30.4.12
Guillermo Boido: "Infancia" / "Infância": trad. Santiago Kovadloff
Infancia
Hay voces.
No es la memoria.
Es el olvido que nos crece y canta.
Infância
Há vozes.
Não é a memória.
É o olvido que cresce em nós e canta.
BOIDO, Guillermo. "Infancia". In: KOVADLOFF, Santiago (introdução, seleção e tradução). A palavra nômade. Poesia argentina dos anos 70. São Paulo: Iluminuras, 1990.
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Poema
28.4.12
Eucanaã Ferraz: "Passando em frente"
Passando em frente
ao antigo, imponente
prédio:
o leão, velho, pára
e repara, atento,
naquele seu estranho parente.
Repara nas patas
bem postas,
pesadas, afiadas,
nos pelos, nos olhos,
em tudo que, granítico,
jamais apodrece.
O leão velho vê
a si mesmo
e inveja o irmão de pedra.
Pensa, por exemplo, que
não poderia guardar
entradas de edifícios
como faz o pétreo
leão de guarda,
impávido, perfeito.
Enquanto medita, moscas
fazem festa em volta de sua juba,
um tanto suja,
não há como negar, e
todo ele, desse jeito, mostra
uma ternura engraçada,
de palhaço,
de palhaço velho,
mais doce por isso.
O leão de pedra,
ao contrário, é,
depois de um século,
todo empáfia,
um rei
que não morresse,
que não morre,
que permanece, e
mais rei por isso.
O leão de pedra, imóvel,
guarda a entrada do templo,
enquanto o outro
procura por nós, igual
a nós, dentro
do tempo.
FERRAZ, Eucanaã. Desassombro. Vila Nova de Famalicão: Quasi, 2001.
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Poema
25.4.12
Francisco Alvim: "Lago, montanha"
Viúva
Luís me amava muito
muito mesmo
apesar de suas amantes
foi por isso que nunca me separei
ALVIM, Francisco. Lago, montanha. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1981.
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Poema
22.4.12
Carlos Drummond de Andrade: "Não se mate"
Não se mate
Carlos, sossegue, o amor
é isso que você está vendo:
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo
e segunda-feira ninguém sabe
o que será.
Inútil você resistir
ou mesmo suicidar-se.
Não se mate, oh não se mate,
reserve-se todo para
as bodas que ninguém sabe
quando virão,
se é que virão.
O amor, Carlos, você telúrico,
a noite passou em você,
e os recalques se sublimando,
lá dentro um barulho inefável,
rezas,
vitrolas,
santos que se persignam, .
anúncios do melhor sabão,
barulho que ninguém sabe
de quê, praquê.
Entretanto você caminha
melancólico e vertical.
Você é a palmeira, você é o grito
que ninguém ouviu no teatro
e as luzes todas se apagam.
O amor no escuro, não, no claro,
é sempre triste, meu filho, Carlos,
mas não diga nada a ninguém,
ninguém sabe nem saberá.
ANDRADE, Carlos Drummond de. "Brejo das almas". In:_____. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002.
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Poema
21.4.12
Antero de Quental: "Sonho oriental"
Sonho Oriental
Sonho-me ás vezes rei, n'alguma ilha,
Muito longe, nos mares do Oriente,
Onde a noite é balsâmica e fulgente
E a lua cheia sobre as águas brilha...
O aroma da magnólia e da baunilha
Paira no ar diáfano e dormente...
Lambe a orla dos bosques, vagamente,
O mar com finas ondas de escumilha...
E enquanto eu na varanda de marfim
Me encosto, absorto n'um cismar sem fim,
Tu, meu amor, divagas ao luar,
Do profundo jardim pelas clareiras,
Ou descansas debaixo das palmeiras,
Tendo aos pés um leão familiar.
QUENTAL, Antero de. Sonetos. Org. por António Sérgio. Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1963.
Sonho-me ás vezes rei, n'alguma ilha,
Muito longe, nos mares do Oriente,
Onde a noite é balsâmica e fulgente
E a lua cheia sobre as águas brilha...
O aroma da magnólia e da baunilha
Paira no ar diáfano e dormente...
Lambe a orla dos bosques, vagamente,
O mar com finas ondas de escumilha...
E enquanto eu na varanda de marfim
Me encosto, absorto n'um cismar sem fim,
Tu, meu amor, divagas ao luar,
Do profundo jardim pelas clareiras,
Ou descansas debaixo das palmeiras,
Tendo aos pés um leão familiar.
QUENTAL, Antero de. Sonetos. Org. por António Sérgio. Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1963.
17.4.12
Adolfo Casais Monteiro: "Aurora"
Aurora
A poesia não é voz — é uma inflexão.
Dizer, diz tudo a prosa. No verso
nada se acrescenta a nada, somente
um jeito impalpável dá figura
ao sonho de cada um, expectativa
das formas por achar. No verso nasce
à palavra uma verdade que não acha
entre os escombros da prosa o seu caminho.
E aos homens um sentido que não há
nos gestos nem nas coisas:
voo sem pássaro dentro.
MONTEIRO, Adolfo Casais. "Vôo sem pássaro dentro" In:_____. Poesias completas. Lisboa: Casa da Moeda, 1993.
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Poema
15.4.12
Vinícius de Moraes: "Soneto do Corifeu"
Soneto do Corifeu
São demais os perigos dessa vida
Para quem tem paixão, principalmente
Quando uma lua surge de repente
E se deixa no céu, como esquecida
E se ao luar que atua desvairado
Vem unir-se uma música qualquer
Aí então é preciso ter cuidado
Porque deve andar perto uma mulher
Deve andar perto uma mulher que é feita
De música, luar e sentimento
e que a vida não quer, de tão perfeita.
Uma mulher que é como a própria Lua:
Tão linda que só espalha sofrimento
Tão cheia de pudor que vive nua.
MORAES, Vinícius de. "Soneto do Corifeu". In:_____. Nova antologia poética. Org. por Antonio Cicero e Eucanaã Ferraz. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
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Vinícius de Moraes
13.4.12
Blaise Cendrars: "Os três estados da escritura"
Os três estados da escritura:
Primeiro, um estado de pensamento. Viso o horizonte, agarro os pensamentos a voar, engaiolo-os inteiramente vivos, a esmo, rapidamente e aos montes, estenografia. Segundo, um estado de estilo. Separo meus pensamentos, escolho-os, endireito-os, eles correm empenachados nas frases, caligrafia. Terceiro, um estado de palavra. Correção, preocupação com o detalhe novo, o termo justo, exato, a estalar como uma chicotada e que faz que o pensamento empine, tipografia.
CENDRARS, Blaise. "Les trois états de l'écriture". In: CENDRARS, Miriam. Blaise Cendrars: L'or d'un poète. Paris: Gallimard, 1996.
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Escritura,
Estilo,
Pensamento
11.4.12
Constantinos Caváfis: "Volta" / trad. de José Paulo Paes
Volta
Volta outras vezes e domina-me,
frêmito amado, volta outras vezes e domina-me --
quando a memória do corpo despertar,
quando ao sangue retornar o desejo de outrora
e os lábios e a pele lembrarem e as mãos
sentirem-se como que tocadas de novo.
Volta outras vezes e domina-me, quando a noite
fizer com que os lábios e a pele se lembrem.
PAES, José Paulo (org.: seleção, tradução direta do grego, prefácio, textos críticos e notas) Poesia moderna da Grécia. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986.
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José Paulo Paes,
Poema
8.4.12
Paulo Leminski: "quando eu tiver setenta anos"
quando eu tiver setenta anos
quando eu tiver setenta anos
então vai acabar esta adolescência
vou largar da vida louca
e terminar minha livre docência
vou fazer o que meu pai quer
começar a vida com passo perfeito
vou fazer o que minha mãe deseja
aproveitar as oportunidades
de virar um pilar da sociedade
e terminar meu curso de direito
então ver tudo em sã consciência
quando acabar esta adolescência.
LEMINSKI, Paulo. Caprichos e relaxos. São Paulo: Brasiliense, 1985.
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Poema
6.4.12
Johann Wolfgang von Goethe: "Prometheus" / "Prometeu": trad. de Paulo Quintela
Prometeu
Encobre o teu céu, ó Zeus,
Com vapores de nuvens,
E, qual menino que decepa
A flor dos cardos,
Exercita-te em robles e cristas de montes;
Mas a minha Terra
Hás-de-ma deixar,
E a minha cabana, que não construíste,
E o meu lar,
Cujo braseiro
Me invejas.
Nada mais pobre conheço
Sob o sol do que vós, ó Deuses!
Mesquinhamente nutris
De tributos de sacrifícios
E hálitos de preces
A vossa majestade;
E morreríeis de fome, se não fossem
Crianças e mendigos
Loucos cheios de esperança.
Quando era menino e não sabia
Pra onde havia de virar-me,
Voltava os olhos desgarrados
Para o sol, como se lá houvesse
Ouvido pra o meu queixume,
Coração como o meu
Que se compadecesse da minha angústia.
Quem me ajudou
Contra a insolência dos Titãs?
Quem me livrou da morte,
Da escravidão?
Pois não foste tu que tudo acabaste,
Meu coração em fogo sagrado?
E jovem e bom — enganado —
Ardias ao Deus que lá no céu dormia
Tuas graças de salvação?!
Eu venerar-te? E por quê?
Suavizaste tu jamais as dores
Do oprimido?
Enxugaste jamais as lágrimas
Do angustiado?
Pois não me forjaram Homem
O Tempo todo-poderoso
E o Destino eterno,
Meus senhores e teus?
Pensavas tu talvez
Que eu havia de odiar a Vida
E fugir para os desertos,
Lá porque nem todos
Os sonhos em flor frutificaram?
Pois aqui estou! Formo Homens
À minha imagem,
Uma estirpe que a mim se assemelhe:
Para sofrer, para chorar,
Para gozar e se alegrar,
E pra não te respeitar,
Como eu!”
Prometheus
Bedecke deinen Himmel, Zeus,
Mit Wolkendunst,
Und übe, dem Knaben gleich,
Der Disteln köpft,
An Eichen dich und Bergeshöhn;
Mußt mir meine Erde
Doch lassen stehn
Und meine Hütte, die du nicht gebaut,
Und meinen Herd,
Um dessen Glut
Du mich beneidest.
Ich kenne nichts Ärmeres
Unter der Sonn als euch, Götter!
Ihr nähret kümmerlich
Von Opfersteuern
Und Gebetshauch
Eure Majestät
Und darbtet, wären
Nicht Kinder und Bettler
Hoffnungsvolle Toren.
Da ich ein Kind war,
Nicht wußte, wo aus noch ein,
Kehrt ich mein verirrtes Auge
Zur Sonne, als wenn drüber wär
Ein Ohr, zu hören meine Klage,
Ein Herz wie meins,
Sich des Bedrängten zu erbarmen.
Wer half mir
Wider der Titanen Übermut?
Wer rettete vom Tode mich,
Von Sklaverei?
Hast du nicht alles selbst vollendet,
Heilig glühend Herz?
Und glühtest jung und gut,
Betrogen, Rettungsdank
Dem Schlafenden da droben?
Ich dich ehren? Wofür?
Hast du die Schmerzen gelindert
Je des Beladenen?
Hast du die Tränen gestillet
Je des Geängsteten?
Hat nicht mich zum Manne geschmiedet
Die allmächtige Zeit
Und das ewige Schicksal,
Meine Herrn und deine?
Wähntest du etwa,
Ich sollte das Leben hassen,
In Wüsten fliehen,
Weil nicht
alle Blütenträume reiften?
Hier sitz ich, forme Menschen
Nach meinem Bilde,
Ein Geschlecht, das mir gleich sei,
Zu leiden, zu weinen,
Zu genießen und zu freuen sich,
Und dein nicht zu achten,
Wie ich!
GOETHE, Johann Wolfgang. Poemas. Antologia, versão portuguesa, notas e comentários de Paulo Quintela. Coimbra: Centelha, 1979.
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Johann Wolfgang von Goethe,
Paulo Quintela,
Poema
5.4.12
Adeus a Santuza Cambraia Naves
Hoje foi um dia tristíssimo para mim, pois deu-se o velório de minha querida amiga, Santuza Cambraia Naves, vítima de um AVC sofrido na última terça-feira. Ela será cremada dentro de dois dias.
Casada com o poeta Paulo Henriques Britto, professora do Departamento de Ciências Sociais da PUC do Rio de Janeiro, e autora de importantes trabalhos sobre a música popular brasileira, Santuza era dotada de grande inteligência, sensibilidade e generosidade, e de uma joie de vivre contagiosa. Sua morte é uma perda irreparável para todos os que a conheceram.
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Santuza Cambraia Naves
3.4.12
Adília Lopes: "Marianna e Chamilly"
Marianna e Chamilly
Quando partires
se partires
terei saudades
e quando ficares
se ficares
terei saudades
Terei
sempre saudades
e gosto assim
LOPES, Adília. Caderno. Lisboa: & Etc., 2007.
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Adília Lopes,
Poema
1.4.12
Caetano Veloso no Parque de la Memoria - Monumento a las Víctimas del Terrorismo de Estado -, em Buenos Aires
Em 9 de dezembro de 2011, Caetano Veloso participou de uma entrevista pública no Parque de la Memoria -- Monumento a las Víctimas del Terrorismo de Estado --, em Buenos Aires. A seguir, o trailer do filme de média metragem que será lançado em breve:
Caetano Veloso en el Parque de la Memoria from PARQUE DE LA MEMORIA on Vimeo.
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