O poeta André Vallias acaba de me chamar atenção para um belo ensaio do Professor Marcelo Rondinelli, intitulado "Hölderlin (re)traduzido no Brasil: constelações poético-tradutórias, acontecimentos". Nesse texto são consideradas, entre outras coisas, algumas das traduções que fiz de poemas do grande poeta alemão. O ensaio foi originalmente publicado no vol.18, nº2, 2016 da Revista Graphos -- que é uma publicação do Programa de Pós-Graduação em Letras da Univesidade Federal da Paraíba -- e pode ser lido aqui: http://periodicos.ufpb.br/index.php/graphos/article/viewFile/32163/16707.
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30.9.17
Marcelo Rondinelli: "Hölderlin (re)traduzido no Brasil: constelações poético-tradutórias, acontecimentos"
O poeta André Vallias acaba de me chamar atenção para um belo ensaio do Professor Marcelo Rondinelli, intitulado "Hölderlin (re)traduzido no Brasil: constelações poético-tradutórias, acontecimentos". Nesse texto são consideradas, entre outras coisas, algumas das traduções que fiz de poemas do grande poeta alemão. O ensaio foi originalmente publicado no vol.18, nº2, 2016 da Revista Graphos -- que é uma publicação do Programa de Pós-Graduação em Letras da Univesidade Federal da Paraíba -- e pode ser lido aqui: http://periodicos.ufpb.br/index.php/graphos/article/viewFile/32163/16707.
28.1.16
Antonio Cicero: "Inverno" / "L'Hiver": trad. de François Olègue
Hoje tive a grata surpresa de ver uma letra de música minha, Inverno -- que compus para uma melodia de Adriana Calcanhotto -- traduzida para o francês por François Olègue. Ei-la:
CICERO, Antonio. “Inverno” / “L’hiver”. In OLÈGUE, François. “Antipodes poétiques (3) - poètes brésiliens traduits par François Olègue”. RAL,M. Revue d’art et de littérature, musique, http://www.lechasseurabstrait.com/revue/spip.php?article11675, 17/01/2016.
L'Hiver
à Susana Morais
Le jour où mon bonheur battait son plein,
je vis un avion,
réfléchi dans ton regard, qui s’envolait.
Et depuis lors… sait-on ?
On se promène le long du canal
et l’on écrit de longues lettres sans dessein,
tandis que l’hiver au Leblon
est presque glacial.
J’ai quelque chose encore à comprendre : où
précisément j’abandonnai, ce jour-là, ce lion
que je montais toujours ?
J’oubliai, par ailleurs, que le sort
ne m’acceptait que seul,
privé de toute amarre, exempt de tout remords ;
un bateau ivre qui dérive
sens dessus dessous.
Mais un je ne sais quoi
rappelle insistant
que pour nous deux la terre se joignit aux cieux,
juste un instant,
à l’heure où s’éteignait, là-bas à l’occident, le jour.
CICERO, Antonio. “Inverno” / “L’hiver”. In OLÈGUE, François. “Antipodes poétiques (3) - poètes brésiliens traduits par François Olègue”. RAL,M. Revue d’art et de littérature, musique, http://www.lechasseurabstrait.com/revue/spip.php?article11675, 17/01/2016.
Inverno
a Susana Moraes
No dia em que
fui mais feliz
eu vi um
avião
se espelhar
no seu olhar até sumir
de lá pra cá
não sei
caminho ao
longo do canal
faço longas
cartas pra ninguém
e o inverno
no Leblon é quase glacial.
Há algo que
jamais se esclareceu:
onde foi
exatamente que larguei
naquele dia
mesmo o leão que sempre cavalguei?
Lá mesmo
esqueci
que o destino
sempre me
quis só
no deserto
sem saudades, sem remorsos, só,
sem amarras,
barco embriagado ao mar
Não sei o que
em mim
só quer me
lembrar
que um dia o
céu
reuniu-se à
terra um instante por nós dois
pouco antes
do ocidente se assombrar.
CICERO, Antonio. "Inverno". In:_____. Guardar. Rio de Janeiro: Record, 1996.
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4.4.10
O que é poesia?
O seguinte artigo foi publicado na minha coluna da "Ilustrada", da Folha de São Paulo, no sábado, 3 de abril:
O que é poesia?
O POETA Edson Cruz perguntou "O que é poesia?" a diversos poetas. 45 responderam. Cada um deu uma resposta diferente, embora não necessariamente incompatível com as dadas por cada um dos demais. A pergunta era na verdade um pretexto para pensar sobre a poesia. O resultado se transformou num livro.
Eu mesmo participei do livro e recentemente, ao reler o que lá dissera, lembrei-me que já havia respondido a essa pergunta de outros modos. Por exemplo, supondo que a poesia é aquilo que faz de um poema um poema, escrevi uma vez que ela consiste no grau de escritura de um texto. A ideia é que um poema (bem) realizado é um texto dotado de um altíssimo grau de escritura.
Isso supõe que alguns escritos são mais escritos do que outros. Digo isso tendo em vista algumas das mais importantes características do discurso escrito, em oposição ao oral. Abstraindo dos modernos meios de gravação de voz, considero evidentes as seguintes três proposições:
1. Enquanto o discurso oral é efêmero, o discurso escrito tem uma permanência indefinida;
2. enquanto o discurso oral é fluido e aberto, isto é, está sempre em movimento, como a vida, e sujeito a mudar a todo instante, o discurso escrito é fixo e fechado, e não é sujeito a mudança;
3. enquanto o discurso oral se realiza ou se concretiza plenamente quando falado, o discurso escrito se realiza ou se concretiza plenamente quando lido.
Pois bem, embora todo discurso tenha uma permanência indefinida, não a tem na mesma medida. A permanência de um rascunho, por exemplo, ou de um bilhetinho, ou de um torpedo, ou de uma mensagem de celular, ou de um memorando não costuma ser muito grande. É assim quase tudo o que se escreve e não se publica.
Mas é também assim quase tudo o que se publica. Os jornais são guardados nas bibliotecas e nos arquivos, mas quem os lê senão, de tempos em tempos, um historiador? Um texto que não é lido não se concretiza plenamente. Ora, esse é o destino não só dos periódicos, mas, de modo mais inexorável ainda, de 99,9% dos livros. Assim, no que diz respeito à primeira característica do discurso escrito, que é a da permanência, entra em jogo a sua terceira característica, que é a de se concretizar ao ser lido. A mera permanência física de um livro está longe de significar a permanência plena ou concreta do seu texto.
Já a qualidade de ser fixo e fechado parece, à primeira vista, ser compartilhada igualmente por todos os textos, enquanto duram. Na verdade, porém, não é bem assim. Posso, por exemplo, considerar os rascunhos de um poema meu como as transformações pelas quais ele passou antes de ficar pronto.
Se eu fotografasse cada uma dessas transformações, fizesse slides dos fotogramas, colasse uns nos outros como numa fita de cinema e pusesse essa fita num projetor, creio que veria o poema a se mexer como se fosse um desenho animado. Ele pareceria, então, fluido como uma fala; e, caso se tratasse de um poema ainda não terminado, de modo que eu continuasse a adicionar fotogramas a essa fita, ele pareceria também aberto como uma fala.
Os textos que dizem coisas de caráter prático ou mesmo cognitivo, tais como os textos técnicos e científicos, são mais ou menos assim, abertos e fluidos, pois, caso contrário, o que dizem acaba por deixar de ser verdadeiro ou útil, de modo que eles se tornam obsoletos e deixam de ser lidos, isto é, deixam de se concretizar. Assim também enciclopédias ou dicionários mantêm-se vivos porque são atualizados por novas edições.
Os textos que não estão sujeitos a esse tipo de descartabilidade são aqueles cujo valor -atenção: neste ponto, não há como não empregar juízos de valor- não depende de serem verdadeiros ou falsos, ou de terem qualquer outra função prática. Assim são os textos literários que, valendo por si, pertencem antes à ordem dos monumentos do que à dos documentos. É assim que as Musas de Hesíodo se orgulham de saber "dizer muitas mentiras parecidas com a verdade".
Pois bem, dentre os textos literários, que valem por si e são os mais escritos dos escritos, os mais escritos de todos são os poemas. Por quê? Porque consistem em formas puras. No limite, não há, neles, diferença entre o que dizem e o modo como o dizem. Como não se pode, num poema, separar o significado do significante, a rigor não se pode dizer em outras palavras o seu significado. É por isso que, no que diz respeito a um poema, parece-me em geral menos apropriado falar de "tradução" do que, como dizia o poeta Haroldo de Campos, de "transcriação".
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26.1.09
Dorothy Parker: "From a letter from Lesbia" / "De uma carta de Lésbia": tradução de Nelson Ascher
Sábado, Aetano enviou um comentário para este blog contendo um trecho de um poema de Dorothy Parker, traduzido por Nelson Ascher. Abaixo publico o poema inteiro, que pretende ser um fragmento de uma carta em que Lesbia, amante do poeta Catulo, maliciosamente comenta a Ode III, que ele lhe dedicara. Pode-se ler essa ode na postagem anterior, também com tradução de Nelson Ascher.
De uma carta de Lésbia
... Catulo está, portanto, fora da cidade,
Graças aos deuses! E eis, querida, o meu conselho:
Escolhe, para amante, quem quer que te agrade,
Salvo um poeta, pois ninguém é tão pentelho.
Tanto lhe faz se há briga ou beijo — são somente,
Com sua flauta sempre em mãos, um bom motivo
Para cantar sobre o que louve ou que lamente.
Meu tipo mesmo está mais para o executivo.
Chamei aquilo sobre a morte do pardal
(Que versos lúgubres, maçantes, comezinhos!)
De doce, até fiz que chorava e coisa e tal
Para o imbecil. — Só que eu odeio passarinhos...
FROM A LETTER FROM LESBIA
... So, praise the gods, Catullus is away!
And let me tend you this advice, my dear:
Take any lover that you will, or may,
Except a poet. All of them are queer.
It's just the same. — a quarrel or a kiss
Is but a tune to play upon his pipe.
He's always hymning that or wailing this;
Myself, I much prefer the business type.
That thing he wrote, the time the sparrow died —
(Oh, most unpleasant — gloomy, tedious words!)
I called it sweet, and made believe I cried;
The stupid fool! I've always hated birds...
De: PARKER, Dorothy. "From a letter from Lesbia". In: ASCHER, Nelson. Poesia alheia. 124 poemas traduzidos. Rio de Janeiro: Imago, 1998.
De uma carta de Lésbia
... Catulo está, portanto, fora da cidade,
Graças aos deuses! E eis, querida, o meu conselho:
Escolhe, para amante, quem quer que te agrade,
Salvo um poeta, pois ninguém é tão pentelho.
Tanto lhe faz se há briga ou beijo — são somente,
Com sua flauta sempre em mãos, um bom motivo
Para cantar sobre o que louve ou que lamente.
Meu tipo mesmo está mais para o executivo.
Chamei aquilo sobre a morte do pardal
(Que versos lúgubres, maçantes, comezinhos!)
De doce, até fiz que chorava e coisa e tal
Para o imbecil. — Só que eu odeio passarinhos...
FROM A LETTER FROM LESBIA
... So, praise the gods, Catullus is away!
And let me tend you this advice, my dear:
Take any lover that you will, or may,
Except a poet. All of them are queer.
It's just the same. — a quarrel or a kiss
Is but a tune to play upon his pipe.
He's always hymning that or wailing this;
Myself, I much prefer the business type.
That thing he wrote, the time the sparrow died —
(Oh, most unpleasant — gloomy, tedious words!)
I called it sweet, and made believe I cried;
The stupid fool! I've always hated birds...
De: PARKER, Dorothy. "From a letter from Lesbia". In: ASCHER, Nelson. Poesia alheia. 124 poemas traduzidos. Rio de Janeiro: Imago, 1998.
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Tradução
Catulo: Ode 3 / Tradução: Nelson Ascher
.
ODE, 3
Chorai, Vênus, Cupidos e homens, quantos
venerem a beleza, oh vós, chorai
a morte do pardal da minha amada,
pardal que era o prazer da minha amada
e que ela amava mais que aos próprios olhos,
porque era doce, conhecia a dona
como conhece a mãe uma menina
e não saía nunca do seu colo,
onde, pulando sem parar de um lado
ao outro, só piava para ela.
E agora ele se foi na tenebrosa
jornada da qual — dizem — ninguém volta.
Maldita sejas, por tragares tudo
que é belo, tu, maldita treva do Orco
que me privaste de um pardal tão belo!
0h, maldição! Coitado do pardal!
Por tua causa, a amada está com olhos
inchados e vermelhos de chorar.
Carmen III
Lugete, o Veneres Cupidinesque,
et quantumst hominum venustiorum!
passer mortuus est meae puellae,
passer, deliciae meae puellae,
quem plus illa oculis suis amabat:
nam mellitus erat suamque norat
ipsam tam bene quam puella matrem,
nec sese a gremio illius movebat,
sed circumsiliens modo huc modo illuc
ad solam dominam usque pipiabat.
qui nunc it per iter tenebricosum
illuc, unde negant redire quemquam.
at vobis male sit, malae tenebrae
Orci, quae omnia bella devoratis:
tam bellum mihi passerem abstulistis.
o factum male, quod, miselle passer,
tua nunc opera meae puellae
flendo turgiduli rubent ocelli!
De: CATULO. Ode 3. In: ASCHER, Nelson. Poesia alheia. 124 poemas traduzidos. Rio de Janeiro: Imago, 1998
ODE, 3
Chorai, Vênus, Cupidos e homens, quantos
venerem a beleza, oh vós, chorai
a morte do pardal da minha amada,
pardal que era o prazer da minha amada
e que ela amava mais que aos próprios olhos,
porque era doce, conhecia a dona
como conhece a mãe uma menina
e não saía nunca do seu colo,
onde, pulando sem parar de um lado
ao outro, só piava para ela.
E agora ele se foi na tenebrosa
jornada da qual — dizem — ninguém volta.
Maldita sejas, por tragares tudo
que é belo, tu, maldita treva do Orco
que me privaste de um pardal tão belo!
0h, maldição! Coitado do pardal!
Por tua causa, a amada está com olhos
inchados e vermelhos de chorar.
Carmen III
Lugete, o Veneres Cupidinesque,
et quantumst hominum venustiorum!
passer mortuus est meae puellae,
passer, deliciae meae puellae,
quem plus illa oculis suis amabat:
nam mellitus erat suamque norat
ipsam tam bene quam puella matrem,
nec sese a gremio illius movebat,
sed circumsiliens modo huc modo illuc
ad solam dominam usque pipiabat.
qui nunc it per iter tenebricosum
illuc, unde negant redire quemquam.
at vobis male sit, malae tenebrae
Orci, quae omnia bella devoratis:
tam bellum mihi passerem abstulistis.
o factum male, quod, miselle passer,
tua nunc opera meae puellae
flendo turgiduli rubent ocelli!
De: CATULO. Ode 3. In: ASCHER, Nelson. Poesia alheia. 124 poemas traduzidos. Rio de Janeiro: Imago, 1998
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Tradução
23.12.08
Segundo volume de "Humano, demasiado humano", de Nietzsche, traduzido por Paulo César de Souza
.
Em comentário sobre que fiz no dia 3/12 sobre uma postagem minha intitulada “Comentários de Aetano sobre Jorge Luís Borges e Fernando Pessoa, e respostas minhas”, de 2/12, cito um trecho Humano, demasiado humano, de Nietzsche, comentando que, infelizmente, a segunda parte desse livro, de onde eu retirara a citação, ainda não havia sido traduzida. Pois bem, hoje mesmo recebi da Companhia das Letras um exemplar da tradução dessa segunda parte, feita pelo nosso grande tradutor de filosofia alemã, Paulo César de Souza. Já li várias páginas e, como eu já esperava, verifiquei que se trata de uma tradução primorosa, que recomendo vivamente.
Em comentário sobre que fiz no dia 3/12 sobre uma postagem minha intitulada “Comentários de Aetano sobre Jorge Luís Borges e Fernando Pessoa, e respostas minhas”, de 2/12, cito um trecho Humano, demasiado humano, de Nietzsche, comentando que, infelizmente, a segunda parte desse livro, de onde eu retirara a citação, ainda não havia sido traduzida. Pois bem, hoje mesmo recebi da Companhia das Letras um exemplar da tradução dessa segunda parte, feita pelo nosso grande tradutor de filosofia alemã, Paulo César de Souza. Já li várias páginas e, como eu já esperava, verifiquei que se trata de uma tradução primorosa, que recomendo vivamente.
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Tradução
3.12.08
Alteração na tradução do poema "Remordimiento" / "Remorso"
.
Uma falha da minha tradução resultou numa negligência interpretativa. É que traduzi “naderias” por “ninharias”. Ora, “naderias” vem de “nada”, enquanto “ninharias” vem de “niño”, isto é, “menino”, “criança”. A diferença não é inconsequente. Percebendo o erro, pensei em traduzir “naderias”, palavra que não existe em português, por “nonadas”. Mas “nonada” inevitavelmente traz o mundo de Guimarães Rosa à mente, o que normalmente não é ruim, mas não é adequado ao mundo do poema em questão. Além disso, o “nada” está muito “pesado” em “nonada”, enquanto que parece leve, quase leviano, em “naderia”. Como penso que todo o vocabulário latino – e, em particular, o das línguas latinas ibéricas – é praticamente todo, se quisermos, também nosso (feitas as devidas adaptações que, em alguns casos, são necessárias), resolvi propor a incorporação do substantivo “naderia” ao português, uma vez que ele é imediatamente inteligível pelo leitor. Feita essa alteração, corrigi, na resposta às observações do Aetano, também a negligência interpretativa mencionada acima.
Uma falha da minha tradução resultou numa negligência interpretativa. É que traduzi “naderias” por “ninharias”. Ora, “naderias” vem de “nada”, enquanto “ninharias” vem de “niño”, isto é, “menino”, “criança”. A diferença não é inconsequente. Percebendo o erro, pensei em traduzir “naderias”, palavra que não existe em português, por “nonadas”. Mas “nonada” inevitavelmente traz o mundo de Guimarães Rosa à mente, o que normalmente não é ruim, mas não é adequado ao mundo do poema em questão. Além disso, o “nada” está muito “pesado” em “nonada”, enquanto que parece leve, quase leviano, em “naderia”. Como penso que todo o vocabulário latino – e, em particular, o das línguas latinas ibéricas – é praticamente todo, se quisermos, também nosso (feitas as devidas adaptações que, em alguns casos, são necessárias), resolvi propor a incorporação do substantivo “naderia” ao português, uma vez que ele é imediatamente inteligível pelo leitor. Feita essa alteração, corrigi, na resposta às observações do Aetano, também a negligência interpretativa mencionada acima.
24.7.08
Horácio: Ode I.38
Eis a Ode I.38, de Horácio, seguida da tradução que ousei fazer:
Persicos odi, puer, adparatus,
displicent nexae philyra coronae,
mitte sectari, rosa quo locorum
sera moretur.
simplici myrto nihil adlabores
sedulus curo: neque te ministrum
dedecet myrtus neque me sub arta
vite bibentem.
Odeio, rapaz, ostentações persas
e não me agradam coroas de tília;
deixa de procurar em pleno inverno
rosas serôdias.
Que te baste de enfeite o simples mirto
é o que desejo: nem de ti servindo
destoa o mirto, nem de mim, sob farta
vide bebendo.
Persicos odi, puer, adparatus,
displicent nexae philyra coronae,
mitte sectari, rosa quo locorum
sera moretur.
simplici myrto nihil adlabores
sedulus curo: neque te ministrum
dedecet myrtus neque me sub arta
vite bibentem.
Odeio, rapaz, ostentações persas
e não me agradam coroas de tília;
deixa de procurar em pleno inverno
rosas serôdias.
Que te baste de enfeite o simples mirto
é o que desejo: nem de ti servindo
destoa o mirto, nem de mim, sob farta
vide bebendo.
28.8.07
Emiliano Battista fez uma bela versão inglesa do meu poema Perplexidade. Ei-la:
PERPLEXITY
Not sure just where I lost my way,
Or whether I lost it at all.
Still, I can't help thinking it odd
That this had always been my lot.
PERPLEXIDADE
Não sei bem onde foi que me perdi;
talvez nem tenha me perdido mesmo,
mas como é estranho pensar que isto aqui
fosse o meu destino desde o começo.
De: CICERO, A., A cidade e os livros. Rio de Janeiro: Record, 2002, p.67 (ed. portuguesa: Vila Nova do Famalicão, Quasi, 2006, p.45).
PERPLEXITY
Not sure just where I lost my way,
Or whether I lost it at all.
Still, I can't help thinking it odd
That this had always been my lot.
PERPLEXIDADE
Não sei bem onde foi que me perdi;
talvez nem tenha me perdido mesmo,
mas como é estranho pensar que isto aqui
fosse o meu destino desde o começo.
De: CICERO, A., A cidade e os livros. Rio de Janeiro: Record, 2002, p.67 (ed. portuguesa: Vila Nova do Famalicão, Quasi, 2006, p.45).
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Poema,
Tradução
21.7.07
Lewis Carroll: Através do espelho
“Ninguém está na estrada”, disse Alice.
“Ah se eu tivesse olhos assim”, o rei observou num tom irritado. “Ser capaz de ver Ninguém! E, além disso, a uma tal distância! Ora, o máximo que consigo com essa luz é ver pessoas de verdade!”
“I see nobody on the road”, said Alice.
“I only wish I had such eyes”, the King remarked in a fretful tone. “To be able to see Nobody! And at that distance too! Why, it’s as much as I can do to see real people, by this light.
CARROLL, L. "Through the looking -glass". With an introduction and notes by M. Gardner. In: _____. The annotated Alice. Lewis Carroll. New York: Penguin, 1970. P.279.
“Ah se eu tivesse olhos assim”, o rei observou num tom irritado. “Ser capaz de ver Ninguém! E, além disso, a uma tal distância! Ora, o máximo que consigo com essa luz é ver pessoas de verdade!”
“I see nobody on the road”, said Alice.
“I only wish I had such eyes”, the King remarked in a fretful tone. “To be able to see Nobody! And at that distance too! Why, it’s as much as I can do to see real people, by this light.
CARROLL, L. "Through the looking -glass". With an introduction and notes by M. Gardner. In: _____. The annotated Alice. Lewis Carroll. New York: Penguin, 1970. P.279.
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Lógica,
Tradução
11.7.07
Anatole France: Le jardin d'Épicure (trecho)
Embora eu jamais jogue e não tenha a menor intenção de fazer qualquer apologia do jogo de azar, acho admirável, por razões puramente estéticas, o seguinte texto de Anatole France:
Os jogadores jogam como os amantes amam, como os ébrios bebem, necessária, cegamente, sob o império de uma força irresistível. Há seres devotados ao jogo, como há seres devotados ao amor. Quem inventou a história daqueles dois marinheiros possuídos pelo furor do jogo? Naufragaram e só escaparam à morte após terríveis aventuras, pulando para o dorso de uma baleia. Assim que lá se encontraram, tiraram dos bolsos seus dados e seus fritilos e se puseram a jogar. Eis uma história mais verdadeira que a verdade. Cada jogador é um desses marinheiros. E com certeza há no jogo algo que remexe todas as fibras dos audazes. Não é uma volúpia medíocre tentar a sorte. Não é um prazer sem embriaguez provar num segundo meses, anos, uma vida inteira de esperança. Eu não tinha nem dez anos quando o sr. Grépinet, meu professor da nona, leu-nos em sala de aula a fábula do Homem e do Gênio. No entanto, recordo-a melhor do que se a tivesse escutado ontem. Um gênio dá a um menino um novelo e lhe diz: “Este fio é o dos teus dias. Toma-o. Quando quiseres que o tempo escoe para ti, puxa o fio: teus dias passarão rápidos ou lentos segundo desenroles o novelo rápida ou morosamente. Enquanto não tocares no fio, ficarás na mesma hora da tua existência.” O menino tomou o fio; puxou-o primeiro para se tornar homem, depois para se casar com a noiva amada, depois para ver crescerem os seus filhos, depois para conseguir empregos, lucros, honrarias, para superar as preocupações, evitar as mágoas, as doenças vindas com a idade, enfim – que fazer? – para terminar uma velhice importuna. Tinha vivido quatro meses e seis dias desde a visita do gênio.
Pois bem, que é o jogo senão a arte de obter num segundo as mudanças que o destino só produz normalmente em muitas horas e mesmo em muitos anos, a arte de acumular num único instante as emoções esparsas na lenta existência dos outros homens, o segredo de viver a vida inteira em alguns minutos, enfim, o novelo do gênio? O jogo é um corpo a corpo com o destino. É o combate de Jacó com o anjo, o pacto do dr. Fausto com o diabo. Joga-se dinheiro – dinheiro, quer dizer, a possibilidade imediata, infinita. Talvez a carta que se vai virar, a bilha que está a correr dê ao jogador parques e jardins, campos e vastos bosques, e castelos a elevar no céu suas torres pontudas. Sim, essa pequena bilha que corre contém em si hectares de boa terra e tetos de ardosia cujas chaminés esculpidas se refletem no Loire; encerra tesouros de arte, maravilhas do gosto, jóias prodigiosas, os mais belos corpos do mundo, almas, mesmo, que nem se imaginavam venais, todas as condecorações, todas as honras, toda a graça e todo o poder da terra. Que digo? Encerra mais que isso: encerra o sonho. E você quer que eu não jogue? Se o jogo só fizesse mostrar esperanças infinitas, se só mostrasse o sorriso dos seus olhos verdes, seria amado com menos furor. Mas tem unhas de diamante, é terrível, dá, quando lhe compraz, a miséria e a vergonha; eis porque é adorado.
A atração do perigo está no fundo de todas as grandes paixões. Não há volúpia sem vertigem. O prazer mesclado ao medo embriaga. E que há de mais terrível que o jogo? Ele dá, ele toma; suas razões não são as nossas razões. Ele é mudo, cego e surdo. Ele pode tudo. É um deus.
É um deus. Tem seus devotos e seus santos que o amam pelo que é, não pelo que promete, e que o adoram quando os golpeia. Se os despoja cruelmente, imputam a culpa a si mesmos, não a ele.
“Joguei mal”, dizem.
Acusam-se e não blasfemam.
Em: FRANCE, Anatole. Le jardin d’Épicure. Paris: Calmann-Lévy, Éditeurs, 1923. P. 14-18.
Les joueurs jouent comme les amoureux aiment, comme les ivrognes boivent, nécessairement, aveuglément, sous l'empire d'une force irrésistible. Il est des êtres voués au jeu, comme il est des êtres voués à l'amour. Qui donc a inventé l'histoire de ces deux matelots possédés de la fureur du jeu? Ils firent naufrage et n'échappèrent à la mort, après les plus terribles aventures, qu'en sautant sur le dos d'une baleine. Aussitôt qu'ils y furent, ils tirèrent de leur poche leurs dés et leurs cornets et se mirent à jouer. Voilà une histoire plus vraie que la vérité Chaque joueur est un de ces matelots-là. Et certes, il y a dans le jeu quelque chose qui remue terriblement toutes les fibres des audacieux. Ce n'est pas une volupté médiocre que de tenter le sort. Ce n'est pas un plaisir sans ivresse que de goûter en une seconde des mois, des années, toute une vie de crainte et d'espérance. Je n'avais pas dix ans quand M. Grépinet, mon professeur de neuvième, nous lut en classe la fable de l'Homme et le Génie. Pourtant je me la rappelle mieux que si je l'avais entendue hier. Un génie donne à un enfant un peloton de fil et lui dit : « Ce fil est celui de tes jours. Prends-le. Quand tu voudras que le temps, s'écoule pour toi, tire le fil : tes jours se passeront rapides ou lents selon que tu auras dévidé le peloton vite ou longuement. Tant que tu ne toucheras pas au fil, tu resteras à la même heure de ton existence. » L'enfant prit le fil; il le tira d'abord pour devenir un homme, puis pour épouser la fiancée qu'il aimait, puis pour voir grandir ses enfants, pour atteindre les emplois, le gain, les honneurs, pour franchir les soucis, éviter les chagrins, les maladies venues avec l'âge, enfin, hélas! pour achever une vieillesse importune. II avait vécu quatre mois et six jours depuis la visite du génie.
Eh bien! le jeu, qu'est-ce donc sinon l'art d'amener en une seconde les changements que la destinée ne produit d'ordinaire qu'en beaucoup d'heures et même en beaucoup d'années, l'art de ramasser en un seul instant les émotions éparses dans la lente existence des autres hommes, le secret de vivre toute une vie en quelques minutes, enfin le peloton de fil du génie? Le jeu, c'est un corps-à-corps avec le destin. C'est le combat de Jacob avec l'ange, c'est le pacte du docteur Faust avec le diable. On joue de l'argent, - de l'argent, c'est-â-dire la possibilité immédiate, infinie. Peut-être la carte qu'on va retourner, la bille qui court donnera au joueur des parcs et des jardins, des champs et de vastes bois, des châteaux élevant dans le ciel leurs tourelles pointues. Oui, cette petite bille qui roule contient en elle des hectares de bonne terre et des toits d'ardoise dont les cheminées sculptées se reflètent dans la Loire; elle renferme les trésors de l'art, les merveilles du goût, des bijoux prodigieux, les plus beaux corps du monde, des âmes, même, qu'on ne croyait pas vénales, toutes les décorations, tous les honneurs, toute la grâce et toute la puissance de la -terre. Que dis-je? elle renferme mieux que cela; elle en renferme le rêve. Et vous voulez qu'on ne joue pas? Si encore le jeu ne faisait que donner des espérances infinies, s'il ne montrait que le sourire de ses yeux verts on l'aimerait avec moins de rage. Mais il a des ongles de diamant, il est terrible, il donne, quand il lui plait, là misère et la honte; c'est pourquoi on l'adore.
L'attrait du danger est au fond de toutes les grandes passions. Il n'y a pas de volupté pans vertige. Le plaisir mêlé de peur enivre. Et quoi de plus terrible que le jeu? Il donne, il prend; ses raisons ne sont point nos raisons. Il est muet, aveugle et sourd. Il peut tout. C'est un dieu.
C'est un dieu. Il a ses dévots et ses saints qui l'aiment pour lui-même, non pour ce qu'il promet, et qui l'adorent quand il les frappe. S'il les dépouille cruellement, ils en imputent la faute à eux-mômes, non à lui.
« J'ai mal joué », disent-ils.
Ils s'accusent et ne blasphèment pas.
Os jogadores jogam como os amantes amam, como os ébrios bebem, necessária, cegamente, sob o império de uma força irresistível. Há seres devotados ao jogo, como há seres devotados ao amor. Quem inventou a história daqueles dois marinheiros possuídos pelo furor do jogo? Naufragaram e só escaparam à morte após terríveis aventuras, pulando para o dorso de uma baleia. Assim que lá se encontraram, tiraram dos bolsos seus dados e seus fritilos e se puseram a jogar. Eis uma história mais verdadeira que a verdade. Cada jogador é um desses marinheiros. E com certeza há no jogo algo que remexe todas as fibras dos audazes. Não é uma volúpia medíocre tentar a sorte. Não é um prazer sem embriaguez provar num segundo meses, anos, uma vida inteira de esperança. Eu não tinha nem dez anos quando o sr. Grépinet, meu professor da nona, leu-nos em sala de aula a fábula do Homem e do Gênio. No entanto, recordo-a melhor do que se a tivesse escutado ontem. Um gênio dá a um menino um novelo e lhe diz: “Este fio é o dos teus dias. Toma-o. Quando quiseres que o tempo escoe para ti, puxa o fio: teus dias passarão rápidos ou lentos segundo desenroles o novelo rápida ou morosamente. Enquanto não tocares no fio, ficarás na mesma hora da tua existência.” O menino tomou o fio; puxou-o primeiro para se tornar homem, depois para se casar com a noiva amada, depois para ver crescerem os seus filhos, depois para conseguir empregos, lucros, honrarias, para superar as preocupações, evitar as mágoas, as doenças vindas com a idade, enfim – que fazer? – para terminar uma velhice importuna. Tinha vivido quatro meses e seis dias desde a visita do gênio.
Pois bem, que é o jogo senão a arte de obter num segundo as mudanças que o destino só produz normalmente em muitas horas e mesmo em muitos anos, a arte de acumular num único instante as emoções esparsas na lenta existência dos outros homens, o segredo de viver a vida inteira em alguns minutos, enfim, o novelo do gênio? O jogo é um corpo a corpo com o destino. É o combate de Jacó com o anjo, o pacto do dr. Fausto com o diabo. Joga-se dinheiro – dinheiro, quer dizer, a possibilidade imediata, infinita. Talvez a carta que se vai virar, a bilha que está a correr dê ao jogador parques e jardins, campos e vastos bosques, e castelos a elevar no céu suas torres pontudas. Sim, essa pequena bilha que corre contém em si hectares de boa terra e tetos de ardosia cujas chaminés esculpidas se refletem no Loire; encerra tesouros de arte, maravilhas do gosto, jóias prodigiosas, os mais belos corpos do mundo, almas, mesmo, que nem se imaginavam venais, todas as condecorações, todas as honras, toda a graça e todo o poder da terra. Que digo? Encerra mais que isso: encerra o sonho. E você quer que eu não jogue? Se o jogo só fizesse mostrar esperanças infinitas, se só mostrasse o sorriso dos seus olhos verdes, seria amado com menos furor. Mas tem unhas de diamante, é terrível, dá, quando lhe compraz, a miséria e a vergonha; eis porque é adorado.
A atração do perigo está no fundo de todas as grandes paixões. Não há volúpia sem vertigem. O prazer mesclado ao medo embriaga. E que há de mais terrível que o jogo? Ele dá, ele toma; suas razões não são as nossas razões. Ele é mudo, cego e surdo. Ele pode tudo. É um deus.
É um deus. Tem seus devotos e seus santos que o amam pelo que é, não pelo que promete, e que o adoram quando os golpeia. Se os despoja cruelmente, imputam a culpa a si mesmos, não a ele.
“Joguei mal”, dizem.
Acusam-se e não blasfemam.
Em: FRANCE, Anatole. Le jardin d’Épicure. Paris: Calmann-Lévy, Éditeurs, 1923. P. 14-18.
Les joueurs jouent comme les amoureux aiment, comme les ivrognes boivent, nécessairement, aveuglément, sous l'empire d'une force irrésistible. Il est des êtres voués au jeu, comme il est des êtres voués à l'amour. Qui donc a inventé l'histoire de ces deux matelots possédés de la fureur du jeu? Ils firent naufrage et n'échappèrent à la mort, après les plus terribles aventures, qu'en sautant sur le dos d'une baleine. Aussitôt qu'ils y furent, ils tirèrent de leur poche leurs dés et leurs cornets et se mirent à jouer. Voilà une histoire plus vraie que la vérité Chaque joueur est un de ces matelots-là. Et certes, il y a dans le jeu quelque chose qui remue terriblement toutes les fibres des audacieux. Ce n'est pas une volupté médiocre que de tenter le sort. Ce n'est pas un plaisir sans ivresse que de goûter en une seconde des mois, des années, toute une vie de crainte et d'espérance. Je n'avais pas dix ans quand M. Grépinet, mon professeur de neuvième, nous lut en classe la fable de l'Homme et le Génie. Pourtant je me la rappelle mieux que si je l'avais entendue hier. Un génie donne à un enfant un peloton de fil et lui dit : « Ce fil est celui de tes jours. Prends-le. Quand tu voudras que le temps, s'écoule pour toi, tire le fil : tes jours se passeront rapides ou lents selon que tu auras dévidé le peloton vite ou longuement. Tant que tu ne toucheras pas au fil, tu resteras à la même heure de ton existence. » L'enfant prit le fil; il le tira d'abord pour devenir un homme, puis pour épouser la fiancée qu'il aimait, puis pour voir grandir ses enfants, pour atteindre les emplois, le gain, les honneurs, pour franchir les soucis, éviter les chagrins, les maladies venues avec l'âge, enfin, hélas! pour achever une vieillesse importune. II avait vécu quatre mois et six jours depuis la visite du génie.
Eh bien! le jeu, qu'est-ce donc sinon l'art d'amener en une seconde les changements que la destinée ne produit d'ordinaire qu'en beaucoup d'heures et même en beaucoup d'années, l'art de ramasser en un seul instant les émotions éparses dans la lente existence des autres hommes, le secret de vivre toute une vie en quelques minutes, enfin le peloton de fil du génie? Le jeu, c'est un corps-à-corps avec le destin. C'est le combat de Jacob avec l'ange, c'est le pacte du docteur Faust avec le diable. On joue de l'argent, - de l'argent, c'est-â-dire la possibilité immédiate, infinie. Peut-être la carte qu'on va retourner, la bille qui court donnera au joueur des parcs et des jardins, des champs et de vastes bois, des châteaux élevant dans le ciel leurs tourelles pointues. Oui, cette petite bille qui roule contient en elle des hectares de bonne terre et des toits d'ardoise dont les cheminées sculptées se reflètent dans la Loire; elle renferme les trésors de l'art, les merveilles du goût, des bijoux prodigieux, les plus beaux corps du monde, des âmes, même, qu'on ne croyait pas vénales, toutes les décorations, tous les honneurs, toute la grâce et toute la puissance de la -terre. Que dis-je? elle renferme mieux que cela; elle en renferme le rêve. Et vous voulez qu'on ne joue pas? Si encore le jeu ne faisait que donner des espérances infinies, s'il ne montrait que le sourire de ses yeux verts on l'aimerait avec moins de rage. Mais il a des ongles de diamant, il est terrible, il donne, quand il lui plait, là misère et la honte; c'est pourquoi on l'adore.
L'attrait du danger est au fond de toutes les grandes passions. Il n'y a pas de volupté pans vertige. Le plaisir mêlé de peur enivre. Et quoi de plus terrible que le jeu? Il donne, il prend; ses raisons ne sont point nos raisons. Il est muet, aveugle et sourd. Il peut tout. C'est un dieu.
C'est un dieu. Il a ses dévots et ses saints qui l'aiment pour lui-même, non pour ce qu'il promet, et qui l'adorent quand il les frappe. S'il les dépouille cruellement, ils en imputent la faute à eux-mômes, non à lui.
« J'ai mal joué », disent-ils.
Ils s'accusent et ne blasphèment pas.
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15.5.07
Hölderlin: Buonaparte
Em comentário ao poema “Sócrates e Alcibíades”, j.c.p. citou outro poema de Hölderlin, o “Buonaparte”. Como eu já o havia traduzido para o meu ensaio sobre Hölderlin, intitulado “O destino do homem” (in Poetas que pensaram o mundo. Org. p. Adauto Novaes. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p.225-268), publico-o aqui:
Buonaparte
Vasos sagrados são os poetas
Em que o vinho da vida, o espírito
Dos heróis se preserva,
Mas o espírito desse jovem,
O rápido, não explodiria
O vaso que tentasse contê-lo?
Que o poeta o largue intacto como o espírito da [natureza,
Em tal matéria torna-se aprendiz o mestre.
No poema ele não pode viver e ficar:
Ele vive e fica no mundo.
Buonaparte
Heilige Gefäße sind die Dichter,
Worin des Lebens Wein, der Geist
Der Helden, sich aufbewahrt,
Aber der Geist dieses Jünglings,
Der schnelle, müßt er es nicht zersprengen,
Wo es ihn fassen wollte, das Gefäß?
Der Dichter laß ihn unberührt wie den Geist der Natur,
An solchem Stoffe wird zum Knaben der Meister.
Er kann im Gedichte nicht leben und bleiben,
Er lebt und bleibt in der Welt.
HÖLDERLIN, F. „Buonaparte“. In: Sämtliche Werke und Briefe.Vol.1. München: Carl Hanser Verlag, 1970, p.217.
Buonaparte
Vasos sagrados são os poetas
Em que o vinho da vida, o espírito
Dos heróis se preserva,
Mas o espírito desse jovem,
O rápido, não explodiria
O vaso que tentasse contê-lo?
Que o poeta o largue intacto como o espírito da [natureza,
Em tal matéria torna-se aprendiz o mestre.
No poema ele não pode viver e ficar:
Ele vive e fica no mundo.
Buonaparte
Heilige Gefäße sind die Dichter,
Worin des Lebens Wein, der Geist
Der Helden, sich aufbewahrt,
Aber der Geist dieses Jünglings,
Der schnelle, müßt er es nicht zersprengen,
Wo es ihn fassen wollte, das Gefäß?
Der Dichter laß ihn unberührt wie den Geist der Natur,
An solchem Stoffe wird zum Knaben der Meister.
Er kann im Gedichte nicht leben und bleiben,
Er lebt und bleibt in der Welt.
HÖLDERLIN, F. „Buonaparte“. In: Sämtliche Werke und Briefe.Vol.1. München: Carl Hanser Verlag, 1970, p.217.
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6.4.07
William Butler Yeats
Uma tradução que fiz de um poema de Yeats que amo:
Aqueles que acham um problema
Quando refaço algum poema
Saibam por que problema eu passo:
É a mim mesmo que refaço.
The friends that have it I do wrong
Whenever I remake a song
Should know what issue is at stake
It is myself that I remake.
YEATS, W.B. The collected works in verse and prose. Vol.2, Epigraph. London: Chapman and Hall Ltd., 1908.
Aqueles que acham um problema
Quando refaço algum poema
Saibam por que problema eu passo:
É a mim mesmo que refaço.
The friends that have it I do wrong
Whenever I remake a song
Should know what issue is at stake
It is myself that I remake.
YEATS, W.B. The collected works in verse and prose. Vol.2, Epigraph. London: Chapman and Hall Ltd., 1908.
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William Butler Yeats
12.3.07
Ezra Pound transcriado por Augusto de Campos
Um dos poemas mais bonitos que conheço é uma transcriação para o português, feita por Augusto de Campos, de um poema de Ezra Pound. A palavra “transcriação” não podia ser mais adequada, já que o poema em português é mais bonito do que no inglês original; ou, como dizia Borges, “el original es infiel a la traducción”. É que o inglês de Pound, neste poema – como em muitos outros – é excessivamente eduardiano, com uma pitada de Swinburne, isto é, com uma tendência ao vitoriano: e isso o torna datado. Já o português de Augusto é perfeito. Mas deixo o leitor julgar por si: apresento, em primeiro lugar, a transcriação de Augusto, e, em seguida, o original de Pound.
E ASSIM EM NÍNIVE
“Sim, sou um poeta e sobre a minha tumba
Donzelas hão de espalhar pétalas de rosas
E os homens, mirto, antes que a noite
Degole o dia com a espada escura.
“Vê! Não cabe a mim
Nem a ti objetar,
Pois o costume é antigo
E aqui em Nínive já observei
Mais de um cantor passar e ir habitar
O horto sombrio onde ninguém perturba
Seu sono ou canto.
E mais de um cantou suas canções
Com mais arte e mais alma do que eu;
E mais de um agora sobrepassa
Com seu laurel de flores
Minha beleza combalida pelas ondas,
Mas eu sou um poeta e sobre a minha tumba
Todos os homens hão de espalhar pétalas de rosas
Antes que a noite mate a luz
Com sua espada azul.
“Não é, Raana, que eu soe mais alto
Ou mais doce que os outros. É que eu
Sou um Poeta, e bebo vida
Como os homens menores bebem vinho.”
Do livro:
POUND, E. Antologia poética de Ezra Pound. Organização, apresentações e traduções por CAMPOS, A.; CAMPOS, H.; FAUSTINO, M.; H; PIGNATARI, D.; GRÜNEWALD, J.L. Lisboa: Ulisséia, 1968.
AND THUS IN NINEVEH
"Aye! I am a poet and upon my tomb
Shall maidens scatter rose leaves
And men myrtles, ere the night
Slays day with her dark sword.
"Lo! this thing is not mine
Nor thine to hinder,
For the custom is full old,
And here in Nineveh have I beheld
Many a singer pass and take his place
In those dim halls where no man troubleth
His sleep or song.
And many a one hath sung his songs
More craftily, more subtle-souled than I;
And many a one now doth surpass
My wave-worn beauty with his wind of flowers,
Yet am I poet, and upon my tomb
Shall all men scatter rose leaves
Ere the night slay light
With her blue sword.
"It is not, Raana, that my song rings highest
Or more sweet in tone than any, but that I
Am here a Poet, that doth drink of life
As lesser men drink wine."
E ASSIM EM NÍNIVE
“Sim, sou um poeta e sobre a minha tumba
Donzelas hão de espalhar pétalas de rosas
E os homens, mirto, antes que a noite
Degole o dia com a espada escura.
“Vê! Não cabe a mim
Nem a ti objetar,
Pois o costume é antigo
E aqui em Nínive já observei
Mais de um cantor passar e ir habitar
O horto sombrio onde ninguém perturba
Seu sono ou canto.
E mais de um cantou suas canções
Com mais arte e mais alma do que eu;
E mais de um agora sobrepassa
Com seu laurel de flores
Minha beleza combalida pelas ondas,
Mas eu sou um poeta e sobre a minha tumba
Todos os homens hão de espalhar pétalas de rosas
Antes que a noite mate a luz
Com sua espada azul.
“Não é, Raana, que eu soe mais alto
Ou mais doce que os outros. É que eu
Sou um Poeta, e bebo vida
Como os homens menores bebem vinho.”
Do livro:
POUND, E. Antologia poética de Ezra Pound. Organização, apresentações e traduções por CAMPOS, A.; CAMPOS, H.; FAUSTINO, M.; H; PIGNATARI, D.; GRÜNEWALD, J.L. Lisboa: Ulisséia, 1968.
AND THUS IN NINEVEH
"Aye! I am a poet and upon my tomb
Shall maidens scatter rose leaves
And men myrtles, ere the night
Slays day with her dark sword.
"Lo! this thing is not mine
Nor thine to hinder,
For the custom is full old,
And here in Nineveh have I beheld
Many a singer pass and take his place
In those dim halls where no man troubleth
His sleep or song.
And many a one hath sung his songs
More craftily, more subtle-souled than I;
And many a one now doth surpass
My wave-worn beauty with his wind of flowers,
Yet am I poet, and upon my tomb
Shall all men scatter rose leaves
Ere the night slay light
With her blue sword.
"It is not, Raana, that my song rings highest
Or more sweet in tone than any, but that I
Am here a Poet, that doth drink of life
As lesser men drink wine."
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