12.6.11

Paul Eluard: "Liberté" / "Liberdade: trad. de Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade




Liberdade*

Nos meus cadernos de escola
Nesta carteira nas árvores
Nas areias e na neve
Escrevo teu nome

Em toda página lida
Em toda página branca
Pedra sangue papel cinza
Escrevo teu nome

Nas imagens redouradas
Na armadura dos guerreiros
E na coroa dos reis
Escrevo teu nome

Nas jungles e no deserto
Nos ninhos e nas giestas
No céu da minha infância
Escrevo teu nome

Nas maravilhas das noites
No pão branco de cada dia
Nas estações enlaçadas
Escrevo teu nome

Nos meus farrapos de azul
No tanque sol que mofou
No lago lua vivendo
Escrevo teu nome

Nas campinas do horizonte
Nas asas dos passarinhos
E no moinho das sombras
Escrevo teu nome

Em cada sopro de aurora
Na água do mar nos navios
Na serrania demente
Escrevo teu nome

Até na espuma das nuvens
No suor das tempestades
Na chuva insípida e espessa
Escrevo teu nome

Nas formas resplandecentes
Nos sinos das sete cores
E na física verdade
Escrevo teu nome

Nas veredas acordadas
E nos caminhos abertos
Nas praças que regurgitam
Escrevo teu nome

Na lâmpada que se acende
Na lâmpada que se apaga
Em minhas casas reunidas
Escrevo teu nome

No fruto partido em dois
de meu espelho e meu quarto
Na cama concha vazia
Escrevo teu nome

Em meu cão guloso e meigo
Em suas orelhas fitas
Em sua pata canhestra
Escrevo teu nome

No trampolim desta porta
Nos objetos familiares
Na língua do fogo puro
Escrevo teu nome

Em toda carne possuída
Na fronte de meus amigos
Em cada mão que se estende
Escrevo teu nome

Na vidraça das surpresas
Nos lábios que estão atentos
Bem acima do silêncio
Escrevo teu nome

Em meus refúgios destruídos
Em meus faróis desabados
Nas paredes do meu tédio
Escrevo teu nome

Na ausência sem mais desejos
Na solidão despojada
E nas escadas da morte
Escrevo teu nome

Na saúde recobrada
No perigo dissipado
Na esperança sem memórias
Escrevo teu nome

E ao poder de uma palavra
Recomeço minha vida
Nasci pra te conhecer
E te chamar

Liberdade



Liberté

Sur mes cahiers d'écolier
Sur mon pupitre et les arbres
Sur le sable de neige
J'écris ton nom

Sur les pages lues
Sur toutes les pages blanches
Pierre sang papier ou cendre
J'écris ton nom

Sur les images dorées
Sur les armes des guerriers
Sur la couronne des rois
J'écris ton nom

Sur la jungle et le désert
Sur les nids sur les genêts
Sur l'écho de mon enfance
J'écris ton nom

Sur les merveilles des nuits
Sur le pain blanc des journées
Sur les saisons fiancées
J'écris ton nom

Sur tous mes chiffons d'azur
Sur l'étang soleil moisi
Sur le lac lune vivante
J'écris ton nom

Sur les champs sur l'horizon
Sur les ailes des oiseaux
Et sur le moulin des ombres
J'écris ton nom

Sur chaque bouffée d'aurore
Sur la mer sur les bateaux
Sur la montagne démente
J'écris ton nom

Sur la mousse des nuages
Sur les sueurs de l'orage
Sur la pluie épaisse et fade
J'écris ton nom

Sur les formes scintillantes
Sur les cloches des couleurs
Sur la vérité physique
J'écris ton nom

Sur les sentiers éveillés
Sur les routes déployées
Sur les places qui débordent
J'écris ton nom

Sur la lampe qui s'allume
Sur la lampe qui s'éteint
Sur mes maisons réunies
J'écris ton nom

Sur le fruit coupé en deux
Du miroir et de ma chambre
Sur mon lit coquille vide
J'écris ton nom

Sur mon chien gourmand et tendre
Sur ses oreilles dressées
Sur sa patte maladroite
J'écris ton nom

Sur le tremplin de ma porte
Sur les objets familiers
Sur le flot du feu béni
J'écris ton nom

Sur toute chair accordée
Sur le front de mes amis
Sur chaque main qui se tend
J'écris ton nom

Sur la vitre des surprises
Sur les lèvres attendries
Bien au-dessus du silence
J'écris ton nom

Sur mes refuges détruits
Sur mes phares écroulés
Sur les murs de mon ennui
J'écris ton nom

Sur l'absence sans désir
Sur la solitude nue
Sur les marches de la mort
J'écris ton nom

Sur la santé revenue
Sur le risque disparu
Sur l'espoir sans souvenir
J'écris ton nom

Et par le pouvoir d'un mot
Je recommence ma vie
Je suis né pour te connaître
Pour te nommer

Liberté



* O primeiro título desse poema foi "Une seule pensée", isto é, "Um único pensamento", título empregado por Bandeira e Drummond em sua tradução. Alguns anos depois, o próprio Éluard alterou esse título para "Liberté", isto é, "Liberdade".


ÉLUARD, Paul. Poésies et vérités. Paris: Ed. de Minuit, 1942.

ÉLUARD, Paul. "Um único pensamento". Tradução de Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade. In: MAGALHÃES JÚNIOR, R. Antologia de poetas franceses. Rio de Janeiro: Gráfica Tupy, 1950.

6 comentários:

Jefferson Bessa disse...

Em meio a tantas coisas: a liberdade. Em um nome, em um vocativo: a liberdade. Lindo mesmo!

Um poema que escrevi:

um dia se deitará ainda
manso sem querer pensar
um dia pousará no instante
como um nada que resiste
sobre o pleno de meu corpo
e sozinho chegará
assim calmo, leve e brando
assim fácil, todo e logo...
vamos juntos esquecer
juntos levianamente
um dia se deitará ainda
manso sem querer pensar:
um vento qualquer no ar
e irá pousar sobre mim
sem saber como e por que

Um abraço.
Jefferson.

Oleg disse...

Liberté, oui: une de ces catégories-là qui ne se décrivent point, une des conditions indispensables de l'existence humaine, belle, quoique sans aucune forme comme l'air que l'on respire, quelque chose digne d'être écrite, réellement, sur toute la vie avec des lettres de sang et d'espoir.

Alcione disse...

Leve ao ar
Uma pluma
A te olhar
Que de queda
Pedra pura
Pua
O desejo de mar
Doravante devotado devorado
Devoto sem qualquer dever
A não ser
Ver flores e cores na tela
Em redemoinho
Beber um copo de vinho
E à sombra
A janela.

bia reinach disse...

Li isto em um site e achei muito interessante. O site é
http://www.algumapoesia.com.br

"Além de ser um poema magnífico do ponto de vista literário, "Liberté", de Paul Éluard, carrega consigo o peso da História. Escrito em 1942, com o título "Une Seule Pensée" (Um Único Pensamento), esse texto foi transportado clandestinamente da França, ocupada pelos nazistas, para a Inglaterra.

Em 1943, traduzido para vários idiomas, o poema foi distribuído como um panfleto, lançado por aviões aliados nos céus da Europa conflagrada.

O responsável por contrabandear essa preciosidade da França ocupada para a Inglaterra foi um brasileiro, o pintor pernambucano Cícero Dias (1907-2003). Em reconhecimento a essa proeza, Dias foi condecorado pelo governo francês com a Ordem Nacional do Mérito, em 1998.

Paul Éluard — nom de plume de Eugène-Émile-Paul Grindel (1895-1952) — foi um dos expoentes da poesia surrealista. Membro do partido comunista francês, participou da Resistência aos nazistas na Segunda Guerra Mundial.

Além do ato heróico de Cícero Dias, Éluard tem outro ponto de contato com o Brasil. Em 1913-14, foi colega do poeta Manuel Bandeira num sanatório em Clavadel, na Suíça. Lá, ambos se tratavam de tuberculose."

Antonio Cicero disse...

Bia,

muito obrigado. Eu não sabia nada disso. É fascinante.

Abraço

Bruna Burgos disse...

Esse poema é lindo, inspirador!