9.5.09

Alberto Pucheu: "Poema ungulado, nº 2"

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POEMA UNGULADO, No 2

Nenhuma gordura empanturra o corpo
do rinoceronte, varando suas cercas.
Nenhum couro escorrega em torno
da carne. Nenhuma dúvida quanto
a seu peso, quanto à coragem
ou a sua tranqüilidade. A armadura
talhada nos músculos, os chifres,
o rabo espanando qualquer súplica.
Olhos para ver. Boca para comer.
Patas para pisar. Orelhas para ouvir.
O corpo... na medida exata do corpo.
E o meu, tão distante, perdido pela multidão, pelos cantos das palavras alojadas, angaria faltas e excessos por onde anda: um guindaste se apropria de meu sexo, o combustível escasso para mais alguns quilômetros, o chifre crescendo pelo nariz. Quando o queixo começa a se empinar, guincho o que nunca escutei: a voz anginosa do rinoceronte.



In: PUCHEU, Alberto. "Ecometria do silêncio". A fronteira desguarnecida (poesia reunida 1993-2007). Rio de Janeiro: Azougue, 2007.

6 comentários:

Domingos da Mota disse...

Caro Antônio Cícero,

Eis um belo poema que aborda de forma singular a dialéctica entre o excesso quase perfeito, natural, do animal, e a escassez, a dúvida, a incerteza do homem (neste caso do poeta).

Domingos da Mota

Anônimo disse...

Caro Antonio Cicero,

Interessante poema. Parabéns pela postagem.

Grande abraço,
Carlos Eduardo

wellington machado disse...

Cheguei ao blog agora. Adorei o poema!

Abraço,
w.m.carvalho

Anônimo disse...

A relação entre guindaste, falo e chifre do rinoceronte é muito bacana.

Angela disse...

De fato este bicho é a fortaleza e o exato.O poeta, perdido e estranho,compara-se a ele, com espanto e em total fracasso.Total, não. O grito surpreende: é o mesmo. Que beleza, que força tem este poema.Obrigada.

paulinho disse...

pôxa, que poema bacana!...

o rinoceronte, bicho grande, forte, imponente, e: exato. exato em suas linhas, em suas formas, em suas funções.

o poeta, ao contrário do rinoceronte: inexato, com os seus excessos e sua escassez, com o seu corpo perdido pelos cantos das palavras alojadas. ainda que precário, ainda que inexato em tudo, o vate pode apropriar-se da voz anginosa do rinoceronte. pode, exatamente por sua indefinição, também ser definido: rinoceronte. o poeta angaria suas formas pela multidão exatamente por sua posição disforme; ele pode ser tudo por ser exatamente: nada (ou quase).

um beijo, poeta!