Como, a partir do comentário de Osrevni (17/05;2007) sobre o meu artigo “A filosofia e a língua alemã”, de 07/05/2007, dei mais algumas precisões que me parecem importantes sobre o pensamento de Heidegger a respeito do papel das traduções latinas dos conceitos filosóficos gregos, resolvi aqui publicar tanto o comentário quanto a resposta:
Osrevni disse:
É curioso, meu curso sobre o Nascimento da Tragédia de Nietzsche começou justamente com essa associação França-Roma, Alemanha-Grécia, que era moda do Idealismo alemão... mas o Heidegger, se não me falha a memória, atribui o esquecimento do ser já a muitos filósofos gregos; bom, pra isso eu precisaria dar uma olhada mais profunda.
Saravá!
17 de Maio de 2007 13:26
Antonio Cícero disse:
Caro Osrevni,
Heidegger achava que o começo do esquecimento do ser começou a acontecer na filosofia clássica de Platão e Aristóteles. Entretanto, Heidegger era extremamente ambivalente em relação a esse começo do fim. Embora falasse às vezes de decadência, ele também dizia que “apesar de tudo, essa decadência ficou nas alturas, não se afundou na baixeza” (v. Einführung in die Metaphysik. Tübingen, 1987, p.141). Ela era decadência somente em relação ao que ele considerava o momento mais alto – anterior a Sócrates – do pensamento grego. Mas foi Roma que, para ele, realizou plenamente o que havia sido apenas uma tendência do pensamento clássico. Este se teria tornado “indeterminado, vulgarizado e aguado”, segundo ele, “pela ‘tradução’ ao romano” (sic: In Grundfragen der Philosophie. Ausgewählte ‘Probleme’ der Logik’. Frankfurt am Main, 1984, p.70 e 68). Em “A origem da obra de arte”, ele diz explicitamente que “o pensamento tomou as palavras gregas sem a experiência correspondente e originária que elas diziam, sem a palavra grega. A falta de chão do pensamento ocidental começa com essa tradução” (In: “Der Ursprung des Kunstwerkes”. In: Holzwege. Frankfurt am Main, 1977, p.8.).
18 de Maio de 2007 00:13
19.5.07
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Um comentário:
“Em suas leituras dos pré-socráticos, Heidegger postula um momento da evolução da linguagem – e do pensamento e de recepção dentro dos speech-acts – anterior àquela que conhecemos a partir do racionalismo, isto é, a partir de Platão e Aristóteles.
Os textos dos pré-socráticos, ainda tingidos de aurora, nos falam de uma conformidade imediata entre a palavra e o mundo sensível, entre o ente abstrato e o próprio ser, conformidade essa irrecuperável desde então. Os primeiros poetas pensadores “falavam o mundo” como tal verdade, a essência da vida era-lhes tão vulnerável, que apenas um punhado de poetas supremos foram capazes de fazer-lhes eco.
Essa é uma concepção maravilhosamente sedutora. Biologicamente e historicamente não há um só fiapo de prova a seu favor. A considerar-nos os parâmetros da evolução, o homo sapiens vive nesta terra há bem pouco tempo. Não há qualquer prova de que a organização mental e psíquica que gera a fala humana e que por ela é gerada tenha sofrido alguma modificação fundamental. Se temos as qualificações hermenêutica e filosóficas para discutir as idéias de Anaximandro, Parmênides ou Heráclito, é apenas porque somos capazes de aprender seu meio de expressão”. (Nenhuma Paixão Desperdiçada, George Steiner, pág. 94/95).
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