54
A Geometria é a maior Magia
Para a imaginação do mago —
Cujos prodígios, meros atos,
A humanidade prestigia.
54
Best Witchcraft is Geometry
To the magician’s mind—
His ordinary acts are feats
To thinking of mankind.
BLOG DE ANTONIO CICERO: poesia, arte, filosofia, crítica, literatura, política
54
A Geometria é a maior Magia
Para a imaginação do mago —
Cujos prodígios, meros atos,
A humanidade prestigia.
54
Best Witchcraft is Geometry
To the magician’s mind—
His ordinary acts are feats
To thinking of mankind.
Primavera
A primavera enferma expulsou sem clemência
O inverno lúcido, estação de arte serena,
E no meu ser, que ao sangue obscuro se condena,
Num longo bocejar se espreguiça a impotência.
Crepúsculos sem cor amornam-me a cabeça,
Velha tumba que cinge um círculo de ferro,
E, amargo, atrás de um sonho vago e belo eu erro
Pelos trigais, onde se exibe a seiva espessa.
Exausto, eu tombo enfim entre árvores e olores,
E, cavando uma fossa para o sonho, a boca
Mordendo a terra quente onde germinam flores,
Espero que o meu tédio, aos poucos, vá-se embora…
– Porém, do alto, o Azul ri sobre a revoada louca
Dos pássaros em flor que gorjeiam à aurora.
Le printemps maladif a chassé tristement
L'hiver, saison de l'art serein, l'hiver lucide,
Et, dans mon être à qui le sang morne préside
L'impuissance s'étire en un long bâillement.
Des crépuscules blancs tiédissent sous mon crâne
Qu'un cercle de fer serre ainsi qu'un vieux tombeau
Et triste, j'erre après un rêve vague et beau,
Par les champs où la sève immense se pavane
Puis je tombe énervé de parfums d'arbres, las,
Et creusant de ma face une fosse à mon rêve,
Mordant la terre chaude où poussent les lilas,
J'attends, en m'abîmant que mon ennui s'élève...
- Cependant l'Azur rit sur la haie et l'éveil
De tant d'oiseaux en fleur gazouillant au soleil.
MALLARMÉ, Stéphane. "Renouveau" / "Primavera". In: CAMPOS, Augusto. (Org. e trad.) Poesia da recusa. São Paulo: Perspectiva, 2006.
Solidão
A solidão é como a chuva que brota
do mar para o cair da tarde;
da planície distante e remota
para o céu, que sempre a adota.
E só então recai do céu sobre a cidade.
Ela chove,
entre as horas, a seu despeito,
quando todos os becos buscam a madrugada
e quando os corpos, que não encontraram nada,
quedam-se juntos, tristes e frios,
e os que se odeiam, rosto contrafeito,
têm de dormir no mesmo leito:
aí a solidão flui como os rios...
Einsamkeit
Die Einsamkeit ist wie ein Regen.
Sie steigt vom Meer den Abenden entgegen;
von Ebenen, die fern sind und entlegen,
geht sie zum Himmel, der sie immer hat.
Und erst vom Himmel fällt sie auf die Stadt.
Regnet hernieder in den Zwitterstunden,
wenn sich nach Morgen wenden alle Gassen
und wenn die Leiber, welche nichts gefunden,
enttäuscht und traurig von einander lassen;
und wenn die Menschen, die einander hassen,
in einem Bett zusammen schlafen müssen:
dann geht die Einsamkeit mit den Flüssen...
RILKE, Rainer Maria. "Einsamkeit" / "Solidão". In: CAMPOS, Augusto de (trad. e org.). Coisas e anjos de Rilke. São Paulo: Perspectiva, 2013.
Neste meu ofício ou arte
Neste meu ofício ou arte
Soturna e exercida à noite
Quando só a lua ulula
E os amantes se deitaram
Com suas dores em seus braços,
Eu trabalho à luz que canta
Não por glória ou pão, a pompa
Ou o comércio de encantos
Sobre os palcos de marfim
Mas pelo mero salário
Do seu coração mais raro.
Não para o orgulhoso à parte
Da lua ululante escrevo
Nestas páginas de espuma
Nem aos mortos como torres
Com seus rouxinóis e salmos
Mas para os amantes, braços
Cingindo as dores do tempo,
Que não pagam, louvam, nem
Sabem do meu ofício ou arte.
In my craft or sullen art
In my craft or sullen art
Exercised in the still night
When only the moon rages
And the lovers lie abed
With all their griefs in their arms,
I labour by singing light
Not for ambition or bread
Or the strut and trade of charms
On the ivory stages
But for the common wages
Of their most secret heart.
Not for the proud man apart
From the raging moon I write
On these spindrift pages
Nor for the towering dead
With their nightingales and psalms
But for the lovers, their arms
Round the griefs of the ages,
Who pay no praise or wages
Nor heed my craft or art.
THOMAS, Dylan. "In my craft or sullen art" / "Neste meu ofício ou arte". In: CAMPOS, Augusto de (org. e trad.). Poesia da recusa. São Paulo: Perspectiva, 2006.
Do Canto III
72
Não vivo por mim mesmo. Sou só um
Elo do que me cerca, mas se a altura
Das montanhas enleva-me, o zum-zum
Das cidades humanas me tortura.
A criação só errou na criatura
Presa à carne, onde paro, relutante,
Buscando, libertada a alma pura,
Mesclar-me ao céu, aos montes, ao ondeante
Plaino do oceano, às estrelas, e ir adiante.
Morgue
Estão prontos, ali, como a esperar
que um gesto só, ainda que tardio,
possa reconciliar com tanto frio
os corpos e um ao outro harmonizar;
como se algo faltasse para o fim.
Que nome no seu bolso já vazio
há por achar? Alguém procura, enfim,
enxugar dos seus lábios o fastio:
em vão; eles só ficam mais polidos.
A barba está mais dura, todavia
ficou mais limpa ao toque do vigia,
para não repugnar o circunstante.
Os olhos, sob a pálpebra, invertidos,
olham só para dentro, doravante.
Morgue
Da liegen sie bereit, als ob es gälte,
nachträglich eine Handlung zu erfinden,
die mit einander und mit dieser Kälte
sie zu versöhnen weiß und zu verbinden;
denn das ist alles noch wie ohne Schluß.
Was für ein Name hätte in den Taschen
sich finden sollen? An dem Überdruß
um ihren Mund hat man herumgewaschen:
er ging nicht ab; er wurde nur ganz rein.
Die Bärte stehen, noch ein wenig härter,
doch ordentlicher im Geschmack der Wärter,
nur um die Gaffenden nicht anzuwidern.
Die Augen haben hinter ihren Lidern
sich umgewandt und schauen jetzt hinein.