de Janeiro, mas praticamente no Brasil inteiro, a cultura corporativa tradicional da polícia parece desprezar o próprio conceito de direitos humanos.
Nessas condições, seria de estranhar que não ocorressem mortes de inocentes e violações dos direitos humanos. E o fato é que elas sempre ocorreram e continuarão a ocorrer, enquanto esse quadro não for radicalmente transformado, não só no Rio, mas no Brasil inteiro.
Sendo assim, parece-me que o verdadeiro problema não é a política de confronto do governador Sérgio Cabral, mas a ausência de uma política nacional de segurança que faça jus à gravidade da situação.
Não digo isso para negar que a situação do Rio seja mais dramática do que a do Brasil como um todo. Entretanto, a verdade é que o que a torna mais dramática não é a política de confronto, mas a intensidade e a extensão que aqui possui o crime organizado, contra o qual essa política se delineia.
Lamentavelmente, já nos acostumamos a ver, quase todos os dias, imagens de "soldados do tráfico", a guardar, com metralhadoras, escopetas e bazucas, as cada vez mais numerosas e extensas áreas da cidade controladas pelo crime organizado. Numa área dessas ninguém entra, a menos que tenha obtido um salvo-conduto, emitido pelo comando local da organização criminosa que a controla. Ainda esta semana, alguns candidatos a prefeito foram impedidos, pela ponta do fuzil, de fazer comícios em diferentes localidades.
Como é possível não ver que os habitantes de tais localidades, vivendo sob a tirania de forças de ocupação compostas de facínoras inescrupulosos, são destituídos de qualquer garantia constitucional ou direito humano? Ou ignorar que essas forças são capazes não apenas de tolher o direito de ir e vir das populações que controlam, mas de expulsar o morador do seu domicílio, de recrutar ou subornar os filhos dele para o crime e de torturá-lo ou executá-lo com requintes de crueldade, caso infrinja os códigos que arbitrariamente decretam?
Nenhum governante tem o direito de aceitar passivamente tal limitação do império da lei e da democracia. Sejamos claros: enquanto não forem liberadas e reintegradas ao território nacional todas as áreas ocupadas por forças ilegais, enquanto nelas não se fizer valer o Estado de Direito, não há como, com boa consciência, escapar do confronto. Em princípio, portanto, a política de confronto do governador Sérgio Cabral é não apenas perfeitamente legítima, mas louvável.
O que se pode questionar é a eficácia última de tal política, se conduzida apenas em âmbito estadual. Já mencionei o despreparo, em todos os níveis, da polícia.
Ora, para que a política de confronto tenha eficácia e não se torne insuportável, do ponto de vista de custos humanos, seria necessário, segundo alguns dos maiores especialistas em segurança pública, reformar radicalmente a estrutura policial de todo o país, subordinar toda a polícia a um comando central nacional, dotá-la de sofisticados serviços de inteligência e preparar, em todos os níveis, os seus quadros: tudo isso, é claro, depois de ter afastado a sua “banda podre”.
Evidentemente, nada disso poderia ser feito senão pelo governo federal, que teria, antes de tudo, que se empenhar politicamente em tal projeto.
A rigor, portanto, a política do confronto deveria ser emulada pelo governo federal: com o que não faria mais do que cumprir a sua obrigação constitucional.
Infelizmente, nada indica que ele esteja disposto a reconhecer semelhante responsabilidade.
A política de confronto
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O problema não é a política do governador do Rio, mas a ausência de uma política nacional
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NO CORRENTE MÊS , algumas ações desastrosas da Polícia Militar do Rio de Janeiro resultaram nas mortes de inocentes. A indignação provocada por essas mortes ocasionou um grande número de artigos e declarações que puseram em questão a política de confronto com o crime organizado, adotada pelo governador Sérgio Cabral.
A indignação é plenamente justificada. É inadmissível que a polícia atire contra um automóvel, como no caso que resultou na morte do menino João Roberto, movida pela mera presunção de que esteja ocupado por bandidos. Quem age assim jamais deveria ser policial.
E aqui chegamos à fórmula que conhecemos de cor. O trabalho dos policiais é de alto risco, eles não contam com acompanhamento psicológico, são mal preparados e treinados e recebem baixos salários, o que muitas vezes os obriga a fazerem "bicos". Que admira que sejam altamente estressados?
Além disso -o que é ainda pior-, não só no Rio de Janeiro, mas praticamente no Brasil inteiro, a cultura corporativa tradicional da polícia parece desprezar o próprio conceito de direitos humanos.
Nessas condições, seria de estranhar que não ocorressem mortes de inocentes e violações dos direitos humanos. E o fato é que elas sempre ocorreram e continuarão a ocorrer, enquanto esse quadro não for radicalmente transformado, não só no Rio, mas no Brasil inteiro.
Sendo assim, parece-me que o verdadeiro problema não é a política de confronto do governador Sérgio Cabral, mas a ausência de uma política nacional de segurança que faça jus à gravidade da situação.
Não digo isso para negar que a situação do Rio seja mais dramática do que a do Brasil como um todo. Entretanto, a verdade é que o que a torna mais dramática não é a política de confronto, mas a intensidade e a extensão que aqui possui o crime organizado, contra o qual essa política se delineia.
Lamentavelmente, já nos acostumamos a ver, quase todos os dias, imagens de "soldados do tráfico", a guardar, com metralhadoras, escopetas e bazucas, as cada vez mais numerosas e extensas áreas da cidade controladas pelo crime organizado. Numa área dessas ninguém entra, a menos que tenha obtido um salvo-conduto, emitido pelo comando local da organização criminosa que a controla. Ainda esta semana, alguns candidatos a prefeito foram impedidos, pela ponta do fuzil, de fazer comícios em diferentes localidades.
Como é possível não ver que os habitantes de tais localidades, vivendo sob a tirania de forças de ocupação compostas de facínoras inescrupulosos, são destituídos de qualquer garantia constitucional ou direito humano? Ou ignorar que essas forças são capazes não apenas de tolher o direito de ir e vir das populações que controlam, mas de expulsar o morador do seu domicílio, de recrutar ou subornar os filhos dele para o crime e de torturá-lo ou executá-lo com requintes de crueldade, caso infrinja os códigos que arbitrariamente decretam?
Nenhum governante tem o direito de aceitar passivamente tal limitação do império da lei e da democracia. Sejamos claros: enquanto não forem liberadas e reintegradas ao território nacional todas as áreas ocupadas por forças ilegais, enquanto nelas não se fizer valer o Estado de Direito, não há como, com boa consciência, escapar do confronto. Em princípio, portanto, a política de confronto do governador Sérgio Cabral é não apenas perfeitamente legítima, mas louvável.
O que se pode questionar é a eficácia última de tal política, se conduzida apenas em âmbito estadual. Já mencionei o despreparo, em todos os níveis, da polícia.
Ora, para que a política de confronto tenha eficácia e não se torne insuportável, do ponto de vista de custos humanos, seria necessário, segundo alguns dos maiores especialistas em segurança pública, reformar radicalmente a estrutura policial de todo o país, subordinar toda a polícia a um comando central nacional, dotá-la de sofisticados serviços de inteligência e preparar, em todos os níveis, os seus quadros: tudo isso, é claro, depois de ter afastado a sua “banda podre”.
Evidentemente, nada disso poderia ser feito senão pelo governo federal, que teria, antes de tudo, que se empenhar politicamente em tal projeto.
A rigor, portanto, a política do confronto deveria ser emulada pelo governo federal: com o que não faria mais do que cumprir a sua obrigação constitucional.
Infelizmente, nada indica que ele esteja disposto a reconhecer semelhante responsabilidade.
4.10.07
Hudson Carvalho: "Tropa de Elite"
Um artigo do jornalista Hudson Carvalho, especialmente para o nosso blog:
“Tropa de Elite”
Assisti a “Tropa de Elite” atendendo a convite generoso da secretária estadual de Cultura, Adriana Rattes, na abertura do Festival de Cinema do Rio. No caso, esse inusitado preâmbulo faz-se necessário para me isentar da suspeição de ter visto o filme nos escaninhos da abjeta pirataria. Feita a ressalva, ao filme, pois.
Há várias maneiras de se ver “Tropa de Elite”. Como não sou crítico de cinema, de nada, nem de ninguém, interessam-me mais os aspectos políticos e o ambiente sociológico de segurança e de violência que o filme reflete do que propriamente a obra.
Como filme, “Tropa de Elite” não é nenhuma Brastemp. Nos mesmos moldes, por exemplo, cinematograficamente falando, “Cidade de Deus” é bem melhor, mais consistente e criativo. Mostra melhor o que revela.
Já “Tropa de Elite”, em minha desqualificada visão cinematográfica, perde-se em subtramas pouco densas, ora para enfatizar o infernal embrutecimento do personagem principal mesmo em domínio doméstico, ora para generalizar a podridão que retrata. Na ânsia de culpar igualmente a sociedade perfumada, o aparato policial, os políticos sem escrúpulo e a bandidagem ensandecida, “Tropa de Elite” abusa de soluções generalistas e simplistas. Se fosse um filme americano sobre a SWAT, provavelmente seria depreciado.
Não li o livro “Elite da Tropa” que originou o filme. Disse-me, porém, o ex-capitão do BOPE, Rodrigo Pimentel, co-autor do livro e do roteiro do filme, que ambos são bem diferentes. Considerando-se, entretanto, que livro e filme, embora fantasiosos, tenham um grande embasamento na realidade, podemos observar a situação espelhada como gravíssima e preocupante. Não por apresentar uma novidade; mas, sim, pela dimensão.
Sobre a superfície do universo criminal há farto material ficcional e respaldo cotidiano nas ruas e na mídia. Já as mazelas da polícia, mesmo que também ricamente documentada, não deixam de causar perplexidade no filme. O que tem de mais virtuoso em “Tropa de Elite” é a crua exposição das entranhas de um importante corpo de segurança.
A rigor, lato sensu, a polícia se divide entre corruptos, ladrões, assassinos, torturadores etc. Ou seja, não há mocinhos, não há agentes públicos agindo dentro da lei. No filme, os supostos mocinhos são os policiais boçais que torturam e matam, em contraponto aos policiais que se corrompem, roubam e achacam uma sociedade conivente com o tráfico de drogas, mas que espia sua culpa social, caricaturalmente, com florais assistencialistas.
É certo que tanto na sociedade quanto nos engenhos policiais há gente de outra estirpe. Não há como deixar de imaginar, entretanto, que o quadro real policialesco seja assemelhado ao narrado no filme. Ou pior. Se assim consideramos e se assim é, será que temos soluções realísticas para os problemas? Ou a sociedade e os poderes públicos perderam definitivamente as condições de cuidar dessa moléstia?
O mérito de “Tropa de Elite” não é provar que o cinema nacional evoluiu e há muito equacionou a qualidade de som dos seus filmes. O mérito de “Tropa de Elite” é ensejar uma discussão sobre a natureza das nossas polícias e os papéis que elas têm que cumprir e sob que regras. E isso não pode mais tardar.
Hudson Carvalho
“Tropa de Elite”
Assisti a “Tropa de Elite” atendendo a convite generoso da secretária estadual de Cultura, Adriana Rattes, na abertura do Festival de Cinema do Rio. No caso, esse inusitado preâmbulo faz-se necessário para me isentar da suspeição de ter visto o filme nos escaninhos da abjeta pirataria. Feita a ressalva, ao filme, pois.
Há várias maneiras de se ver “Tropa de Elite”. Como não sou crítico de cinema, de nada, nem de ninguém, interessam-me mais os aspectos políticos e o ambiente sociológico de segurança e de violência que o filme reflete do que propriamente a obra.
Como filme, “Tropa de Elite” não é nenhuma Brastemp. Nos mesmos moldes, por exemplo, cinematograficamente falando, “Cidade de Deus” é bem melhor, mais consistente e criativo. Mostra melhor o que revela.
Já “Tropa de Elite”, em minha desqualificada visão cinematográfica, perde-se em subtramas pouco densas, ora para enfatizar o infernal embrutecimento do personagem principal mesmo em domínio doméstico, ora para generalizar a podridão que retrata. Na ânsia de culpar igualmente a sociedade perfumada, o aparato policial, os políticos sem escrúpulo e a bandidagem ensandecida, “Tropa de Elite” abusa de soluções generalistas e simplistas. Se fosse um filme americano sobre a SWAT, provavelmente seria depreciado.
Não li o livro “Elite da Tropa” que originou o filme. Disse-me, porém, o ex-capitão do BOPE, Rodrigo Pimentel, co-autor do livro e do roteiro do filme, que ambos são bem diferentes. Considerando-se, entretanto, que livro e filme, embora fantasiosos, tenham um grande embasamento na realidade, podemos observar a situação espelhada como gravíssima e preocupante. Não por apresentar uma novidade; mas, sim, pela dimensão.
Sobre a superfície do universo criminal há farto material ficcional e respaldo cotidiano nas ruas e na mídia. Já as mazelas da polícia, mesmo que também ricamente documentada, não deixam de causar perplexidade no filme. O que tem de mais virtuoso em “Tropa de Elite” é a crua exposição das entranhas de um importante corpo de segurança.
A rigor, lato sensu, a polícia se divide entre corruptos, ladrões, assassinos, torturadores etc. Ou seja, não há mocinhos, não há agentes públicos agindo dentro da lei. No filme, os supostos mocinhos são os policiais boçais que torturam e matam, em contraponto aos policiais que se corrompem, roubam e achacam uma sociedade conivente com o tráfico de drogas, mas que espia sua culpa social, caricaturalmente, com florais assistencialistas.
É certo que tanto na sociedade quanto nos engenhos policiais há gente de outra estirpe. Não há como deixar de imaginar, entretanto, que o quadro real policialesco seja assemelhado ao narrado no filme. Ou pior. Se assim consideramos e se assim é, será que temos soluções realísticas para os problemas? Ou a sociedade e os poderes públicos perderam definitivamente as condições de cuidar dessa moléstia?
O mérito de “Tropa de Elite” não é provar que o cinema nacional evoluiu e há muito equacionou a qualidade de som dos seus filmes. O mérito de “Tropa de Elite” é ensejar uma discussão sobre a natureza das nossas polícias e os papéis que elas têm que cumprir e sob que regras. E isso não pode mais tardar.
Hudson Carvalho
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