Manhã
"A periphrastic study in a
worn-out poetical fashion"
T.S. Eliot, "East Coker"
Tomado que eu estava pelo
trabalho a contragosto,
não sei se me causava mais
prazer ou mais desgosto
o raio que arranhava, arisco
que nem gato, o meu rosto.
Obsesso que eu estava em meio
do que fora posposto,
não sei o que me parecia
--mais anjo ou mais encosto--
o raio com que se irritava,
alérgico, o meu rosto.
Imerso que eu estava, menos
no breu que num aposto,
não sei se vinha da manhã
ou viera do sol posto,
o raio -- inseto que picava
com seu ferrão meu rosto.
Absorto que eu estava neste
período composto,
não sei nem se era já vinagre
ou era ainda mosto,
o raio tinto que a janela
filtrava no meu rosto.
E, exausto que eu estava deste
afã de que não gosto,
só sei que, dissolvendo o estado
acima em seu oposto,
o raio frio umedecera
como suor meu rosto.
ASCHER, Nelson. "Manhã". In:_____. Algo de sol. São Paulo: Ed.34, 1996.
Um comentário:
Melodia que inebria todo e qualquer gosto...
Postar um comentário