30.8.15

José Almino: "Poema"



Poema

I

Assombrosa é a nitidez do dia
Indiferente ao espanto da morte.

A reunião penitente  dos amigos
E a timidez dos afetos
Pastoreiam a ausência horrível
Nas coisas inertes.

II

O que fica para amanhã
É (quase sempre) o mesmo de hoje.
Como um sujeito oculto,
Guia
E nos exaure aos poucos.

Pouco a pouco.




ALMINO, José. "Poema". Inédito.

29.8.15

Três franceses e uma alemã

Clarisse Fukelman e Gustavo Chataignier são os curadores da seguinte homenagem aos pensadores Gilles Deleuze, Hannah Arendt, Jean-Paul Sartre e Roland Barthes:


Clique na imagem, para ampliá-la:


































Encontram-se notícias e trechos das obras dos homenageados na seguinte página do Face:




28.8.15

Rogério Batalha: "a vida"





a vida

você
precisa
inventar

o

resto
deixa
que
o
sol
FECUNDA




BATALHA, Rogério. "a vida". In:_____. Exercício de nuvens. Rio de Janeiro: TextoTerritório, 2015.

26.8.15

Augusto de Campos: "desumano"





Clique na imagem, para ampliar:



CAMPOS, Augusto de. "desumano" (2004). In:_____. Outro. São Paulo: Perspectiva, 2015.

25.8.15

Stéphane Mallarmé: "Brise marine" / "Brisa marinha": trad. Guilherme de Almeida




Brisa marinha

A carne é triste, e eu li todos os livros, todos.
Fugir! Além! Eu sei que há pássaros já doidos
Por se ver entre os céus e a espuma do alto-mar!
Nada, nem os jardins refletidos no olhar,
Retém meu coração que já no mar se aninha,
Nem, ó noites, a luz da lâmpada sozinha
Sobre o papel vazio, intangível de brilho,
E nem a mulher moça amamentando o filho.
Hei de partir! Vapor de mastros oscilantes,

Ergue a âncora para regiões extravagantes!
Um Tédio desolado, entre anseios intensos,
Ainda acredita no supremo adeus dos lenços!
E esse mastros, talvez, cheios de maus presságios,
São dos que um vento faz vagar sobre os naufrágios
Sem ilhas férteis e sem mastros de veleiros…
Mas, ó minha alma, ouve a canção dos marinheiros!



Brise marine

La chair est triste, hélas ! et j'ai lu tous les livres.
Fuir ! là-bas fuir! Je sens que des oiseaux sont ivres
D'être parmi l'écume inconnue et les cieux !
Rien, ni les vieux jardins reflétés par les yeux
Ne retiendra ce coeur qui dans la mer se trempe
Ô nuits ! ni la clarté déserte de ma lampe
Sur le vide papier que la blancheur défend
Et ni la jeune femme allaitant son enfant.
Je partirai ! Steamer balançant ta mâture,

Lève l'ancre pour une exotique nature !
Un Ennui, désolé par les cruels espoirs,
Croit encore à l'adieu suprême des mouchoirs !
Et, peut-être, les mâts, invitant les orages,
Sont-ils de ceux qu'un vent penche sur les naufrages
Perdus, sans mâts, sans mâts, ni fertiles îlots ...
Mais, ô mon coeur, entends le chant des matelots !



MALLARMÉ, Stéphane. "Brise marine". Trad. de Guilherne de Almeida. In: ALMEIDA, Guilherme (org.). Poetas de França. São Paulo: Babel, s.d.


24.8.15

O hino dos poETs




Meu querido amigo, o admirável poeta Ricardo Silvestrin, enviou-me o link para o clip, no You Tube, em que o grupo "os poETs", de que ele faz parte, canta o seu hino. Vejam:


Clique, para ouvir:









22.8.15

Miguel de Unamuno: "El cuerpo canta" / "O corpo canta": trad. Antonio Cicero





O corpo canta;
o sangue ulula;
a terra fala;
o mar murmura;
o céu se cala
e o homem escuta.




El cuerpo canta;
la sangre aúlla;
la tierra charla;
la mar murmura;
el cielo calla
y el hombre escucha.



UNAMUNO, Miguel de. Antología poética. Madrid: Espasa-Calpe, S.A., 1964.




21.8.15

Arthur Nogueira: "Sem medo nem esperança"

Arthur Nogueira estará lançando seu belíssimo disco Sem medo nem esperança no próximo domingo, 23 de agosto, com um show no SESC Belenzinho.


Clique para ampliar:






















Sobre o título do disco, tive o prazer de escrever o seguinte:

A divisa “sem esperança nem medo” – nec spe nec metu – é adotada, desde a antiguidade, por aqueles que, desprezando tanto as promessas quanto as ameaças referentes a alguma hipotética vida futura, sabem que viver o presente em toda a sua plenitude constitui o mais alto e o mais profundo fim da própria vida.

Tal é a disposição que se manifesta no topos poético do carpe diem, isto é, “colhe o dia presente!”, que se encontra, desde a antiguidade até hoje, em alguns dos maiores poemas já escritos. Assim, por exemplo, diz Paulo Mendes Campos na primeira estrofe do seu belo soneto “Tempo-eternidade”:

                  O instante é tudo para mim que, ausente
                  do segredo que os dias encadeia,
                  me abismo na canção que pastoreia
                  as infinitas nuvens do presente.


Entre outras coisas, é isso que nos delicia nas canções cantadas por Arthur Nogueira: o convite para que vivamos assim, sem medo nem esperança, mas com a coragem e o tesão de nos abismarmos no instante, nos dias, nas canções e nas infinitas nuvens do presente.

Antonio Cicero


20.8.15

Haroldo de Campos: "ideocabograma"




ideocabograma


pound attention !
joyce a minute !
finnegans wait !
don't go beckett !
anoholzwege :
i'm cummings !



mallaimé

...



CAMPOS, Haroldo de. "ideocabograma". In:_____. Crisantempo: no espaço curvo nasce um. São Paulo: Perspectiva, 2004.

17.8.15

Antonio Cicero: "História"





História

A história, que vem a ser?
mera lembrança esgarçada
algo entre ser e não-ser:
noite névoa nuvem nada.
Entre as palavras que a gravam
e os desacertos dos homens
tudo o que há no mundo some:
Babilônia Tebas Acra.
Que o mais impecável verso
breve afunda feito o resto
(embora mais lentamente
que o bronze, porque mais leve)
sabe o poeta e não o ignora
ao querê-lo eterno agora.



CICERO, Antonio. "História". In:_____. A cidade e os livros. Rio de Janeiro: Record, 2002.

16.8.15

Nelson Motta homenageia Marina Lima




Na semana passada, Nelsinho Motta fez uma bela homenagem à Marina Lima, no Jornal da Globo. Abaixo, vocês encontrarão o link para ela.

Aproveito para corrigir apenas um pequeno equívoco. Ao contrário do que Nelsinho pensava, Marina não nasceu no Piaui. Nossos pais são, de fato, piauienses, porém não se conheceram lá, mas no Rio de Janeiro, onde namoraram, casaram-se e tiveram seus filhos. Mas isso é um detalhe. A homenagem de Nelsinho é linda.

13.8.15

Manuel Joaquim Ribeiro: "Mais pode o sol deixar de ser luzente"





Mais pode o Sol deixar de ser luzente,
E com a noite misturar-se o dia;
Ser a calma, bem como a neve fria,
E ser por natureza o gelo quente:

Mais pode o mar de ser movente,
E de ser rocha a bruta penedia,
Tornar-se em trevas tudo o que alumia,
E a mesma terra ser resplandecente:

Mais pode o mundo em nada ser desfeito
A matéria perder a gravidade,
Deixar o fogo de queimar o efeito:

Mais pode, enfim, ser sombra a claridade,
Que eu deixar de sentir no terno peito
O golpe que me fere da saudade.



RIBEIRO, Manuel Joaquim. "Mais pode o sol deixar de ser luzente". In: AMORA, Antonio Soares (org.). Panorama da poesia brasileira, vol.1. Era luso-brasileira (séculos XVI-c. XIX). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1959.

11.8.15

Moshé Ibn Ezra: "São túmulos de tempos antigos, velhos"

Moshé Ibn Ezra viveu em Granada, de 1055 a 1135.




São túmulos de tempos antigos, velhos.
Neles há gente que dorme um sono eterno.
Nem ódio, nem inveja há no seu interior,
nem amor, nem zangas de vizinhos.
Os meus pensamentos não podem, quando os veem,
distinguir entre servos e senhores.



EZRA, Moshé Ibn. “São túmulos de tempos antigos, velhos”. Versão de Francisco José Viegas, tradução do hebraico de Maria José Cano. In: VIEGAS, Francisco José (org.). Cem poemas para savar a nossa vida, vol.1. Lisboa: Quetzal, 2014.

9.8.15

Salgado Maranhão: "Viajor"




Viajor

caminho no torrão
onde a língua guardou
seus trapos; sua
vertigem de lírios
e sermões. Sigo

à deriva,
entre fogueiras e degelo,
neste voo escarrado de abismo
e santidade.

Sou o viajor que carrega
a seara mítica
e a liturgia do fogo.

Sonhei uma aldeia
de vinhas
                 (ou um barco
arrancado aos piratas?)

 e tenho só este sol
que me queima a língua;
e tenho só esta sede inflamável
misturada ao sangue
dos bichos.

Estou contaminado de esquinas
e devires.



MARANHÃO, Salgado. "Viajor". In:_____. "Chão de mitos". In:_____. Ópera de nãos. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2015.

7.8.15

Luís Miguel Nava: "Há uma pedra feroz"





Há uma pedra feroz

Há uma pedra feroz,
um rapaz,
há o olhar do rapaz atado à pedra,
o olhar do rapaz, a minha casa,
o olhar do rapaz às vezes é a pedra.



NAVA, Luís Miguel. "Há uma pedra feroz". In_____. "Onde a nudez". In:_____. Poesia completa. 1979-1994. Org. de Gastão Cruz. Lisboa: Dom Quixote, 2002.

3.8.15

Waly Salomão: "Fallax opus"





FALLAX OPUS

OBRA ENGANADORA
                   
           Como se fosse dialogando com Zé Celso Martinez Correia


– Falar é fogo-fátuo

Chego e constato:
– Teatro não se explica
Teatro é ato

Afônico sim, afásico não
Eu, poeta, perco a voz
E quase me some o nume
Ícaro caído
Asas crestadas pelo sol
Dos refletores
Caricatura de Ícaro
Sapecado

Estatelado no átrio pergunto:
– Aonde eu entro?
Onde eu entro?

Um eco cavo cavernoso retruca:
– No entreato
No entreato
No entreato



SALOMÃO, Waly. "Fallax opus". In:_____. Poesia total. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.

1.8.15

Leandro Jardim: "Indisfarce"





Indisfarce

Não me ilumina a ideia
de falar apenas
aos poucos doutos,

nem me inebria o fardo
do entendimento pleno
que se precisa raso.

Sigo cambaleante
o equilíbrio errante
do que é profundo e claro,

como o que farta aos grandes
e é a mim tão raro
– disse o aspirante.



JARDIM, Leandro. "Indisfarce". In:_____. Peomas. Rio de Janeiro: Oito e Meio, 2014.