9.6.11

Guillaume Apollinaire: "La jolie rousse" / "A linda ruiva": trad. de Antonio Cicero




A linda ruiva

Eis-me diante de todos um homem cheio de senso
Conhecendo da vida e da morte o que um vivo pode conhecer
Tendo provado as dores e as alegrias do amor
Tendo sido capaz vez por outra de impor suas idéias
Sabendo várias línguas
Tendo viajado não pouco
Tendo visto a guerra na Artilharia e na Infantaria
Ferido na cabeça trepanado com clorofórmio
Tendo perdido seus melhores amigos na luta pavorosa
Conheço do antigo e do novo tanto quanto um homem só poderia saber de ambos
E sem hoje preocupar-me com essa guerra
Entre nós e para nós meus amigos
Julgo essa longa querela da tradição e da invenção
Da Ordem e da Aventura

Vós, cuja boca é feita à imagem da de Deus
Boca que é a própria ordem
Sede indulgentes quando nos comparades
Com aqueles que foram a perfeição da ordem
Nós que em toda a parte buscamos a aventura

Não somos vossos inimigos
Queremos dar-vos vastos e estranhos domínios
Onde o mistério em flores se oferece a quem o quiser colher
Lá existem fogos novos de cores jamais vistas
Mil fantasmas impoderáveis
Aos quais é preciso dar realidade
Queremos explorar a bondade país enorme onde tudo se cala
Há também o tempo que se pode expulsar ou mandar retornar
Piedade de nós que combatemos sempre nas fronteiras
Do ilimitado e do futuro
Piedade de nossos erros piedade de nossos pecados
Eis que retorna o verão a estação violenta
E minha juventude morreu como a primavera
Oh sol chegou o tempo da Razão ardente
E espero
Para segui-la sempre a forma nobre e suave
Que ela assume para que eu a ame unicamente
Ela vem e me atrai como um ferro o íman
Ela tem o aspecto adorável
De uma adorável ruiva
Seus cabelos são de ouro dir-se-iam
Um belo relâmpago que durasse
Ou essas chamas que pavoneiam
Nas rosas-chá que murcham

Mas ride ride de mim
Homens de toda parte sobretudo gente daqui
Pois há tantas coisas que não ouso contar-vos
Tantas coisas que não me deixaríeis dizer
Tende piedade de mim.


La Jolie rousse

Me voici devant tous un homme plein de sens
Connaissant la vie et de la mort ce qu'un vivant peut connaître
Ayant éprouvé les douleurs et les joies de l'amour
Ayant su quelquefois imposer ses idées
Connaissant plusieurs langages
Ayant pas mal voyagé
Ayant vu la guerre dans l'Artillerie et l'Infanterie
Blessé à la tête trépané sous le chloroforme
Ayant perdu ses meilleurs amis dans l'effroyable lutte
Je sais d'ancien et de nouveau autant qu'un homme seul
Pourrait des deux savoir
Et sans m'inquiéter aujourd'hui de cette guerre
Entre nous et pour nous mes amis
Je juge cette longue querelle de la tradition et de l'invention
De l'Ordre de l'Aventure

Vous dont la bouche est faite à l'image de celle de Dieu
Bouche qui est l'ordre même
Soyez indulgents quand vous nous comparez
A ceux qui furent la perfection de l'ordre
Nous qui quêtons partout l'aventure

Nous ne sommes pas vos ennemis
Nous voulons nous donner de vastes et d'étranges domaines
Où le mystère en fleurs s’offre à qui veut le cueillir.
Il y a là des feux nouveaux des couleurs jamais vues
Mille phantasmes impondérables
Auxquels il faut donner de la réalité
Nous voulons explorer la bonté contrée énorme où tout se tait
Il y a aussi le temps qu'on peut chasser ou faire revenir
Pitié pour nous qui combattons toujours aux frontières
De l'ilimité et de l'avenir
Pitié pour nos erreurs pitié pour nos péchés
Voici que vient l'été la saison violente
Et ma jeunesse est morte ainsi que le printemps
O Soleil c'est le temps de la raison ardente
Et j'attends
Pour la suivre toujours la forme noble et douce
Qu'elle prend afin que je l'aime seulement
Elle vient et m'attire ainsi qu'un fer l'aimant
Elle a l'aspect charmant
D'une adorable rousse
Ses cheveux sont d'or on dirait
Un bel éclair qui durerait
Ou ces flammes qui se pavanent
Dans les roses-thé qui se fanent

Mais riez riez de moi
Hommes de partout surtout gens d'ici
Car il y a tant de choses que je n'ose vous dire
Tant de choses que vous ne me laisseriez pas dire
Ayez pitié de moi


APOLLINAIRE, Guillaume. Calligrammes. Poèmes de la paix et de la guerre. Gallimard, 1925.

3 comentários:

ADRIANO NUNES disse...

Cicero,

Bravo! Grato por compartilhar e por esta bela tradução!


Um poema:

"visita íntima"

não posso falar mais nada.
um dragão faminto
abrigou-se
no labirinto íntimo
da minha casa.
silêncio!

quase agora,
revirando tudo que penso,
o monstro devora a

última palavra.


Abração,
Adriano Nunes

Alcione disse...

Poema maravilhoso, obrigada por compartilhar e a tradução, exímia, só fiquei na dúvida se na última estrofe há mesmo a repetição "mas ride ride de mim", bjs!

Antonio Cicero disse...

Obrigado, Alcione.

Foi na transcrição do original francês que omiti um "riez". Mas já corrigi isso.

Beijo