16.11.08

João Cabral e o verso livre

O seguinte artigo foi publicado na minha coluna da "Ilustrada", da Folha de São Paulo, sábado, 15 de novembro:



João Cabral e o verso livre

Em 1953, o poeta João Cabral de Melo Neto declarou em entrevista a seu colega, Vinícius de Moraes: “Acho o verso livre uma aquisição fabulosa e que é bobagem qualquer tentativa de volta às formas preestabelecidas. Abrir mão das aquisições da poesia moderna seria para mim como banir a poesia do mundo moderno”.

Trinta e cinco anos depois, em 1988, ele afirmava a Mário César Carvalho que “uma das coisas fatais da poesia foi o verso livre. No tempo em que você tinha que metrificar e rimar, você tinha que trabalhar seu texto. Desde o momento em que existe o verso livre, todo o mundo acha de descrever a dor de corno dele corno se fosse um poema. No tempo da poesia metrificada e rimada, você tinha que trabalhar e tirava o inútil”.

Como se explica tal inconsistência? Teria João Cabral mudado radicalmente de idéia sobre esse assunto? Certamente houve uma mudança. Creio, porém, que, por trás de uma mudança apenas superficial, encontra-se a profunda coerência da sua concepção de poesia.

Cabral costumava dividir os poetas em dois grupos. O primeiro é o daqueles para quem tudo o que não é espontâneo – logo, tudo o que dá trabalho, tudo o que é difícil – é falso. O segundo, no qual ele mesmo se colocava, é o daqueles para quem tudo o que é espontâneo – logo, tudo o que dispensa o trabalho, tudo o que é fácil – é falso. Para ele, o fácil e espontâneo jamais passava de eco ou repetição inconsciente de vozes alheias. Como se verá, tanto ao defender o verso livre em 1953 quanto ao atacá-lo, em 1988, ele estava tomando posição contra o fácil, espontâneo e repetitivo, e a favor do difícil, trabalhoso e único em poesia.

“O poeta”, disse Cabral uma vez em entrevista a Arnaldo Jabor, “é aquele que nunca aprende a escrever”. Poderíamos também dizer que o poeta é aquele que está sempre aprendendo a escrever. Nas palavras do famoso “O lutador”, de Drummond: “Lutar com palavras / É a luta mais vã. / Entanto lutamos / Mal rompe a manhã”. O poeta luta para dar forma a um poema, isto é, a um objeto estético memorável – ou seja, a um objeto que mereça existir em virtude de seus próprios méritos, independentemente de servir ou não servir para nada ulterior – feito de palavras.

A predileção pelo fácil e espontâneo pode manifestar-se de dois modos. Em primeiro lugar, ela pode manifestar-se como o desprezo por todo trabalho e toda técnica. A “poesia” fica assim reduzida à facilidade de uma expressão pessoal em que a língua é usada, não para dar forma a um objeto de palavras, mas para dizer alguma coisa. Assim, ela exprime, espelha ou repete a vida cotidiana. Não ocorre a luta com as palavras ou a produção de um objeto estético memorável.

Em segundo lugar, a predileção pelo fácil, espontâneo e repetitivo também se manifesta como o artesanato da escrita tradicional de versos. Através de estudo e exercício, o versejador é capaz de adquirir destreza em, entre outras coisas, escrever redondilhas ou decassílabos, rimar versos, compor em formas fixas etc. Com a prática, ele aprende, por exemplo, a improvisar sonetos adequados às mais diversas ocasiões. Para o versejador que atingiu mestria em determinadas técnicas, nada parece mais fácil ou espontâneo do que fazer um “poema”, através da repetição do que é convencionalmente “poético”. Tampouco nesse caso ocorre a luta com as palavras ou a produção de um objeto estético memorável.

No fundo, o problema de Cabral era evitar todo tipo de facilidade, e não, ao contrário do que as duas citações do início deste artigo possam ter levado a crer, opor-se ao verso metrificado ou ao verso livre. Cabral achou um modo próprio de driblar tanto a facilidade dos versos livres e sem rimas quanto a facilidade do uso convencional das técnicas tradicionais. Quando jovem, ele usava versos livres, mas de um modo que – como uma vez explicou a Carlos Carvalhosa – lhe desse tanto trabalho quanto como se fosse metrificado. Mais tarde, passou a usar métrica, mas procurando evitar os ritmos associados a ela; e, embora empregasse rimas, não as fazia perfeitas, mas toantes. Naturalmente, tais soluções foram úteis para ele, mas não são universalizáveis. Elas indicam, entretanto, que, na prática, ele não estava tão preocupado em rejeitar nem procedimentos tradicionais nem procedimentos experimentais, e que seria capaz de usar uns ou outros, na medida em que aumentassem, e não na medida em que aliviassem, a dificuldade do seu trabalho.

Frente às tendências contemporâneas a dissolver e diluir a poesia e a arte, talvez os poetas – e os artistas em geral – devam refletir sobre essas idéias de Cabral. Longe de rejeitar toda regra ou de apelar a regras que facilitem a elaboração ou a recepção da obra, será talvez mais produtivo que o artista imponha a si mesmo determinadas condições – pouco importa se por ele inventadas ou se tomadas de empréstimo à tradição – que, dificultando o seu trabalho, tomem-lhe mais tempo e exijam dele um maior esforço de pensamento, elaboração e criatividade.

22 comentários:

ADRIANO NUNES disse...

GRANDE CICERO,


O TEMPO DEDICADO A UM POEMA NÃO NECESSARIAMENTE QUER DIZER QUE O POEMA TENHA MÉRITO "TEMPORAL" "MEMORÁVEL". HÁ POETAS QUE ESCREVEM NUMA VELOCIDADE INCRÍVEL E NEM POR ISSO OS SEUS POEMAS DEIXAM DE SER TRABALHADOS OU PENSADOS. É COMO UMA PERGUNTA - OU RESPONDEMOS A ELA COM RAPIDEZ E SIMPLICIDADE OU SIMPLESMENTE ARGUMENTAMOS COM TODOS OS MEIOS POSSÍVEIS PARA QUE ELA SE COMPLETE E NÃO DEIXE FRESTAS PARA ARGUMENTAÇÕES.
O FATO DE SER LIVRE OU RIMADO, METRIFICADO, TOANTE,VAZANTE,CONCRETO OU INVISÍVEL UM POEMA, NÃO COMPROMETE EM SI O SEU VALOR OU A SUA GRANDEZA DIMENSIONAL. POR TRÁS DE CADA POEMA SEMPRE HÁ SEGREDOS IMPENSÁVEIS E NÃO REVELADOS. O POEMA EXIGE MUITO DO AUTOR, MAS É CLARO QUE NEM TODOS - E SÃO MUITOS - POSSUEM TAL BRILHO. A FACILIDADE DE FAZER UM POEMA IMPLICA EM SUA DIFICULDADE INTRÍSECA DE NASCER PARA A EXIGÊNCIA DO PRÓPRIO POEMA: A POESIA SÓ CONSEGUE CHEGAR A SER O QUE ELA É QUANDO NÃO MAIS PRECISA ALCANÇAR COISA ALGUMA. OS PADRÕES QUE, NÓS POETAS, TENTAMOS SEGUIR OU NÃO, SÃO INERENTES ÀQUELE MOMENTO DO POEMA. POR ISSO, JOÃO ERA A FAVOR DO VERSO BRANCO E DEPOIS MUDOU DE OPINIÃO - NÃO QUE A MUDANÇA FOSSE RADICAL EM SI, MAS PERCEBENDO O POETA E INDICANDO, SENTINDO QUE, COMO UM ARTESÃO, UM POEMA DEVIA SER TRABALHADO PARA ELIMINAR A SUA FÁCIL EXISTÊNCIA, CONCLUIU QUE TODO POEMA NÃO DEVA SER ISSO OU AQUILO SOMENTE, MAS UMA FORÇA MAIOR QUE A PRÓPRIA INSPIRAÇÃO, QUE A PRÓPRIA CRIAÇÃO - OU SEJA - QUE O POEMA TEM QUE ROMPER OS LIMITES DO QUE POSSA VIR A SER.



ABRAÇO FORTE!
ADRIANO NUNES, MACEIÓ/AL.

Anônimo disse...

já tinha lido esse texto do joao cabral do qual falas e feito uma reflexao semelhante mas transpondo pra pintura.
eu faço um paralelo entre van gogh e vermeer.
existe uma pintura tempestuosa como a de vangogh, ele pintava varios quadros numa tarde(a poesia de rimbaud?). mas você tem uma pintura acumulativa como a de vermeer, ele pintou relativamente poucos e pequenos quadros durante um largo tempo.
essas duas posturas podem viver juntas numa mesma pessoa? se traduziria numa maneira também de escrever poesia?
sao perguntas que me alegro de encontrar. tem um poema lindo do juan jimenez:

al soneto con mi alma

Como en el ala el infinito vuelo,
cual en la flor está la esencia errante,
lo mismo que en la llama el caminante
fulgor, y en el azul el solo cielo;
como en la melodía está el consuelo,
y el frescor en el chorro, penetrante,
y la riqueza noble en el diamante,
así en mi carne está el total anhelo.

Fred Matos disse...

No latifúndio da poesia,
João Cabral foi senhor absoluto.

A palavra exata, cova rasa,
era dele, morte e vida.

Abraço-o

rosilene fontes disse...

Amo seus artigos, aprendo muito.
abraço

ADRIANO NUNES disse...

AMADO CICERO,


LEMBRANÇAS DA MINHA FAMÍLIA E DOS MEUS AMIGOS:

"VESTÍGIOS DO LAR" (Para Neuma Lima Santos)




TENHO SAUDADE DAS TARDES DE SÁBADO
QUANDO REUNIDA TODA A FAMÍLA,
POETICAMENTE NOS ENTREGÁVAMOS,
RECITANDO VERSOS, REVENDO A VIDA.


TENHO LEMBRANÇAS DISSO VALIOSAS
E TUDO QUE ME VEM AGORA SERVE,
AO MEU VAZIO, DE REFÚGIO, ALÍVIO.
POR QUE MEU SONHO DEVE DISSOLVER


O PASSADO? POR QUE PARA NINGUÉM
A VERDADE NÃO VALE SEQUER NADA?
POR QUE DESVENDAR ASSIM O AMANHÃ?


TENHO SAUDADE DAS TARDES DE SÁBADO
QUANDO REUNIDA TODA A FAMÍLIA,
VIOLENTAMENTE NOS SEPARÁVAMOS.



ABRAÇO FORTE!
ADRIANO NUNES, MACEIÓ/AL.

Antonio Cicero disse...

Caro Adriano,

É claro que não há receitas que sirvam para todo o mundo. Cada poema é uma coisa. E é claro que não é o tempo que um poeta gasta para fazer um poema que determina que ele seja bom ou ruim. E creio ter deixado claro que a questão não é recomendar ou condenar versos livres ou rimados, ou procedimentos experimentais ou tradicionais.

Meu artigo chama atenção para o fato de que tanto o artista que despreza o trabalho e a técnica quanto aquele que confia totalmente no trabalho e na técnica já adquiridas acha que já sabe tudo aquilo de que precisa para produzir obras memoráveis. Por isso, cada um deles pensa que não precisa aprender mais nada. Cada um deles já está satisfeito consigo mesmo.

Ora, parece-me que esse tipo de autocomplacência favorece a produção e a publicação de bobagem. A intenção do meu artigo é apenas provocar os artistas excessivamente seguros a exercerem o que considero uma saudável desconfiança em relação ao seu próprio trabalho, através do desafio que Cabral lança, quando diz que “o poeta é aquele que nunca aprende a escrever”.

Abraço

Anônimo disse...

Prezado A. Cicero,
Estas questões são fundamentais para a excelência dos criadores de poesia.Aos leitores,não muito importa o grau de dificuldade do processo de criação,e a avaliação é genuinamente mais simples: os bons poemas imprimem sua marca na alma de todos nós, e os ruins são fadados ao esquecimento (nem sempre o efeito estético é proporcional ao trabalho do artesão do verso).
Abraço.

Anônimo disse...

pois é,

para mim: uma das grandes graças de debruçar-se em um poema está exatamente no exercício-desafio que ele propõe/pode propor, pondo em cheque qualquer tipo de conhecimento já alcançado. talvez, esse seja o grande barato e o grande desafio da poesia; e, nesse aspecto, acho que esta se assemelha à vida (vejam bem: ressaltei que a poesia se assemelha à vida no aspecto dos DESAFIOS que a poesia pode propor e que a vida, independente de nossa vontade, im/pro-põem. a existência, por mais que se queira, não pode ser por toda domada, como acontece quando se doma os versos através de fôrmas poéticas): aqueles que partem para a vida com o ar de que sabem e entendem tudo podem, e normalmente o fazem, transformar suas vidas, de modo geral, numa grande chatice, num grande tédio, numa coisa que se enxerga como sem desafios. aí, tudo fica sem graça, não se tem ânimo pra nada. algumas pessoas que integram esse grupo (vejam bem mais uma vez: escrevi "ALGUMAS pessoas" desse grupo, não TODAS) têm, por vício, "viver no passado" (frase que, por si só, já é um grande paradoxo). apoderam-se de um tempo que não é mais delas, nem de ninguém - pois, como o tempo passou e é abstrato, ninguém pode retê-lo para si -, dizendo que tudo o que há, hoje, na realidade que as cerca (e que, no fundo, é o tempo delas, pois é o único a existir), é chato, enfadonho, desestimulante, pois, devido ao acúmulo de conhecimentos obtidos vida afora, elas sabem e estão seguras de que "no tempo delas", ou seja, no tempo passado, tudo era melhor, tudo era mais colorido, tudo era mais vibrante. partem pra essa postura porque se vêem muito certas de si, conhecedoras de tudo. a existência passa a ser olhada como se prosseguisse sem desafios. e os desafios, nesse sentido, nos colocam, sempre, na posição de aprendizes, na posição de quem sempre se dispõem a vê-los, a percebê-los na vida desde o raiar do dia até o seu findar. no referido aspecto, os conhecimentos anteriores não são de muita valia e a vida torna-se uma sempre aventura, algo a ser descoberto, algo a ser criado.

poesia sem os desafios, ou seja, poesia feita a partir de conhecimentos prévios, em fôrmas, torna-se desestimulante. (para mim.)

adorei o texto!

beijo grande!

ADRIANO NUNES disse...

AMADO CICERO,

FIZ ESSE POEMA QUANDO VOLTEI DA LIVRARIA APÓS COMPRAR O LIVRO "OS CANTOS" DE EZRA POUND - TRADUÇÃO DE JOSÉ LINO GRÜNEWALD.


"REVERSO"



PUSERAS NO CORAÇÃO
ESSA DELICADA FLOR.
POR QUE NÃO ME PERMITI
AMAR OS TEUS DESENGANOS?


ESSA PROMESSA TÃO FRIA
NÃO ME SUFOCA POR QUÊ?
DE MIM TUDO QUE RESTOU
AGORA SOÇOBRA EM VÃO.


POR QUE NÃO VINHAM DE TI
MEUS VERSOS ALAGOANOS?
TODOS OS TONS DO VIVER


PUSERAS EM NOSSOS DIAS.
O QUE NOS COMPLETARIA
POR QUE NÃO SÓ CONCEBER?


P.S.: PAULINHO, GOSTEI MUITO DO QUE VOCÊ ESCREVEU! UM ABRAÇO FORTE!


ABRAÇO FORTE!
ADRIANO NUNES, MACEIÓ/AL.

ADRIANO NUNES disse...

AMADO CICERO,


SAUDADE, SAUDADE, SOL DESTA CIDADE:


"NOITE SECA"



DA JANELA DO QUARTO DO HOTEL
CONSIGO VER A MINHA POESIA
PERCORRER, EM SILÊNCIO, ESSA CIDADE.
ACENDO UM CIGARRO. AS MINHAS CERTEZAS,
QUE PENSAM, NESTA NOITE, DO PORVIR?
OS MEUS MEDOS POR ONDE VAGARÃO?
POR QUE AGORA TUDO ME DESESPERA?
VOLTO AO CÁRCERE SECO DO PAPEL
EM BRANCO. TUDO QUE TENTO FAZER
É DESVENCILHAR-ME DO CORAÇÃO.


DA JANELA DO QUARTO OBSERVO A VIDA
DESFAZER SUAVEMENTE OS MEUS SONHOS.


A SAUDADE NÃO ME APAVORA, MAS
EU NUNCA SEI BEM A QUE ME PROPONHO.
TUDO É MESMO DENSO E DESCONHECIDO,
PAISAGEM PERDIDA NAS ENTRELINHAS.
O CALOR DILACERA AS ESPERANÇAS
QUE, SEM ESPERANÇA DE NADA, SOMEM.
LANÇO-ME À ROTINA DA SOLIDÃO.
FECHO A JANELA. SÓ O MUNDO LÁ FORA
PONDERA A SUA PERIGOSA EXISTÊNCIA.
A CIDADE DESISTE ASSIM DE MIM.


ABRAÇO FORTE!
ADRIANO NUNES, MACEIÓ/AL.

Lucas Nicolato disse...

Caro Antonio,

Muito boa sua reflexão. Acho que você entendeu (e nós entendemos com a sua ajuda) coisas essenciais à criação artística. Talvez o maior impecilho para a profusão de grandes artistas seja esse: quem estará disposto a exigir de si mesmo tanto e ainda assim prosseguir?

Gostaria apenas de lembrar que mesmo aqueles artistas que pregam que é verdadeiro apenas o que é espontâneo (e isso não não se opõe de forma alguma ao seu argumento), muitas vezes eles mesmos tem muito trabalho em encontrar essa "espontaneidade". Só que é um esforço nem sempre consciente.

Seu artigos costumam ser excelentes, mas fico ainda mais feliz quando encontro aqui algo sobre a natureza da poesia e do trabalho poético - sempre me inspira a novas criações.

grande abraço,
lucas

Anônimo disse...

que bom que você gostou do meu texto, adriano.

porque gosto muito do que você (e do que outras pessoas, como o lucas nicolato, como a betina) escreve, mesmo que esta minha satisfação pela qualidade dos textos de vocês não seja aqui explicitada. isso acontece mais por vergonha; tenho horror a parecer afetado, em passar algo de cabotino no que possa escrever. por isso prefiro me eximir de quaisquer comentários aos textos dos que freqüentam e escrevem nesta página. só escrevo a alguém quando sou por alguém abordado. (como agora, por exemplo.)

mas a admiração por você (e pelo lucas, e pela betina) anda aqui, comigo. pode não parecer, mas ela existe, acredite. ;-)

um beijo grande em você!

Unknown disse...

Poesia - forja rica de metais lavrados.

Miríade de versos. Simplicidade. Exatidão.

Encantamento e magnitude. Criação.

Sendo poeta, entre a beleza e a palavra, sou quem desnuda.

Sinto. Expresso. Desejo. Almejo.

Sou eu quem luta. Quem comemora.

Quem pende a fronte após a queda.

Sou quem mistura o ócio e a virtude,

a guerra e a ilusão, a água e a areia.

A poesia, não. A poesia é crueldade, egoísmo.

É coisa fria, usurpadora, sem compaixão.

É a mulher entregue ao frio,

enquanto o fogo do poeta vira gelo em sua mão.

ADRIANO NUNES disse...

AMADO CICERO,


Acabei de assistir à entrevista que você deu a TV Cronópios! Você realmente é a humildade em pessoa! Vida longa e graças todas para você, grandiossíssimo poeta!



ABRAÇO FORTE!
ADRIANO NUNES, MACEIÓ/AL.

Eleonora Marino Duarte disse...

pensador,

eu me lembro quando, recentemente, surgiu aqui a possibilidade de divagar a respeito das afirmações de João Cabral,
divagamos, já que você nos permite com toda a generosidade,
mas é evidente que tudo amplia e toma rumo diante da lanterna e da pena que você utiliza.

obrigada!

grande abraço!

PS: Paulinho, um abraço com todo o entusiasmo que você merece! obrigada pela delicadeza. seus textos são ótimos!
assim como os outros companheiros de "janelinha" e comentários, eu o admiro.

ADRIANO NUNES disse...

AMADO POETA,


BOA NOITE!



"ESCAPE"



SOU DO TEMPO
QUE NÃO VEIO.
SOU DE ALÉM
DA RAZÃO.


SÓ NÃO PENSO
EM TER FREIO.
SOU, MEU BEM,
MESMO VÃO.


ABRAÇO FORTE!
ADRIANO NUNES, MACEIÓ/AL.

ADRIANO NUNES disse...

AMADO POETA,


MAIS UM POEMA AINDA BEBÊ:


"PROMESSA"



PROMETO NÃO TE AMAR DEMAIS,
MAS AMAR-TE INFINITAMENTE.
PROMETO NÃO TE DAR A PAZ
QUE PROCURAS EM MIM. NÃO SENTES


QUE PROMETO MAIS QUE O POEMA
PRETENDE COM SUAS ARMADILHAS,
QUE TODO AMOR APENAS TRILHA
POR TREVAS E ESTA VIDA ALGEMA?


PROMETO NÃO SÓ TE DEIXAR,
MAS DEIXAR NOSSO AMOR FLUIR
COM O QUE VIER. VEJO AQUI


MINHA PROMESSA TER LUGAR
EM TEU CORAÇÃO. QUE FARÁS?
PROMETO NAUFRAGAR EM TI.


ABRAÇO FORTE!
ADRIANO NUNES, MACEIÓ/AL.

Antonio Cicero disse...

Agradeço as palavras generosas de Adriano, Beto, Fred, Rosilene, Mariano, Paulinho, Lucas e -- last but not least -- Betina.

Beijos

Aline Miranda disse...

Bom ler sobre Cabral, bom ler sobre poesia, bom ler você!

Voltarei mais vezes, Cícero!
Abçs,

Anônimo disse...

betina,

você é uma coisa linda (rs).

percebi há muito.

veja, portanto, que mágica a vida: eu não a conheço pessoalmente, encontro-a apenas neste espaço, e, através do contorno de suas linhas ortográficas, consegui alcançar, compreender, perceber, partes dos contornos do seu ser.

pura maravilha!

grande beijo, querida!

Unknown disse...

Tormenta

Trabalhar com frases soltas
Exige desprendimento:
Pode vir um vento
Desses de mar de ondas revoltas
E fazer das frases, quases,
Fases sem sedimento
Ou qualquer razões ocultas.



Indefinição

Poesia é o ápice do lapso da palavra.


Se dar por achado

Um achado
Não se acha assim
De bate pronto
Ali do lado.
Tem de ser escavado
Ponto à ponto, muito à fundo
Até ao estado de um encontro
Pra lá de desencontrado
Com o germe de outro mundo.


A Camareira

Olhando a cena aqui de cima
Não sou tão escravo da rima
Quanto se imagina.
Ela
( a rima)
apenas arruma
A minha cama
Quando o poema cisma de ser
e se esparrama.

Branco

Deu um branco
no papel
e o poema
( meu corcel)
pegou no tranco.

Nada Pessoal

O poeta mente que nem sente.
Passa sempre rente a um ente
Inexistente, que ele completa
Eternamente com o poder da mente
Desse mesmo ente ausente
Que inexplicavelmente lhe completa
E faz poeta.

Pente Fino ( a Quintana)

O poeta afina a pena
sua
Chora
Descabela
Mas passa o pente fino na memória eterna
E a caspinha que cai
Serve de lanterna.

Afazeres ( a João Cabral)

Dar a todos os sentidos
A conformação de franja
Como se a sisudez do olhar
Fosse a antecipação da lança.

Criar esconsa geografia
Na gramática do sê-lo.
Dar ao cheiro
Seu silêncio e ao silêncio
O mais de exílio.

Mastigar, não pelas carnes
Mas o sêmen do que servem
Mais que sêmen: o cerne.

Ver o mar por seu repuxo,
Não pelo seu desassossego.
Ver o céu, não por seu estilhaço
Mas pelo que tem de vago.

Como se cada narina
Fosse excelentíssima pinça
Como se cada pupila
Fosse uma foice avessa:
Só rasgo.

Dar ao tato o mais do espanto
Pelo extrato do arrepio
Até mais que pelo hirsuto: o à postos
Que antecede o gozo.

Dar a todos os sentidos
A confirmação do anjo.

O Livro

O livro que se lê no claro
ensina o preto e branco aceso.
Antes do cérebro que refina,
as linhas se convertem unas.

Alteram rotas as colunas
e o livro surpreende aberto.
Certo e prático, sem cenas
de energia intensa em cima.

E como se dobrasse a esquina
Tenta o livro o pulo ao centro
Que a letra lenta desanima.

Mas contraído elide o cetro
da destreza, o que dá pena:
Descompassado, implode. Quieto.


Apenas

Dei minha palavra
ao poema
De que valeria à pena
Mas deu pena
Do poema
Ali fazendo cena
Enquanto a palavra
Me depenava.

Soneto

Se há uma flauta de fôlego contínuo
Que, findado o coro, persevera em som;
Tudo será passado sem destino
Tudo uma orquestra à interpretar neon...

Se, do contrário, a flauta sempre cala
E no descanso do seu som: a turba;
A hora muda e o tempo nada fala
Para que o instante do instrumento ecloda

Numa ilusão de farto afã, futura.
Uma ilusão bem vinda ao pé do ouvido
De que ao soar, o mundo mais se apura.

Mesmo seguindo um tempo pervertido
De um maestro que não se segura
Ante uma orquestra que não faz sentido.

Anônimo disse...

Caro poeta, o agudo espírito crítico de Cabral é um dos motivos pelos quais o admiro profundamente.Você disse bem, todo artista deveria refletir sobre este tipo de postura.No ótimo texto "Poesia e composição",de 1952,Cabral distinguia dois processos de criação artística:um fundado na expressão pessoal e outro na comunicação,este reconhecendo o papel essencial do receptor do trabalho artístico.Texto para ser lido nestes tempos de abuso da liberdade criadora,em que se vendem quadros pintados por macacos e cavalos,abuso criticado por Cabral abordando o verso livre.
PS. Muito boa a ilustração do seu artigo na Folha.
Grande abraço