21.5.09

Cesário Verde: "Heroísmos"

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Heroísmos

Eu temo muito o mar, o mar enorme,
Solene, enraivecido, turbulento,
Erguido em vagalhões, rugindo ao vento;
O mar sublime, o mar que nunca dorme.

Eu temo o largo mar rebelde, informe,
De vítimas famélico, sedento,
E creio ouvir em cada seu lamento
Os ruídos dum túmulo disforme.

Contudo, num barquinho transparente,
No seu dorso feroz vou blasonar,
Tufada a vela e n'água quase assente,

E ouvindo muito ao perto o seu bramar,
Eu rindo, sem cuidados, simplesmente,
Escarro, com desdém, no grande mar!



De: VERDE, Cesário. O livro de Cesário Verde. Edição revista por Cabral do Nascimento. Lisboa: Minerva, s.d.

10 comentários:

fred girauta disse...

Cícero, o mar é um desses abismos chamativos que atraem os poetas. A poesia portuguesa deve muito ao mar. Eu diria que o mar deve muito mais a poesia portuguesa.
Há um poema seu de que gosto muitíssimo, "Leblon".
Deixo abaixo um poema como um diálogo/homenagem ao seu "Leblon"


há sempre alguém na areia
olhando em direção ao mar,
o mundo, às costas, serpenteia,
alheio ao vasto azul sem par,
repleto de vozes de sereia,
aberto ao transe desse olhar.

ADRIANO NUNES disse...

Cicero,

Que belíssimo soneto! Ótima escolha!


Abraço forte!
Adriano Nunes.

Domingos da Mota disse...

Caro Antonio Cícero,

Segundo a OBRA COMPLETA DE CESÁRIO VERDE, colecção Poetas de Hoje, Portugália Editora, Lisboa,Fevereiro de 1964, organizada, prefaciada e anotada por Joel Serrão, este belo soneto de Cesário Verde (o qualificativo é meu), não faz parte de «O Livro de Cesário Verde», mas sim de um outro grupo de POESIAS NÃO INCLUÍDAS EM «O LIVRO DE CESÁRIO VERDE»; isto é só uma pequena anotação, que para o caso do poema em si e do seu autor não tem grande valor, mas poderá ter algum interesse para os estudiosos do poeta.
Obrigado pela escolha.

Domingos da Mota

Alcione disse...

Raízes

Meu outro quer a lua fria
Meu outro quer ouvir a redondilha
Quer o piano tocado
Amado
Enlaçado, possuído e vivido
em tantos momentos
A memória
Meu outro sobrevoa impactado
Nem bem nem mal humorado
Procura as raízes
Nós em nódoas
Berço e poda
(é foda!)

Jefferson Bessa disse...

Caro Cícero,

esse poema de Cesário Verde me encanta sempre que releio. O modo como ele apresenta o mar - o grande símbolo português. O heroísmo em navegar em um barquinho transparente que desdenha do grande mar! É muito bommmmm mesmo!

Um abraço.
Jefferson.

Antonio Cicero disse...

Caro Domingos da Mota,

Obrigado pelo esclarecimento. O soneto está incluído na edição do Livro de Cesário Verde que tenho, mas seu editor, o Cabral do Nascimento, explica que foi por motivo de conveniência editorial que incluiu no mesmo tomo “as composições diversas, não aproveitadas para a colectânia definitiva”

Abraço

Anônimo disse...

Uma escolha maravilhosa !

C.

paulinho disse...

lindo mesmo!...

as imagens, fortes!, poesia pura!

um homem, tão pequenino, tão grão de sal na imensidão de um mar vociferante, rebelde, com seus cabelos de água e espuma desalinhados, revoltos, desprezando a sua força, a sua potência, e nele escarrando, de dentro de um barquinho transparente, numa atitude de desprezo e deboche, é sensacional!

o desdém do vate é grande demais, equivalente ao tamanho de quem o despertou, tão alto e feroz quanto a própria força do mar.

tudo lindo, tudo bacana, meu poeta porreta!

como sempre, arrebentando em suas postagens!

beijo terno e carinhoso.

Fernando Campanella disse...

Boa tarde, Cícero, o maior poder que temos contra os monstros que criamos é ignorá-los, vivermos deles descuidados. Levar a vida na flauta, como se diz... o som é doce, e adormece nossos medos. Lindíssimo poema do Cesário Verde.
Grande abraço.

Anônimo disse...

Segue um poema de Cesário Verde bem legal!

Amo insensatamente os ácidos, os gumes
E os ângulos agudos.