13.10.09

Vinícius de Moraes: "Pátria minha"




Pátria minha


A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.

Se me perguntarem o que é a minha pátria, direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria;
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.

Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias pátria minha
Tão pobrinha!

Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação e o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!

Tenho-te no entanto em mim como um gemido
De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como una fé
Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.

Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu...

Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda...
Não tardo!

Quero rever-te, pátria minha, e para
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.

Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.

Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamen
Que um dia traduzi num exame escrito:
"Liberta que serás também"
E repito!

Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão...
Que vontade me vem de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.

Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.

Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:
"Pátria minha, saudades de quem te ama...
Vinícius de Moraes."


MORAES, Vinícius de. Nova antologia poética. Seleção e organização Antonio Cicero, Eucanaã Ferraz. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

8 comentários:

Alcione disse...

Exílio

Minha alma
Perdida na escuridão
Te chama
Não ouves, em vão
Vôo para perto do mar
Invado o destino
Como um menino endiabrado
Sem muito cuidado
Busco suas fronteiras, mananciais
Sonho que é real
No peito uma estrada
Dilacerada
Saudades
Oh, pátria amada, idolatrada
Nem mesmo tu és tão adorada.

Amélia disse...

Tive a sorte de,nos anos sessenta, ouvir e ver Vinícius em Coimbra, Nunca mais esqueci este seu poema que, a determinado n+ivel, só tem parelelo, na poesia brasileira, com a Canção do Exílio de Gonçalves Dias. Gostei de reler.

ADRIANO NUNES disse...

Cicero,


Um poema para eternidade! Excelente! Valeu pela postagem!


Grande abraço,
Adriano Nunes.

paulinho (paulo sabino) disse...

você é LINDO (rs)!!!

ADOREI!!!!

(e salve vinicius, saravá!!!)

beijú!!

ADRIANO NUNES disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Olá Cicero,
só para partilhar uma declamação linda deste poema que pode ser vista em,
http://www.youtube.com/watch?v=wAu1Z8t0kfg

(excerto do documentário de Miguel Faria Jr. Declamação por Chico Buarque, Caetano Veloso, Edu Lobo, Ferreira Gullar, Maria Bethânia e Toquinho.)

abraço,
F.

Lupo Lobato disse...

Brasil!!! grita, chorando...

jorge augusto da maia disse...

Esse poema é lindo.