30.10.09

David Mourão-Ferreira: "Presídio"




Presídio


Nem todo o corpo é carne ... Não, nem todo.
Que dizer do pescoço, às vezes mármore,
às vezes linho, lago, tronco de árvore,
nuvem, ou ave, ao tacto sempre pouco ...?

E o ventre, inconsistente como o lodo? ...
E o morno gradeamento dos teus braços?
Não, meu amor ... Nem todo o corpo é carne:
é também água, terra, vento, fogo ...

É sobretudo sombra à despedida;
onda de pedra em cada reencontro;
no parque da memória o fugidio

vulto da Primavera em pleno Outono ...
Nem só de carne é feito este presídio,
pois no teu corpo existe o mundo todo!



MOURÃO-FERREIRA, David. In: Relâmpago. Revista de poesia. , nº 24 (dedicado a David Mourão-Ferreira), Lisboa, abril de 2009.

9 comentários:

Jefferson Bessa disse...

O presídio do corpo é quando tudo mora nele...Muito bonito! Adorei.

Abraços.
Jefferson

ADRIANO NUNES disse...

Cicero,

Chego da noite ainda em chamas e me deparo com essa obra belíssima...Ganhei o dia!!!


Grato por compartilhá-la!


Grande abraço,
Adriano Nunes.

Erica Vittorazzi disse...

Cicero,

muito lindo mesmo!!! Parabéns1

Arthur Nogueira disse...

Não há limites na cadeia do corpo.

Outro belo poema, outro belo post.

Obrigado.

Um beijo, meu poeta.

Anônimo disse...

"Há toda alma num cárcere anda presa"

Inevitável lembrar essa cruz do Cruz.

Belo poema!

Marcelo Diniz

Tene Cheba disse...

Definir um poema como lindo, é muito pobre, pois poemas não são lindos, poemas não tem adjetivos e, ou, consistências.Poemas são indecifràveis, buscas que o Google não faz.Poemas não se obtém, não tem cheiro, cores, apenas muita complexidade.Sendo mínimo, sendo máximo.
Porém, este poema é lindo, muito lindo.

ADRIANO NUNES disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Tene Cheba disse...

No presídio, vive o Ser, e esse luta, na troca, cede, no choro, enfraquece, a face da carne,vermelha, pura, se acinzenta, a alma escapa, a carne necrosa, ser fálico, permeável.
Presídio dos mortos, presídio do tempo, farto, estático.
Presídio do cheiro, fétido, não sinto, dos risos, do tempo perdido.

Anônimo disse...

Alguem me pode interpertar o poema?