30.7.20

Adriano Nunes: "Cânone mínimo"


É com grande prazer que publico aqui o novíssimo poema de Adriano Nunes:


Cânone mínimo



Volto a Voltaire
E depois parto
Para Pasárgada.
Pouco me importa
Que dê em nada.
Que puis-je faire?

De gole em gole,
Gullar engulo.
De pulo em pulo,
Alcanço os Paulos,
Jorges, Joãos,
Sem queixas, juro.

Cecília, Emily,
Ana, Sophia,
Florbela, Safo,
E mais poetas
Fazem meu dia!
Vale o Vallias.

Rumino os russos.
Já com Drummond
Tranquilo durmo
Um sono grego,
Meio moderno.
Lê-los? tão bom!

Augusto, Arnaldo
E os concretistas:
Lindos seus livros!
Atiro ao Inferno
O Dante mesmo
Mal traduzido.

Melhor Cervantes
Antes que isso
Tudo termine.
E numa boa
Amo Pessoa.
O pensar voa!

O mestre Whitman
Também me instiga.
E quase até
Já Baudelaire
Esqueço a esmo!
Que fatal erro!

Logo me agrego
Mais aos latinos,
De versos finos.
Antonio Cicero
Está comigo
Desde o princípio.

De Goethe, gosto
Muito, e me assanha
Tanto Montaigne -
Fico até tonto!
A lista é longa,
A vida é breve.

Dou-me a sonhos?
Huidobro em dobro.
Tudo é íntimo,
Mundos sem fim.
Sigo seguindo,
Em mim, Secchin...

E só com esses,
E alguns ingleses,
Outros franceses,
Sem interesses,
Em verso, exponho
Cânone mínimo.





Adriano Nunes

28.7.20

Antonio Cicero: "FEDRA"




FEDRA

EM TEU NOMEN
O FILLE
SIDERADA
DE MINOS ET DE PARSIPHAÉ
BRILHAM AS TREVAS
MEDRAM
OS 
DES
ASTROS
OS 
DE
SIDERIOS
DE TEU ATRO SANGRE






CICERO, Antonio. "FEDRA". In:_____. Porventura. Rio de Janeiro: Record, 2012.

26.7.20

Luc Ferry: "O casamento homossexual"


Ouçam as excelentes ideias que o grande pensador francês Luc Ferry expôs no Brasil, em 2019, no grande ciclo internacional de conferências Fronteiras do Pensamento:





24.7.20

Luís de Camões: "Busque Amor novas artes, novo engenho"




Busque Amor novas artes, novo engenho


Busque Amor novas artes, novo engenho,
Para matar me, e novas esquivanças;
Que não pode tirar me as esperanças,
Que mal me tirará o que eu não tenho.

Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
Andando em bravo mar, perdido o lenho.

Mas, conquanto não pode haver desgosto
Onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê;

Que dias há que n'alma me tem posto
Um não sei quê, que nasce não sei onde,
Vem não sei como, e dói não sei por quê.





CAMÕES, Luís de. "Busque Amor novas artes, novo engenho". In:_____. Lírica. Org. por Massaud Moisés. São Paulo: Cultrix, 1981.

22.7.20

Paul Celan: "Die Wind im Rücken" / "Com o vento pelas costas"




Com o vento pelas costas


Com o vento pelas costas
morro e apago-me
na grande monção –
é então que verdadeiramente vivo.




Den Wind im Rücken



Den Wind im Rücken,
sterb ich mich ein
in den Großpassat –
und lebe erst recht.







CELAN, Paul. "Den Wind im Rücken" / "Com o vento pelas costas". In:_____. A morte é uma flor. Poemas do espólio (Die Gedichte aus dem Nachlass). Trad. por João Barrento. Lisboa: Cotovia, 1998.






19.7.20

Luís Miguel Nava: "No fogo da memória"




No fogo da memória


Começa-se o silêncio a desenhar
nos interstícios da carne, a que se prendem
imagens que no fogo
lento da memória se apuraram
de dia para dia e que o passado
nos serve agora como uma iguaria.





NAVA, Luís Miguel. "No fogo da memória". In:_____. "O céu sob as entranhas". In:_____. Poesia completa -- 1979-1994. Organização e posfácio por Gastão Cruz. Lisboa: Com Quixote, 2002.


17.7.20

Lêdo Ivo: "Carta da Inglaterra"




Carta da Inglaterra

Abra sua porta
à imaginação.
Nenhum sonho fique
do lado de fora.

Caído o crepúsculo
sonhe e seja tudo,
rosa de mil pétalas
aberta na sombra.

Quem se multiplica
não sofre o vexame
de só ser um só.

Eis que o sol se esconde.
Múltiplo atravesso
as pontes de Londres.




IVO, Lêdo. "Carta da Inglaterra". In:_____. "Crepúsculo civil". In:_____. Poesia completa: 1940-2004. Rio de Janeiro: Topbooks, 2004.

16.7.20

Parada do Orgulho e Carnavais


Vejam, hoje, às 21h, as incríveis imagens das celebrações LGBTQIA do portfólio do fotógrafo e Mestre em Comunicação Pedro Stephan



14.7.20

Canção "Antigo verão", parceria de Arthur Nogueira e Antonio Cicero

Arthur Nogueira fez a canção "Antigo verão" a partir do poema do mesmo nome, do meu livro A cidade e os livros. Ouçam:







Segundo a mitologia grega, foi da espuma do mar da ilha de Citera que nasceu Afrodite, a deusa do amor. "O embarque para Citera" é o nome do seguinte quandro de Antoine Watteau:


11.7.20

Friedrich Hölderlin: "Die scheinheiligen Dichter" / "Os poetas hipócritas": trad. de Paulo Quintela




Os poetas hipócritas


Frios hipócritas, não faleis dos deuses!
Vós sois tão razoáveis! não acreditais em Hélios,
Nem no Tonante e no Deus do Mar;
A Terra está morta, quem quer agradecer-lhe? ─

Confiança, Deuses! pois ornais a canção,
Inda que dos vossos nomes a alma já se foi,
E quando é precisa uma grande palavra,
Mãe Natureza! é em ti que se pensa.






Die scheinheiligen Dichter


Ihr kalten Heuchler, sprecht von den Göttern nicht!
Ihr habt Verstand! ihr glaubt nicht an Helios,
Noch an den Donnerer und Meergott;
Todt ist die Erde, wer mag ihr danken? –


Getrost ihr Götter! zieret ihr doch das Lied,
Wenn schon aus euren Nahmen die Seele schwand,
Und ist ein großes Wort vonnöthen,
Mutter Natur! so gedenkt man deiner.







HÖLDERLIN, Friedrich. "Die schein heiligen Dichter" / "Os poetas hipócritas". In:_____. Hölderlin: Poemas. Org. e trad. de Paulo Quintela. Coimbra: Atlântida, 1959.

9.7.20

Wallace Stevens: "As you leave the room" / "Ao sair da sala: trad. por Paulo Henriques Britto




Ao sair da sala


Você fala  Diz: O caráter do agora não é
Esqueleto saído do estojo. Eu também não.

Aquele poema sobre o abacaxi, aquele
Sobre a mente sempre insatisfeita,

Aquele sobre o herói plausível, e o outro
Sobre o verão, não são pensamentos de esqueleto.

Terei eu vivido uma vida de esqueleto,
De um descrente da realidade,

Compatriota de todos os ossos do mundo?
Agora, aqui, a neve que eu esquecera se transforma

Em parte de uma realidade maior,
De uma apreciação de uma realidade,

Uma elevação, portanto, como se eu levasse,
Ao sair, algo palpável em todos os sentidos.

Porém nada mudou além do que é
Irreal, como se coisa alguma tivesse mudado.






As You Leave the Room


You speak. You say: Today’s character is not
A skeleton out of its cabinet. Nor am I.

That poem about the pineapple, the one
About the mind as never satisfied,

The one about the credible hero, the one
About summer, are not what skeletons think about.

I wonder, have I lived a skeleton’s life,
As a disbeliever in reality,

A countryman of all the bones in the world?
Now, here, the snow I had forgotten becomes

Part of a major reality, part of
An appreciation of a reality

And thus an elevation, as if I left
With something I could touch, touch every way.

And yet nothing has been changed except what is
Unreal, as if nothing had been changed at all.







STEVENS, Wallace. "As you leave the room" / "Ao sair da sala". In: _____. O imperador do sorvete e outros poemas / Wallce Stevens. Seleção, tradução, apresentação e notas por Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.


7.7.20

Vera Casa Nova: "Abraço em Waly"




Abraço em Waly

Essa memória do riso aberto...
Não me esqueço de lembrar
aquela gargalhada florida e louca na livraria.
A história não revela,
verso aponta:
os cristais clivados.
anos 70
nem nos babilaques.
Teus cabelos crespos
ondeando teu rosto quadrangular
falando de Salvador.
Quem não se amalgamou?
nessa seiva do logbook
desse lonesome cowboy baiano,
o delírio de um tabaréu
ecoa em mim
ad aeternum.

Até breve!





CASA NOVA, Vera. "Abraço em Waly". In: Casa Nova, Vera; Carmona, Kaio; Dolabela, Marcelo (orgs.). Entrelinhas, entremontes: versos contemporâneos mineiros. Belo Horizonte: Quixote + Do Editoras Associadas, 2020.

5.7.20

Diego Mendes Sousa: "Fanal do colo agônico"




Fanal do colo agônico


O passado e eu conjugamos
uma interrogação triste?

Paro,
a esperar que o tempo intimidado
olhe-me cara a cara
a fim de que renasça pasmado e luminoso.

Fico -- como um ausente sem endereço --
em uma rua escura de um outono febril
a ver ainda pássaros negros
no agônico coração amargo.

Sou -- mirando os meus labirintos em queda --
a cachoeira ruminando horizontes fantasmas
e esquecidos.
Eu e o passado,
triste exclamação conjugada!





SOUSA, Diego Mendes. "Fanal do colo agônico". In:_____. Fanais dos verdes luzeiros. Guaratinguetá, SP: Penalux, 2019.

3.7.20

Adriano Nunes: "Cantar é preciso"


Agradeço ao poeta Adriano Nunes por ter dedicado a mim o seguinte, belo poema:



Cantar é preciso

                  para Antonio Cicero

Cantar é preciso,
Ainda que seja
O vazio, o nada,
A tristeza, a perda,
O que quer que até
Alcance a cabeça.

Cantar e cantar,
Mesmo que depois
O existir se perca
Na eterna estranheza
Da cantiga, para
Que o agoral exerça

A sua potência
De luz, porque já
Pouquíssimo importa
Senão cantar. Canta!
Canta a lida quântica,
A que vinga, íntima.

Cantar é preciso,
Ainda que seja
O vácuo, o não-ser,
O pesar à espreita,
O que quer que até
Confunda a cabeça.


1.7.20

David Mourão-Ferreira: "Soneto do cativo"




Soneto do cativo


Se é sem dúvida Amor esta explosão
De tantas sensações contraditórias;
A sórdida mistura das memórias,
Tão longe da verdade e da invenção;

O espelho deformante; a profusão
De frases insensatas, incensórias;
A cúmplice partilha nas histórias
Do que os outros dirão ou não dirão;

Se é sem dúvida Amor a cobardia
De buscar nos lençóis a mais sombria
Razão de encantamento e de desprezo;

Não há dúvida, Amor, que te não fujo
E que, por ti, tão cego, surdo e sujo,
Tenho vivido eternamente preso!





MOURÃO-FERREIRA, David. "Soneto do cativo". In: BERARDINELLI, Cleonice (org.). Cinco séculos de sonetos portugueses, de Camões a Fernando Pessoa. Rio de Janeiro: Casa da Plavra,k 2013.