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13.7.11
Antonio Cicero: Mais um "causo" de Zizek
Em artigo no jornal Zero Hora, de Porto Alegre, no dia 9 do corrente, Jorge Barcellos considera “profundamente atual” o pensamento de Slavjo Zizek. Ele observa que, entre outras coisas, Zizek conta “causos” que “sintetizam brilhantemente suas ideias”.
Um exemplo disso, segundo Barcellos, ocorre quando, “para mostrar o cinismo do capitalismo contemporâneo em sua caminhada em direção a um capitalismo autoritário, contrário aos direitos humanos”, Zizek cita, em determinado momento do livro Em defesa das causas perdidas, a ficha de um hotel americano. Ela diz: “Prezado cliente: para garantir que você vai desfrutar sua estadia conosco, o fumo está totalmente proibido neste hotel. Qualquer violação deste regulamento resultará numa multa de US$ 200”. “Assim é o capitalismo, diz Zizek: estamos condenados a ser castigados se recusarmos a desfrutá-lo plenamente”.
Mas examinemos bem esse exemplo. Na verdade, a proibição do fumo em lugares públicos é racionalizada pela tese, supostamente comprovada, de que o fumo passivo prejudica a saúde. Não vou entrar no mérito de tal tese. O fato é que um número muito grande de pessoas – aparentemente a maioria da população – aceita tal tese, nos Estados Unidos. Assim, o que evidentemente a regra do hotel americano quer dizer é que a proibição do cigarro protegerá o hóspede de ser vítima de fumo passivo. Caso ele próprio fume, supõe-se que prejudicará a terceiros; por isso, será punido por uma multa.
Terá tal regra sido imposta pelo “capitalismo”? Mas que capitalista teria interesse nela? Os únicos capitalistas que, enquanto capitalistas, parecem-me ser diretamente afetados por ela são os fabricantes de cigarros: ela sem dúvida os prejudica seriamente.
E terá sentido supor que, se a maioria da população de um país condena determinado tipo de comportamento, tal atitude só é levada em conta se esse país viver sob um regime capitalista?
Não será absurdo supor que justamente os “socialistas” seriam necessariamente indiferentes às atitudes da maioria da população?
Suponhamos que a regra do hotel não dissesse respeito a cigarro, mas a outra coisa; que ela dissesse, por exemplo: “Prezado cliente: para garantir que você vai desfrutar sua estadia conosco, o assassinato está totalmente proibido neste hotel. Qualquer violação deste regulamento resultará em prisão”. Seria isso uma prova do “cinismo do capitalismo contemporâneo em sua caminhada em direção a um capitalismo autoritário, contrário aos direitos humanos”? É evidente que não, pois essa regra só não se encontra explícita na ficha dos hotéis de qualquer país concebível – capitalista ou não – porque já é expressamente prevista pela lei de qualquer país concebível. Sendo assim, é evidente que tampouco pode ser considerada prova nenhuma de cinismo a regra sobre a proibição de cigarros, num país em que a maioria da população condena o fumo.
De fato, esse “causo” sintetiza brilhantemente os procedimentos sofísticos em que Zizek baseia suas teses.
9.3.08
Comunidade e sociedade
O seguinte texto foi publicado na minha coluna da “Ilustrada”, da Folha de São Paulo, sábado, 8 de fevereiro de 2008:
Comunidade e sociedade
EM ENTREVISTA recente à "Nouvel Observateur", Edgar Morin explica por que, embora já conhecesse a natureza totalitária do regime soviético desde 1948, só saiu do Partido Comunista Francês quando expulso, em 1951: "Eu tinha uma necessidade psicopatológica de amor, de fraternidade, de comunidade e não ousava romper o cordão umbilical".
Amor, fraternidade, comunidade: isso me lembra a definição de "comunidade" do economista alemão Werner Sombart: "União [...] cujo laço é livre de tudo o que é estrangeiro, de toda finalidade prática, de toda negociata, de toda racionalidade, de todo caráter terrestre, para se fundar exclusivamente no amor". Nesse contexto, a palavra fraternidade só não ocorre por acaso, pois estaria em casa. Pois bem, essa definição se encontra no livro "Socialismo Alemão" (1934), em que Sombart flerta com o nacional-socialismo.
Essa definição se baseia, é claro, na famosa oposição, vital para a sociologia clássica alemã desde que Ferdinand Tönnies a estabeleceu, no século XIX, entre "Gemeinschaft" e "Gesellschaft", isto é, entre comunidade e sociedade.
A comunidade supõe encontrar sua origem na grande família, que se estende até a nação ou a "pátria" e tem por horizonte a religião positiva, herdada dos antepassados. Os membros da comunidade, articulados hierarquicamente de modo pretensamente orgânico e natural, crêem cultivar entre si relações pessoais e cooperativas, enraizadas numa cultura particular e tradicional. A própria palavra "cultura", aliás, liga-se etimologicamente ao trabalho com a terra e ao culto religioso.
Já a sociedade tem como protótipo a grande cidade. Nela, os indivíduos se agregam de modo mecânico e arbitrário e tendem a se relacionar de maneira impessoal e contratual. Ela tem como horizonte o princípio racional, formal e negativo segundo o qual a limitação da liberdade de uma pessoa não é lícita senão enquanto necessária para tornar essa liberdade compatível com igual liberdade alheia. Tal é o princípio universal da civilização.
Na sociedade, fora dos círculos familiares restritos, as relações pessoais de caráter comunitário que tendem a prevalecer são aquelas em que cada um ingressa voluntariamente, como as de amizade, e não aquelas de que cada um participa a despeito de sua vontade, como as de parentesco e vizinhança. Hoje, a internet leva mais longe esse progresso das relações societárias. O internauta é capaz de ignorar os seus vizinhos reais para estabelecer, num lugar virtual, relações comunitárias com pessoas que nunca viu diretamente, mas que, do outro lado do mundo, tenham o mesmo interesse pontual que ele.
Evidentemente, o mundo moderno se identifica com a sociedade. A família, a pátria, as tradições, as religiões foram, de fato (como comemoram Marx e Engels no "Manifesto Comunista"), atropeladas pelo capitalismo. Entretanto, essas instituições e/ou mitos do passado não morreram, e permanece entre muitos a nostalgia por uma época em que o mundo, constituído por comunidades mais ou menos fechadas, não tendia à sociedade aberta. Para tais nostálgicos do "ancien régime", a sociedade desenraizada, cada vez mais composta de indivíduos hedonistas, representa o ápice da desagregação, da decadência.
Na Alemanha, o sonho reacionário da comunidade nacional unida por tradição, sangue, terra e língua foi cultivado pelo nazismo, que, paradoxalmente, não hesitou em usar a mais moderna tecnologia para tentar realizá-lo. Não admira que, em oposição ao individualismo "burguês", o nazismo glorificasse a guerra, em que os indivíduos são capazes de morrer pela comunidade, confirmando que esta é a verdadeira substância e aqueles, meros acidentes.
Para Sombart, a era do capitalismo e do socialismo proletário chegara ao fim com a instauração da comunidade nacional-socialista.
Hoje, a mesma glorificação da morte em nome da comunidade -agora mais religiosa do que nacional- na guerra contra o melhor da modernidade, que é a sociedade aberta, vigora entre os defensores da Jihad. Por outro lado, aproveitando o ataque terrorista de fundamentalistas muçulmanos, o governo Bush também promoveu a guerra e, em nome dos valores comunitários do patriotismo e do cristianismo evangélico, fez tudo o que pôde para solapar os fundamentos legais da sociedade aberta e dos direitos individuais nos Estados Unidos.
Hoje, sabendo a que podem levar tais delírios reacionários, não temos desculpa para ignorar a ameaça que ainda representam. Temos a responsabilidade de lutar contra eles onde quer que se manifestem.
Voltarei a Edgar Morin.
Comunidade e sociedade
EM ENTREVISTA recente à "Nouvel Observateur", Edgar Morin explica por que, embora já conhecesse a natureza totalitária do regime soviético desde 1948, só saiu do Partido Comunista Francês quando expulso, em 1951: "Eu tinha uma necessidade psicopatológica de amor, de fraternidade, de comunidade e não ousava romper o cordão umbilical".
Amor, fraternidade, comunidade: isso me lembra a definição de "comunidade" do economista alemão Werner Sombart: "União [...] cujo laço é livre de tudo o que é estrangeiro, de toda finalidade prática, de toda negociata, de toda racionalidade, de todo caráter terrestre, para se fundar exclusivamente no amor". Nesse contexto, a palavra fraternidade só não ocorre por acaso, pois estaria em casa. Pois bem, essa definição se encontra no livro "Socialismo Alemão" (1934), em que Sombart flerta com o nacional-socialismo.
Essa definição se baseia, é claro, na famosa oposição, vital para a sociologia clássica alemã desde que Ferdinand Tönnies a estabeleceu, no século XIX, entre "Gemeinschaft" e "Gesellschaft", isto é, entre comunidade e sociedade.
A comunidade supõe encontrar sua origem na grande família, que se estende até a nação ou a "pátria" e tem por horizonte a religião positiva, herdada dos antepassados. Os membros da comunidade, articulados hierarquicamente de modo pretensamente orgânico e natural, crêem cultivar entre si relações pessoais e cooperativas, enraizadas numa cultura particular e tradicional. A própria palavra "cultura", aliás, liga-se etimologicamente ao trabalho com a terra e ao culto religioso.
Já a sociedade tem como protótipo a grande cidade. Nela, os indivíduos se agregam de modo mecânico e arbitrário e tendem a se relacionar de maneira impessoal e contratual. Ela tem como horizonte o princípio racional, formal e negativo segundo o qual a limitação da liberdade de uma pessoa não é lícita senão enquanto necessária para tornar essa liberdade compatível com igual liberdade alheia. Tal é o princípio universal da civilização.
Na sociedade, fora dos círculos familiares restritos, as relações pessoais de caráter comunitário que tendem a prevalecer são aquelas em que cada um ingressa voluntariamente, como as de amizade, e não aquelas de que cada um participa a despeito de sua vontade, como as de parentesco e vizinhança. Hoje, a internet leva mais longe esse progresso das relações societárias. O internauta é capaz de ignorar os seus vizinhos reais para estabelecer, num lugar virtual, relações comunitárias com pessoas que nunca viu diretamente, mas que, do outro lado do mundo, tenham o mesmo interesse pontual que ele.
Evidentemente, o mundo moderno se identifica com a sociedade. A família, a pátria, as tradições, as religiões foram, de fato (como comemoram Marx e Engels no "Manifesto Comunista"), atropeladas pelo capitalismo. Entretanto, essas instituições e/ou mitos do passado não morreram, e permanece entre muitos a nostalgia por uma época em que o mundo, constituído por comunidades mais ou menos fechadas, não tendia à sociedade aberta. Para tais nostálgicos do "ancien régime", a sociedade desenraizada, cada vez mais composta de indivíduos hedonistas, representa o ápice da desagregação, da decadência.
Na Alemanha, o sonho reacionário da comunidade nacional unida por tradição, sangue, terra e língua foi cultivado pelo nazismo, que, paradoxalmente, não hesitou em usar a mais moderna tecnologia para tentar realizá-lo. Não admira que, em oposição ao individualismo "burguês", o nazismo glorificasse a guerra, em que os indivíduos são capazes de morrer pela comunidade, confirmando que esta é a verdadeira substância e aqueles, meros acidentes.
Para Sombart, a era do capitalismo e do socialismo proletário chegara ao fim com a instauração da comunidade nacional-socialista.
Hoje, a mesma glorificação da morte em nome da comunidade -agora mais religiosa do que nacional- na guerra contra o melhor da modernidade, que é a sociedade aberta, vigora entre os defensores da Jihad. Por outro lado, aproveitando o ataque terrorista de fundamentalistas muçulmanos, o governo Bush também promoveu a guerra e, em nome dos valores comunitários do patriotismo e do cristianismo evangélico, fez tudo o que pôde para solapar os fundamentos legais da sociedade aberta e dos direitos individuais nos Estados Unidos.
Hoje, sabendo a que podem levar tais delírios reacionários, não temos desculpa para ignorar a ameaça que ainda representam. Temos a responsabilidade de lutar contra eles onde quer que se manifestem.
Voltarei a Edgar Morin.
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