Considero impecável o seguinte texto de Adorno:
Moralidade e estilo. – O escritor acaba por perceber que quanto mais se exprime de modo preciso, consciencioso e adequado ao assunto, tanto mais o resultado literário é considerado difícil, enquanto que, à medida que faz formulações frouxas e irresponsáveis, é recompensado por uma certa compreensão. Não adianta asceticamente evitar expressões técnicas ou alusões a esferas da cultura que deixaram de existir. O rigor e a pureza da expressão lingüística, mesmo quando associados a extrema simplicidade, produzem um vácuo. O desleixo que flui com a corrente habitual da fala passa por um sinal de solidariedade e contato: sabe-se o que se quer porque se sabe o que o outro quer. Respeitar na expressão o objeto, em vez da comunicação, é suspeito: o que quer que seja específico e não derivado de esquemas dados parece inconsiderado, sintoma de excentricidade, quase de confusão. A lógica contemporânea, que faz tanta questão de clareza, aceitou ingenuamente tais perversões a título de linguagem cotidiana. A expressão vaga permite àquele que a ouve representar-se o que lhe agrada e o que de todo modo já pensa. A expressão rigorosa obriga à univocidade da compreensão, ao esforço do conceito, ao qual as pessoas foram desabituadas, e lhes exige, ante todo conteúdo, a suspensão dos lugares comuns, logo um isolamento a que elas violentamente se opõem. Só consideram inteligível aquilo que não precisam primeiro entender; só as toca e lhes é familiar o que é na verdade alienado, a palavra cunhada pelo comércio. Poucas coisas contribuem tanto para a desmoralização dos intelectuais. Quem quiser se livrar dela deve perceber no elogio da comunicação uma traição ao comunicado.
De: ADORNO, T.W. "Minima Moralia". In: _____. Gesammelte Schriften. Vol.4. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1986. p.114-15.
31.8.07
Adorno: de "Mínima moralia"
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Theodor Adorno
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4 comentários:
Essa passagem me lembra - com as devidas e óbvias diferenças - Georges Bataille dizendo, em "A experiência interior", que escrever é comunicar, mas também que seria exatamente aí que se perderia o sentido da experiência irrepetível. E se iniciaria a comunidade humana. Adorno parece reinvindicar para a escrita e para o pensamento ainda a faísca dessa experiência única de rigor.
Grande abraço
Caro Antônio,
Parece que essa questão está intimamente ligada à da diferença entre poesia e filosofia. Enquanto a primeira concentra-se no estilo, a segunda deve se preocupar antes com um rigor conceitual.
Seguindo a teoria Jackobsoniana, o compromisso fundamental da exposição teórica é com o referente, isto é, a realidade que se investiga. Sacrificar o conteúdo para tornar a leitura mais agradável, ou para conquistar apoio fácil, é sacrificar a verdade e, consequentemente, a ética e a justiça.
Infelizmente, contudo, seja por preguiça ou real incapacidade dos autores, esse erro é freqüente em textos teóricos e didáticos de todos os níveis, especialmente nos introdutórios. Tais textos, tentando tornar o conteúdo mais acessível ou atrativo, acabam muitas vezes por modificá-lo, desinformando em vez de informar e formar. É claro que o uso de recursos estilísticos é valioso, mas somente na medida em que colabora para a precisão dos enunciados, e nunca quando a prejudica. É melhor um texto que não deixe dúvidas, embora com uma leitura mais trabalhosa, que aquele em que rapidamente assimilamos inverdades.
A situação do texto teórico (ou didático) é exatamente oposta à do texto literário. Neste último, toda idéia de subordinar o estilo à pretensa verdade do significado é perniciosa, como é a censura.
O importante é que saibamos com clareza a que nos propomos e tenhamos o compromisso irrenunciável com a verdade e com a beleza.
Um abraço,
Lucas Nicolato
NAVEGANDO O BREU ESCURO DA LINGUAGEM QUE CRIAMOS
eu e ela vamos indo
meu destino é minha língua
língua que canta, fala
língua que xinga e que jamais resvala
que toca o belo e vez em quando vitupera
quando encanta e até mesmo quando desagrada
minha sina é minha língua
o breu escuro da linguagem
o céu do viço de quem quer e fala
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