10.3.10

Evando Nascimento: "semáforo"





semáforo
(desvio)

atenção ao vão entre o trem e a plataforma
vire à direita, não dobre à esquerda
ceda a preferencial
não aceite imitações
com quantas chaves se faz uma prisão
não ultrapasse a faixa amarela
mantenha distância
proibido não fumar
saída de emergência
horários de atendimento:
este lado para cima
fechar portas
pare! siga! recue...
brigada de incêndio
um minuto de sua atenção
bancos preferenciais para idosos
caixa idem, fila ibidem
no atacado e no varejo
serviços de marmoraria e flores
queima total de estoque até o último cliente
descanse em paz na eterna saudade
aqui jazz sessão noturna livre
cessão de direitos
seção de presentes ou de cadastro
(intersessão intercessão interseção)
trânsito lento normal congestionado
pegue o atalho, marginal
ironia não vale
tomar uma única dose no desjejum
seu sistema pode estar em risco!
observe as normas de segurança
apague o extintor
a companhia anuncia
sentido único
não há saída deste aeroporto
consentido dobrar a coluna e/ou ajoelhar
se persistirem os sintomas, procure especialista
como você achar melhor
eu preferia não
modo de usar
favor não tocar
receitas no verso
artigos para pronta-entrega
mão dupla contramão “promoção”
stop! siga! diminua... pare! avance se tiver coragem
acesso reservado a pessoas estranhas ao serviço
como fazer coisas sem palavras
pisar na grama
permitido proibir
beba sem moderação
pista interrompida
dirigir-se ao guichê do lado
repare nos avisos luminosos
atar cintos e afrouxar a gravata
fumar faz (bem) (mal) à saúde
agite antes de ingerir
mercadoria adulterada
beba frio morno quente
puxe a lingüeta para abrir
pede-se urinar fora do vaso
departamento pessoal
sal a gosto
válido até segunda ordem
olá, tudo bem?
digite sua senha
ordinário, marche
animais selvagens
atendimento personalizado
embalagem anônima
privacidade garantida
data de expedição
ligar mais tarde
tente outra vez
frágil
só para contrariar
extra! extra! extra!
recorte no pontilhado
zele por sua cultura geral
tome apenas genéricos
em doses homeopáticas e/ou letais
overdose sua saúde, tenha paciência
no momento não estou em casa
perdoai-os, pai, eles sabem o que fazem
objetos encontrados, sujeitos perdidos
arquivo editar inserir formatar ajuda – socorro!
o negócio é o seguinte:
mãos para o alto
corações também
deixe sua mensagem
após o bipppp
pise no freio
já volto
câmbio!
servir numa travessa
almoço comercial
prato-feito
vide bula
sentido!
expediente externo
para seu descontrole
jogue fora do lixo
servir com champanhe
solicitar confirmação de leitura
marque com x a resposta certa
recomendado para menores de 18 anos
ame-o deixe-o esqueça
passagem liberada com restrições
lombada e quebra-mola
se dirigir não beba, se beber não escreva
preencha corretamente as informações solicitadas
você deseja: salvar como – abrir – cancelar – perder a cabeça?
declaro inaugurada a exposição
feche os olhos, agora abra, veja só
senhor fulano, compareça ao balcão da empresa
mas traga a patroa
tornei-me um ébrio
como manda o figurino
comme il faut, por favor
ligação interurbana a cobrar
consertam-se roupas e eletrodomésticos
cavalheiros (ele) / damas (ela)
masculino feminino neutro
ou vice-versa: wc
entre sem bater
código morse braille de barras
luz câmeras flash!
3, 2, 1 gravando
nenhuma mensagem nova
sorria, você está sendo filmado
na alegria e na tristeza
deitado, deitado
inspire, expire, diga bééé
rasgue o selo para leitura
assaltos adiante
perigo polícia
disque denúncia
identifique-se ou morra
disque suicídio, a vida ou seu dinheiro de volta
a bolsa ou a própria
seja bandido, seja herói
muito obrigado!
abc olp onu fmi fbi & cia – fui!
senhores passageiros, meteoro à vista
vai passando a grana
zona de turbulência
tenha uma boa noite
declive aclive
deslize para o azul, ou rosa
apresente-se à recepção
queira aguardar
como quiseres
venda a prazo até acabar o estoque
aceita-se oferta
siga as instruções
não pise na bola
deixa rolar

– faz todo sentido.
– você é muito agradável.
– eu ia dizer o mesmo a seu respeito.
– ficamos combinados.
– totalmente de acordo.
– até lá então.
– até, tchauzinho.



NASCIMENTO, Evando. Retrato desnatural. Rio de Janeiro: Record, 2008.

7 comentários:

paulinho (paulo sabino) disse...

nooooossa, poema vertiginoso!! que poder o das palavras arranjadas dessa forma, caramba!!

e LINDO!! a começar pelo título, "semáforo", aparelho de sinalização, utilizado para orientar os diversos tipos de tráfego - aéreo, ferroviário, rodoviário, fluvial, marítimo -, o que acaba por orientar, conseqüentemente, o tráfego humano, o tráfego das gentes mundo afora, os sentidos que tomamos nos nossos rumos.

apesar de versos quebrados, aparentemente "soltos", eles se conectam, fazem todo sentido (rs).

DELÍCIA de ler!!

beijo, poeta e amigo querido, sempre sempre benvindo!

ADRIANO NUNES disse...

Cicero,

Muito bom! Lembrei-me de Drummond! Você sabe o nome do poema, qual poema? Poderia postá-lo também?? Ficaria grato! Acho que algo sobre classificados, jornais... Não lembro agora.


Grande abraço,
Adriano Nunes.

Alcione disse...

Inusitado

Inusitado
De repente
Um trocado
Inusitado
De repente
Um bom bocado
No metrô ou na viela
Favela
A vida é bela
Quando eu penso (só)
Nela
Tambores e cores
Refletindo seu semblante
Enchem de flores a rua
Aonde, nua
Vestes só um diamante

Laura disse...

o que me impressiona nesse denso poema é que ele é todo feito com lugares-comuns de placas, avisos e sinais públicos. uma espécie de ready made da linguagem, tornando poético aquilo que não tem nada de poesia. por isso imagino que você o postou, pois dialoga perfeitamente com seu artigo na Folha. o diálogo final, cheio de clichês, redobra a ironia do poema como um todo. no fim, nada mais está em seu lugar (comum), tudo foi desviado, conforme o subtítulo. amei.

Aetano disse...

Cicero,

Muito bom! O poema realiza um antigo sonho meu: colecionar pequenas "mensagens coercitivas" que, assim reunidas, nos despertariam para o quanto a vida é regulada.

Por outro lado, este poema, o de Tavinho Paes e o seu artigo podem ser entendidos, também, como uma "demonstração" de que somente fruindo a vida esteticamente poderemos nos libertar do fardo de tantas normas, porquanto estas também podem ser fontes de prazer - estético.

Abraços. Muito Grato.

Aeta

Marcelo Diniz disse...

Querido Cícero,

Essa série recente me fez pensar em um decassílabo de cesura curiosa muito frequente no windows...

Estes trinta minutos de intervalo
entre um e outro turno do expediente,
embora pouco, é tempo suficiente
para mais um soneto, ainda que ralo;

caso supérfluo, um dia, venha achá-lo
quem no futuro o leia, indiferente,
saiba que, às vezes tudo, de repente,
depende tão somente de um estalo;


se nada mais se fez, em meia hora,
além deste soneto sem razão
de se gravar ou ser jogado fora,

cabe a você, leitor, a decisão
de qual tecla escolher se acaso, agora,
deseja salvar, sim, cancelar, não.

Marcelo Diniz

Domingos da Mota disse...

Caro Antonio Cícero,

Depois de ler este belo e vertiginoso poema, como o classificou e bem, Paulo Sabino, permita-me que deixe aqui um outro poema de Jorge Sousa Braga, do seu livro Fogo sobre Fogo:

SEMÁFOROS DA CONSTITUIÇÃO

Verde amarelo vermelho...
Para quando um semáforo
com as cores todas do arco-íris?