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8.11.13

Entrevista para Pedro Vale, do jornal "Tribuna do Norte"

Eis a entrevista que dei, na semana passada, para o Pedro Vale, da Tribuna do Norte, de Natal: 





1 - O que podemos esperar da aula espetáculo que vai acontecer no dia de abertura da Feira?
Pela primeira vez, Marina e eu vamos, lado a lado, falar em público sobre nossa parceria, explicando como começou, como compomos nossas canções, de que modo nos inspiramos para compor algumas delas, o que pensamos de nosso trabalho conjunto etc. Acho que nós mesmos não sabemos bem o que esperar desse encontro, mas esperamos que dê certo e seja interessante para o público.

2 - Há diferença entre se escrever a letra de uma canção e se escrever para um livro?
Sim, pois escrevo minhas letras, em geral, para melodias já prontas, que me são dadas por meus parceiros ou parceiras. Logo, não posso deixar de levar em conta não só a própria melodia, com todas as suas sugestões, como o parceiro ou parceira em questão, e a pessoa que deverá cantar a canção final. Já quando escrevo um poema, não penso senão no que vai acontecendo na minha cabeça enquanto o escrevo.

3 - Quais os benefícios de se ter a(o) irmã(o) como parceira(o) de trabalho?
A vantagem é a intimidade que os irmãos têm. Na hora de compor e de dizer por onde achamos que a canção deve ir, é bom não ter muita cerimônia.

4 - Como a sua musicalidade influencia os seus escritos (os que, evidentemente, não sejam letras de música)?
Na verdade, não sei se sou tão musical assim. Quem é musical é a Marina. Eu faço apenas as letras. Não toco nenhum instrumento e sou inteiramente desafinado. O que acontece é que presto muita atenção ao aspecto sonoro – por exemplo, ao ritmo – da própria linguagem e, naturalmente, ao fazer um poema, sou capaz de usar qualquer um dos recursos de versificação que me ocorrerem.

5 - Quais músicos atuais você escuta e quais escritores dessa geração você lê?
Escuto, por exemplo (e por ordem alfabética) , Adriana Calcanhotto, Arnaldo Antunes, Arthur Nestrovski, Arthur Nogueira, Caetano Veloso, Cid Campos, João Bosco, José Miguel Wisnik, Leo Cavalcanti, Luis Tatit, Martinália, Péricles Cavalcanti...


6 - Que artistas, sejam de qual época e de qual mídia for, inspiraram o seu trabalho?
Muitos; por exemplo (em ordem alfabética) Anacreonte,  Baudelaire, Bob Dylan, Caetano Veloso, Calímaco, Catulo, Drummond, Hölderlin, Horácio, Rilke, Rimbaud, Shakespeare, T.S. Eliot, Vinícius, Yeats...                                                                            

7 - Como a maturidade e experiência adquiridas em décadas de fazer artístico e intelectual influenciam sua produção atual?
Não sou eu a melhor pessoa para julgar meu próprio trabalho e minha própria evolução. Não sei dizer.

8 - Depois de já ter trilhado por tantas mídias diferentes, que novidades podemos esperar de você no futuro?
Quando muito, novos poemas, novas letras e novos ensaios de filosofia.

9 - Não podemos deixar de falar das biografias não-autorizadas. Você é a favor ou contra? Por quê?

Sou contra a proibição de biografias não autorizadas. Parecem-me inconstitucionais os artigos 20 e 21 do código civil, pois contradizem o artigo 5º, inciso IV da Constituição, segundo o qual “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”, e contradizem o artigo 5º, inciso IX, segundo o qual “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. E o inciso do mesmo artigo 5º que trata da privacidade, que é o X, diz apenas que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, ASSEGURADO O DIREITO À INDENIZAÇÃO pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Ou seja, o máximo que se pode pretender é a indenização pelo dano moral, mas jamais a proibição da publicação de um texto. Assim, o que devemos lutar, no Brasil, é para que a justiça, não apenas nesse caso, mas sempre, seja mais ágil; e para que, no caso específico do “dano material ou moral” que uma biografia difamante cause no biografado, seja realmente substancial a indenização imposta ao biógrafo. Acho também que deve ser punida qualquer violação ILEGAL da privacidade de uma pessoa. Ninguém tem o direito, por exemplo, de violar minha correspondência ou de clandestinamente escutar minhas conversas telefônicas.  

21.10.13

Gustavo Binenbojm: "Falso dilema"




Creio que o melhor artigo que li sobre a questão das biografias foi o seguinte, do professor Gustavo Binenbojm, publicado ontem em O Globo:




Falso dilema
Gustavo Binenbojm
(de O Globo - 20/10/2013)

O debate que se instaurou no Brasil sobre a possibilidade de publicação de  obras biográficas sem o consentimento dos personagens biografados  tem sido pautado por uma falsa dicotomia entre liberdade de expressão e direito à privacidade. Não é disso que se trata. A questão é mais singela do que um suposto dilema filosófico entre a livre circulação de ideias e informações e a soberania do individuo sobre sua vida privada.

O problema em discussão é o seguinte: tem o indivíduo o monopólio sobre a narrativa da sua trajetória de vida? Ao exigir a prévia autorização do biografado (ou de seus herdeiros) para a divulgação de escritos a seu respeito, o art. 20 do Código Civil responde que sim. Note-se que não se está aqui a cogitar do conteúdo da obra; a autorização pode ou não ser concedida ao inteiro alvedrio do personagem retratado, sem relação necessária com a proteção de sua intimidade. Cuida-se apenas do agrado ou desagrado do protagonista dos fatos com a versão do biógrafo.

Embora editado já na plena vigência da Constituição democrática de 1988, o Código Civil (que é uma lei ordinária) criou um monopólio das autobiografias no país. Salvo com o beneplácito, quase sempre oneroso e parcial do biografado, as heterobiografias são um gênero virtualmente banido entre nós. Além das cifras vultosas negociadas muitas vezes por puro interesse argentário, a lei em vigor gera ao menos dois outros efeitos nocivos ao chamado livre mercado de ideias:

( 1) um efeito silenciador, que condena anos e anos de pesquisas sérias e responsáveis dos autores aos escaninhos das editoras;

(II) um efeito distorsivo, resultante da filtragem de documentos e depoimentos pelo crivo do biografado.

Surge então o argumento da preservação da vida privada dos biografados. Trata-se de um falso argumento. Ninguém está a defender a prática de atos ilícitos por parte de pesquisadores, historiadores ou escritores. Não se cogita da subtração de documentos reservados, da invasão de computadores que contenham dados sigilosos, da violação de comunicação privada, nem do ingresso em recintos domiciliares, que representam o asilo inviolável do indivíduo. O trabalho de pesquisa histórica se realiza no limite da legalidade, pelo resgate de depoimentos esquecidos, por entrevistas com pessoas envolvidas nos fatos em apuração, pela busca lícita de documentos em arquivos públicos ou privados.

Um jurista português me disse certa vez, com aquele raciocínio literal e cortante que é próprio da cultura lusitana: “O anonimato é para os anônimos!”. O raciocínio inverso, no entanto, não pode ser levado ao extremo. É claro que pessoas públicas não têm a sua esfera de privacidade e intimidade reduzida a zero. Como todos nós, elas tomam decisões soberanas sobre as informações de sua vida privada que desejam tornar públicas ou manter sob reserva. Mas, como todos nós, elas não detêm controle absoluto sobre as informações que possam ser legalmente apuradas ou voluntariamente reveladas pelos seus detentores.

A vida de figuras públicas é parte integrante da historiografia social. Contá-la é um direito de todos, independentemente de censura ou licença, como assegura a Constituição. Conhecê-la é uma forma de controle social sobre o poder e a influência que tais figuras exercem sobre todos os cidadãos. O mecanismo da autorização prévia, forma velada de censura privada, é simplesmente inconstitucional.



Gustavo Binenbojm é professor da Faculdade de  Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro  e advogado da Associação Nacional dos Editores de  Livros