Mostrando postagens com marcador Augusto de Campos. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Augusto de Campos. Mostrar todas as postagens

1.4.22

Emily Dickinson: "Best Witchcraft is Geometry" / "A Geometria é a maior Magia": trad. de Augusto de Campos

 



54


A Geometria é a maior Magia

Para a imaginação do mago —

Cujos prodígios, meros atos,

A humanidade prestigia.




54


Best Witchcraft is Geometry

To the magician’s mind—

His ordinary acts are feats

To thinking of mankind.








DICKINSON, Emily. "Best Witchcraft is Geometry" / "A Geometria é a maior Magia". In:_____.  Não sou ninguém. Poemas. Trad. por Augusto de Campos. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2015.

9.12.21

Stéphane Mallarmé: "Renouveau" / "Primavera"

 



Primavera



 A primavera enferma expulsou sem clemência

 O inverno lúcido, estação de arte serena,

 E no meu ser, que ao sangue obscuro se condena,

 Num longo bocejar se espreguiça a impotência.


 Crepúsculos sem cor amornam-me a cabeça,

 Velha tumba que cinge um círculo de ferro,

 E, amargo, atrás de um sonho vago e belo eu erro

 Pelos trigais, onde se exibe a seiva espessa.


 Exausto, eu tombo enfim entre árvores e olores,

 E, cavando uma fossa para o sonho, a boca

 Mordendo a terra quente onde germinam flores,


 Espero que o meu tédio, aos poucos, vá-se embora…

 –  Porém, do alto, o Azul ri sobre a revoada louca

 Dos pássaros em flor que gorjeiam à aurora.






Renouveau


Le printemps maladif a chassé tristement

L'hiver, saison de l'art serein, l'hiver lucide,

Et, dans mon être à qui le sang morne préside

L'impuissance s'étire en un long bâillement.


Des crépuscules blancs tiédissent sous mon crâne

Qu'un cercle de fer serre ainsi qu'un vieux tombeau

Et triste, j'erre après un rêve vague et beau,

Par les champs où la sève immense se pavane


Puis je tombe énervé de parfums d'arbres, las,

Et creusant de ma face une fosse à mon rêve,

Mordant la terre chaude où poussent les lilas,


J'attends, en m'abîmant que mon ennui s'élève...

- Cependant l'Azur rit sur la haie et l'éveil

De tant d'oiseaux en fleur gazouillant au soleil.





MALLARMÉ, Stéphane. "Renouveau" / "Primavera". In: CAMPOS, Augusto. (Org. e trad.) Poesia da recusa. São Paulo: Perspectiva, 2006.




10.9.21

Rainer Maria Rilke: "Einsamkeit" / "Solidão": trad. de Augusto de Campos

 



Solidão



A solidão é como a chuva que brota

do mar para o cair da tarde;

da planície distante e remota

para o céu, que sempre a adota.

E só então recai do céu sobre a cidade.


Ela chove, entre as horas, a seu despeito,

quando todos os becos buscam a madrugada

e quando os corpos, que não encontraram nada,

quedam-se juntos, tristes e frios,

e os que se odeiam, rosto contrafeito,

têm de dormir no mesmo leito:


aí a solidão flui como os rios...





Einsamkeit


Die Einsamkeit ist wie ein Regen.

Sie steigt vom Meer den Abenden entgegen;

von Ebenen, die fern sind und entlegen,

geht sie zum Himmel, der sie immer hat.

Und erst vom Himmel fällt sie auf die Stadt.


Regnet hernieder in den Zwitterstunden,

wenn sich nach Morgen wenden alle Gassen

und wenn die Leiber, welche nichts gefunden,

enttäuscht und traurig von einander lassen;

und wenn die Menschen, die einander hassen,

in einem Bett zusammen schlafen müssen:


dann geht die Einsamkeit mit den Flüssen...





RILKE, Rainer Maria. "Einsamkeit" / "Solidão". In: CAMPOS, Augusto de (trad. e org.). Coisas e anjos de Rilke. São Paulo: Perspectiva, 2013.

12.4.21

Dylan Thomas: "In my craft or sullen art" / "Neste meu ofício ou arte": trad. de Augusto de Campos

 



Neste meu ofício ou arte



Neste meu ofício ou arte

Soturna e exercida à noite

Quando só a lua ulula

E os amantes se deitaram

Com suas dores em seus braços,

Eu trabalho à luz que canta

Não por glória ou pão, a pompa

Ou o comércio de encantos

Sobre os palcos de marfim

Mas pelo mero salário

Do seu coração mais raro.


Não para o orgulhoso à parte

Da lua ululante escrevo

Nestas páginas de espuma

Nem aos mortos como torres

Com seus rouxinóis e salmos

Mas para os amantes, braços

Cingindo as dores do tempo,

Que não pagam, louvam, nem

Sabem do meu ofício ou arte.



In my craft or sullen art



In my craft or sullen art

Exercised in the still night

When only the moon rages

And the lovers lie abed

With all their griefs in their arms,

I labour by singing light

Not for ambition or bread

Or the strut and trade of charms

On the ivory stages

But for the common wages

Of their most secret heart.


Not for the proud man apart

From the raging moon I write

On these spindrift pages

Nor for the towering dead

With their nightingales and psalms

But for the lovers, their arms

Round the griefs of the ages,

Who pay no praise or wages

Nor heed my craft or art.





THOMAS, Dylan. "In my craft or sullen art" / "Neste meu ofício ou arte". In: CAMPOS, Augusto de (org. e trad.).  Poesia da recusa. São Paulo: Perspectiva, 2006.

9.3.21

Lord Byron: Poem 72 of Canto III of Childe Harold / "Poema 72 do Canto III de Childe Harold: trad. por Augusto de Campos

 


Do Canto III


                      72


Não vivo por mim mesmo. Sou só um

Elo do que me cerca, mas se a altura

Das montanhas enleva-me, o zum-zum

Das cidades humanas me tortura.

A criação só errou na criatura

Presa à carne, onde paro, relutante,

Buscando, libertada a alma pura,

Mesclar-me ao céu, aos montes, ao ondeante

Plaino do oceano, às estrelas, e ir adiante.







From Canto III



                          72



I live not in myself, but I become 

Portion of that around me; and to me 

High mountains are a feeling, but the hum 

Of human cities torture: I can see 

Nothing to loathe in nature, save to be 

A link reluctant in a fleshly chain, 

Class’d among creatures, when the soul can flee, 

And with the sky, the peak, the heaving plain 

Of ocean, or the stars, mingle, and not in vain. 








BYRON, George Gordon. "72 from Canto III of Chlde Harold" / "72 do Canto III de Childe Harold..In:_____. Entreversos. Trad. de Augusto de Campos. São Paulo: Unicamp, 2009.




3.2.21

Rainer Maria Rilke: "Morge": trad. por Augusto de Campos

 



Morgue



Estão prontos, ali, como a esperar

que um gesto só, ainda que tardio,

possa reconciliar com tanto frio

os corpos e um ao outro harmonizar;


como se algo faltasse para o fim.

Que nome no seu bolso já vazio

há por achar? Alguém procura, enfim,

enxugar dos seus lábios o fastio:


em vão; eles só ficam mais polidos.

A barba está mais dura, todavia

ficou mais limpa ao toque do vigia,


para não repugnar o circunstante.

Os olhos, sob a pálpebra, invertidos,

olham só para dentro, doravante.




Morgue



Da liegen sie bereit, als ob es gälte,

nachträglich eine Handlung zu erfinden,

die mit einander und mit dieser Kälte

sie zu versöhnen weiß und zu verbinden;

 

denn das ist alles noch wie ohne Schluß.

Was für ein Name hätte in den Taschen

sich finden sollen? An dem Überdruß

um ihren Mund hat man herumgewaschen:

 

er ging nicht ab; er wurde nur ganz rein.

Die Bärte stehen, noch ein wenig härter,

doch ordentlicher im Geschmack der Wärter,

 

nur um die Gaffenden nicht anzuwidern.

Die Augen haben hinter ihren Lidern

sich umgewandt und schauen jetzt hinein.









RILKE, Rainer Maria. "Morgue". In: CAMPOS, Augusto de. Coisas e anjos de Rilke.  São Paulo: Perspectiva, 2013.

26.5.20

Rainer Maria Rilke: "Initiale" / "Inicial": trad. de Augusto de Campos




Inicial

Deixe a sua beleza se mostrar
sem cálculo e sem fala.
Ela diz por você: eu sou. Você se cala.
E ela se manifesta de mil modos
e enfim atinge a todos.






Initiale

Gieb deine Schönheit immer hin
ohne Rechnen und Reden.
Du schweigst. Sie sagt für dich: Ich bin.
Und kommt in tausendfachem Sinn,
kommt endlich |über jeden.





RILKE, Rainer Maria. "Initiale" / "Inicial". In: CAMPOS, Augusto de (org. e trad.). Coisas e anjos de Rilke. São Paulo: Perspectiva, 2013. 

27.1.20

Emily Dickinson: "7": trad. de Augusto de Campos




7


Êxtase – grão por grão –
Paga-se com sofrer
A Dor em proporção
Ao prazer –

Cada hora de ardor –
Anos de desencanto –
Com moedas sem valor –
Cofres de Pranto!




7


For each ecstatic instant
We must an anguish pay
In keen and quivering ratio
To the ecstasy – 

For each beloved hour
Sharp pittances of years –
Bitter contested farthings –
And Coffers heaped with Tears!




DICKINSON, Emily. "7". In:_____. Não sou ninguém. Traduções de Augusto de Campos. Caompinas: Editora da Unicamp, 2015.

8.12.19

Jorge Luis Borges: "Spinoza": trad. de Augusto de Campos




Spinoza


As translúcidas mãos desse judeu
Em meio à sombra lavram os cristais.
É medo e frio a tarde que morreu
(E às tardes as tardes são iguais.)

Tanto as mãos como o espaço de jacinto
Que empalidece no confim do Gueto
Quase inexistem para o homem quieto
Que está sonhando um claro labirinto.

Nem o perturba a gloria, esse reflexo
Dos reflexos do sonho de outro espelho,
Nem o amor temeroso das donzelas.

Liberto da metáfora e do mito
Lavra um árduo cristal: o infinito
Mapa do Ser que é todas as estrelas.





Spinoza


Las traslúcidas manos del judío
Labran en la penumbra los cristales
Y la tarde que muere es miedo y frío.
(Las tardes a las tardes son iguales.)

Las manos y el espacio de jacinto
Que palidece en el confín del Ghetto
Casi no existen para el hombre quieto
Que está soñando un claro laberinto.

No lo turba la fama, ese reflejo
De sueños en el sueño de otro espejo,
Ni el temeroso amor de las doncellas.

Libre de la metáfora y del mito
Labra un arduo cristal: el infinito
Mapa de Aquel que es todas Sus estrellas.






BORGES, Jorge Luis. "Spinoza". In:_____. Quase Borges. 20 poemas e uma entrevista. Traduções de Augusto de Campos. São Paulo: Terracota, 2013.

2.10.19

Vielimir Klébnikov: "Uma vez mais, uma vez mais": trad. de Augusto de Campos




Uma vez mais, uma vez mais
Sou para você
Uma estrela. Ai do marujo que tomar
O ângulo errado de marear
Por uma estrela:
Ele se despedaçará nas rochas,
Nos bancos sob o mar.
Ai de você, por tomar
O ângulo errado de amar
Comigo: você
Vai se despedaçar nas rochas
E as rochas hão de rir
Por fim
Como você riu
De mim.




KLÉBNIKOV, Vielimir. "Uma vez mais, uma vez mais". Trad. de Augusto de Campos. In: CAMPOS, Augusto de; CAMPOS, Haroldo de; SCHNAIDERMAN, Boris (organizadores e tradutores). Poesia russa moderna. São Paulo: Perspectiva, 2012.

11.6.19

Emily Dickinson: "Fame is a bee" / "A Fama é uma abelha"




79

A Fama é uma abelha.
   Tem um estribilho –
Um ferrão em brasa –
   Ah! também tem asa.





79

Fame is a bee.
   It has a song –
It has a sting –
   Ah, too, it has a wing.







DICKINSON,  Emily. "Fame is a bee" \ "A Fama é uma abelha". In:_____. Não sou ninguém. Trad. de Augusto de Campos. Campinas: Editora da Unicamp, 2008.

16.5.19

Jorge Luis Borges: "El ciego" / "O cego": trad. de Augusto de Campos




O cego

I

Foi despojado do diverso mundo,
Dos rostos, que ainda são o que eram antes,
Das ruas próximas, hoje distantes,
E do côncavo azul, ontem profundo.

Dos livros lhe restou só o que deixa
A memória, essa fórmula do olvido
Que o formato retém, não o sentido,
E que apenas os títulos enfeixa.

O desnível espreita. Cada passo
Pode levar à queda. Sou o lento
Prisioneiro de um tempo sonolento

Que não registra aurora nem ocaso.
É noite. Não há outros. Com o verso
Lavro este meu insípido universo.





El ciego

II

Lo han despojado del diverso mundo,
De los rostros, que son lo que eran antes.
De las cercanas calles, hoy distantes,
Y del cóncavo azul, ayer profundo.

De los libros le queda lo que deja
La memoria, esa forma del olvido
Que retiene el formato, no el sentido,
Y que los meros títulos refleja.

El desnivel acecha. Cada paso
Puede ser la caída. Soy el lento
Prisionero de un tiempo soñoliento

Que no marca su aurora ni su ocaso.
Es de noche. No hay otros. Con el verso
Debo labrar mi insípido universo.




BORGES, Jorge Luis. "El ciego" / "O cego". In: CAMPOS, Augusto de. (Org. e trad.). Quase Borges. 20 poemas e uma entrevisa. São Paulo: Terracota, 2013. 

5.5.18

Hart Crane: "Medusa": trad. de Augusto de Campos




Medusa



“Caia comigo

Nas estrelas frígidas

Caia comigo

Na luz do delírio

Mergulhe

Onde não há canção

Salvo as cãs dos ventos velhos.


Siga-me

Até o fim,

Até o caos estonteante

O eterno caos fervente

Dos meus cabelos!


Contemple a sua amante, –

Pedra!”




Medusa


"Fall with me

Through the frigid stars:

Fall with me

Through the raving light: –

Sink

Where is no song

But only the white hair of aged winds.



Follow

Into utterness,

Into dizzying chaos, –

The eternal boiling chaos

Of my locks!



Behold thy lover, -

Stone!"





CRANE, Hart. "Medusa". In: CAMPOS, Augusto de (org. e trad.). Poesia da recusa. São Paulo: Perspectiva, 2006.

3.5.18

Jorge Luis Borges: "Laberinto" / "Labirinto": trad. de Augusto de Campos



Labirinto

Não haverá nunca uma porta. Já estás dentro.
E o alcácer abarca o universo
E não tem anverso nem reverso
Não tem extremo muro nem secreto centro.

Não esperes que o rigor do teu caminho
Que fatalmente se bifurca em outro,
Que fatalmente se bifurca em outro,
Terá fim. É de ferro teu destino

Como o juiz. Não creias na investida
Do touro que é um homem cuja estranha
Forma plural dá horror a essa maranha

De interminável  pedra entretecida.
Não virá. Nada esperes. Nem te espera
No negro crepúsculo uma fera.





Laberinto

No habrá nunca una puerta. Estás adentro
Y el alcázar abarca el universo
Y no tiene ni anverso ni reverso
Ni externo muro ni secreto centro.

No esperes que el rigor de tu camino
Que tercamente se bifurca en otro,
Que tercamente se bifurca en otro,
Tendrá fin. Es de hierro tu destino

Como tu juez. No aguardes la embestida
Del toro que es un hombre y cuya extraña
Forma plural da horror a la maraña

De interminable piedra entretejida.
No existe. Nada esperes. Ni siquiera
En el negro crepúsculo la fiera.




BORGES, Jorge Luis. "Laberinto" / "Labirinto". In: CAMPOS, Augusto de. Quase Borges. 20 transpoemas e uma entrevista (organização e tradução). São Paulo: Terracota, 2013.

21.4.18

Aleksandr Blok: "Do ciclo 'Dança da morte'": trad. de Augusto de Campos



Do ciclo Dança da morte

Noite. Fanal. Rua. Farmácia.
Uma luz estúpida e baça.
Ainda que vivas outra vida,
Tudo é igual. Não há saída.

Morres – e tudo recomeça,
E se repete a mesma peça:
Noite – rugas de gelo no canal.
Farmácia. Rua. Fanal.




BLOK, Aleksandr. "Do ciclo Dança da morte". Trad. de Augusto de Campos. In: CAMPOS, Augusto de; CAMPOS, Haroldo de; SCHNAIDERMAN, Boris (organizadores e tradutores). Poesia russa moderna. São Paulo: Perspectiva, 2012.

19.12.17

Rainer Maria Rilke: "Der Panther" / "A pantera": trad. de Augusto de Campos



A pantera
                        No Jardin des Plantes, Paris

De tanto olhar as grades seu olhar
esmoreceu e nada mais aferra.
Como se houvesse só grades na terra:
grades, apenas grades para olhar.

A onda andante e flexível do seu vulto
em círculos concêntricos decresce,
dança de força em torno a um ponto oculto
no qual um grande impulso se arrefece.

De vez em quando o fecho da pupila
se abre em silêncio. Uma imagem, então,
na tensa paz dos músculos se instila
para morrer no coração.




Der Panther

                                   Im Jardin des Plantes, Paris

Sein Blick ist vom Vorübergehn der Stäbe
so müd geworden, daß er nichts mehr hält.
Ihm ist, als ob es tausend Stäbe gäbe
und hinter tausend Stäben keine Welt.

Der weiche Gang geschmeidig starker Schritte,
der sich im allerkleinsten Kreise dreht,
ist wie ein Tanz von Kraft um eine Mitte,
in der betäubt ein großer Wille steht.

Nur manchmal schiebt der Vorhang der Pupille
sich lautlos auf — Dann geht ein Bild hinein,
geht durch der Glieder angespannte Stille —
und hört im Herzen auf zu sein.



RILKE, Rainer Maria. "Der Panther". Trad. de Augusto de Campos In: Coisas e anjos de Rilke. 130 poemas traduzidos. Trad. e org. de Augusto de Campos. São Paulo: Perspectiva, 2013.

4.12.17

Dylan Thomas: "And death shall have no dominion" / "E a morte não terá domínio"



Eu já havia publicado o extraordinário poema "And death shall have no dominion", de Dylan Thomas, e a bela tradução de Augusto de Campos, mas agora resolvi republicá-los, colocando, entre o original e a tradução, um vídeo, retirado do YouTube, em que se ouve a voz de Dylan Thomas. Leiam e ouçam:



And death shall have no dominion

And death shall have no dominion.
Dead man naked they shall be one
With the man in the wind and the west moon;
When their bones are picked clean and the clean bones gone,
They shall have stars at elbow and foot;
Though they go mad they shall be sane,
Though they sink through the sea they shall rise again;
Though lovers be lost love shall not;
And death shall have no dominion.

And death shall have no dominion.
Under the windings of the sea
They lying long shall not die windily;
Twisting on racks when sinews give way,
Strapped to a wheel, yet they shall not break;
Faith in their hands shall snap in two,
And the unicorn evils run them through;
Split all ends up they shan't crack;
And death shall have no dominion.

And death shall have no dominion.
No more may gulls cry at their ears
Or waves break loud on the seashores;
Where blew a flower may a flower no more
Lift its head to the blows of the rain;
Though they be mad and dead as nails,
Heads of the characters hammer through daisies;
Break in the sun till the sun breaks down,
And death shall have no dominion.










E a morte não terá domínio

E a morte não terá domínio.
Nus, os mortos há de ser um.
Com o homem ao léu e a lua em declínio.
Quando os ossos são só ossos que se vão,
Estrelas nos cotovelos e nos pés;
Mesmo se loucos, há de ser sãos,
Do fundo do mar ressuscitarão
Amantes podem ir, o amor não.
E a morte não terá domínio.

E a morte não terá domínio.
Sob os turvos torvelinhos do mar
Os que jazem já não morrerão ao vento,
Torcendo-se nos ganchos, nervos a desfiar,
Presos a uma roda, não se quebrarão,
A fé em suas mãos dobrará de alento,
E os males do unicórnio perderão o fascínio,
Esquartejados não se racharão
E a morte não terá domínio.

E a morte não terá domínio.
Os gritos das gaivotas não mais se ouvirão
Nem as ondas altas quebrarão nas praias.
Onde uma flor brotou não poderá outra flor
Levantar a cabeça às lufadas da chuva;
Embora sejam loucas e mortas como pregos,
Testas tenazes martelarão entre margaridas:
Irromperão ao sol até que o sol se rompa,
E a morte não terá domínio.




THOMAS, Dylan. "And death shall have no dominion" / "E a morte não terá domínio". Trad. Augusto de Campos. In:_____. CAMPOS, Augusto de. Poesia da recusa. São Paulo: Perspectiva, 2006.




21.11.17

Emily Dickinson: "Our share of night to bear" / "Nossa porção de noite": Trad. de Augusto de Campos



Nossa porção de noite —
Nossa porção de aurora —
Nossa ausência de amor —
Nossa ausência de agrura —

Uma estrela, outra estrela
Que se extravia!
Uma névoa, outra névoa,
Depois – o Dia!




Our share of night to bear –
Our share of morning –
Our blank in bliss to fill
Our blank in scorning –
 
Here a star, and there a star,      
Some lose their way!
Here a mist, and there a mist,
Afterwards – day!




DICKINSON, Emily. "Our share of night to bear" / "Nossa porção de noite". In:_____. não sou ninguém. Traduções de Augusto de Campos. Campinas: Unicamp, 2015. 



Ouçam "Nossa porção de noite" musicada pelo Cid Campos e interpretada por ele e pela Adriana Calcanhotto:




3.8.17

Jorge Luis Borges: "Camden, 1982": trad. de Augusto de Campos



Camden, 1982

O cheiro do jornal e dos periódicos.
O domingo e seus tédios. A manhã
E na entrevista página essa vã
Publicação de versos alegóricos

De um colega feliz. O homem velho
Está prostrado e branco na decente
Habitação de pobre. Ociosamente
Olha seu rosto no cansado espelho.


Pensa, já sem assombro, que essa cara
É ele. Incerta, a mão acaso toca
A barba turva e a saqueada boca.

Não está longe o fim. Sua voz declara:
Quase não sou, mas os meus versos ritmam
A vida e sua glória. Sou Walt Whitman.




Camden, 1982


El olor del café y de los periódicos.
El domingo y su tedio. La mañana
Y en la entrevista página esa vana
Publicación de versos alegóricos

De un colega feliz. El hombre viejo
Está postrado y blanco en su decente
Habitación de pobre. Ociosamente
Mira su cara en el cansado espejo.

Piensa, ya sin asombro, que esa cara
Es él. La distraída mano toca
La turbia barba y saqueada boca.

No está lejos el fin. Su voz declara:
Casi no soy, pero mis versos ritman
La vida y su esplendor. Yo fui Walt Whitman.




BORGES, Jorge Luis. "Camden, 1982". In:_____. Quase Borges: 20 transpoemas e uma entrevista. Org. e trad. de Augusto de Campos. São Paulo: Terracota, 2013.

5.6.17

Emily Dickinson "The heart asks Pleasure" / "Quer-se o Prazer": trad. por Augusto de Campos



23

The heart asks Pleasure – first –
And then – Excuse from pain –
And then – those little Anodynes
That deaden suffering –
 
And then – to go to sleep–      
And then – if it should be
The will of its Inquisitor
The Luxury to die –


23

Quer-se o Prazer – antes –
Depois – não sentir Dor –
Depois – alguns Calmantes
Para lhe contrapor –

Depois – adormecer –
Depois – se bem prouver
Ao seu Inquisidor
O Luxo de morrer –



DICKINSON, Emily. "The hear asks Pleasure" / "Quer-se o prazer". In:_____. Não sou ninguém. Poemas. Trad. de Augusto de Campos. Campinas: Unicamp, 2015.