No dia 12 do corrente dei a seguinte entrevista para o Adriano Nunes, que a publicou no seu belo blog (Quefaçocomoquenãofaço):
ADRIANO NUNES: Como se deu seu interesse pela Poesia?
ANTONIO CICERO: Quando garoto, no ginásio, ao ler I-Juca Pirama, de Gonçalves Dias, na antologia escolar. Depois, quando fui com minha família morar nos Estados Unidos, ao ler, no “high school”, os poetas românticos ingleses, Walt Whitman e Emily Dickinson.
ADRIANO NUNES: Em que período da sua vida você sentiu/descobriu que era poeta? Esta descoberta não perturbou o seu "eu" filosófico já que a Filosofia é uma das suas paixões?
ANTONIO CICERO: Por essa época eu comecei a escrever textos que considerava poemas. Mas a poesia não é uma profissão. Ninguém vive de poesia, de modo que, quando eu pensava no que queria ser quando me tornasse adulto, jamais me passava pela cabeça ser poeta. Entretanto, eu escrevia esses textos que considerava poemas, de modo que talvez, se pensasse no assunto, me considerasse poeta: mas eu não pensava no assunto. Ser poeta era, nesse sentido, uma coisa que fazia parte de mim, como ter cabelos pretos. Mas demorou muito para que eu me definisse como poeta. Na verdade, isso só ocorreu depois que diferentes pessoas começaram a pensar em mim como poeta.
Muito cedo li Tolstoi, Dostoievski, Thomas Mann, Machado de Assis etc., de modo que o que eu queria mesmo ser era um romancista, ou melhor, ser um grande romancista, pois era muito ambicioso. Depois, quando comecei a ler filosofia, pensei em ser um filósofo, embora jamais – nem mesmo hoje, nem mesmo depois que algumas outras passaram a me chamar de “filósofo” – ousei me dizer tal. É que basta que uma pessoa escreva poemas – mesmo que não sejam bons – para que, de certo modo, eu ache certo chamá-la de poeta, mas não basta que uma pessoa escreva livros de filosofia ou dê aula de filosofia para que eu a considere um filósofo. Só considero filósofo aquele cujo pensamento conceitual seja capaz de me obrigar a aguçar ou a tornar mais profundo ou mais preciso ou mais sutil o meu próprio pensamento conceitual. Assim, para mim, “filósofo” é um título honorífico, que só pode ser atribuído por outros filósofos.
ADRIANO NUNES: Atualmente, a Poesia ou a Filosofia lhe dá mais alegria?
ANTONIO CICERO: A poesia, que é aberta ao princípio do prazer. A filosofia, por outro lado, obedece ao princípio do desempenho.
ADRIANO NUNES: Ter blog, escrever canções, fazer poemas, filosofar... como você utiliza o seu tempo no dia-a-dia para conciliar suas atividades artísticas?
ANTONIO CICERO: No momento, está muito complicada essa conciliação. Ando muito sem tempo, o que está me angustiando.
ADRIANO NUNES: Quais poetas diretamente e indiretamente influenciaram suas obras?
ANTONIO CICERO: Não é fácil saber o que foi que realmente nos influenciou. Tudo aquilo de que realmente gostei me influenciou. Entre os poetas de que mais gosto estão Homero, Horácio, Baudelaire, Goethe, Hölderlin, Rilke, Yeats, T.S. Eliot, Pessoa, Drummond.
ADRIANO NUNES: Vêem-se claramente em seus poemas temas mitológicos. Você consegue transpor tais temas para o cotidiano e o leitor se identifica com as imagens ali projetadas. Seria influência mesmo dos clássicos gregos ou fascínio pela Mitologia?
ANTONIO CICERO: O que chamamos de “mitologia” são histórias contadas nas obras dos grandes poetas gregos: Homero, Hesíodo, Píndaro, Sófocles etc. Essas obras, como todas as obras canônicas, fazem parte importante do patrimônio cultural dos poetas – e dos leitores de poesia – modernos. Elas fazem parte do vocabulário da nossa imaginação. Eu as uso mais ou menos como uso as palavras da língua. Elas são minhas, fazem parte do meu ser.
ADRIANO NUNES: Quando se discute Vanguarda no Brasil, o seu nome é frequentemente citado. O seu livro Finalidades Sem Fim trata deste assunto com clareza e requinte. Não há mais Vanguarda? Não é possível mais haver movimentos vanguardistas?
ANTONIO CICERO: A vanguarda é o que vai à frente, para mostrar o caminho para todos os demais. Só se pode falar do caminho quando se trata de um só caminho para todos. Ora, o único caminho que todos devem seguir é o de compreender que não há um só, que não há um único caminho, que há uma infinidade de caminhos possíveis: que cada um tem o direito de seguir o seu próprio caminho. Querendo ou não querendo, foi esse o caminho que a vanguarda apontou. Depois disso não há mais necessidade de vanguarda. Não é mais necessário mostrar que há uma infinidade de caminhos, porque isso já foi feito; e se, ao contrário, alguém quiser voltar a um único caminho, ou um único conjunto de caminhos, essa pessoa estará, na verdade, voltando atrás, e não sendo vanguardista. A pretensão de ser vanguardista hoje é, portanto, algo reacionário. É claro que todo tipo de experimentação é e sempre será possível, mas seria errado chamá-la de “vanguarda”.
ADRIANO NUNES: Na apresentação do seu livro de poemas A Cidade e o Livros, José Miguel Wisnik diz:"Um livro espantosamente belo, e ainda capaz - homoeróticas - das mais límpidas declarações de amor que temos visto." Há preconceito na Poesia? Por que "ainda capaz" soa como se não fosse possível?
ANTONIO CICERO: Não considero preconceituosa a declaração do Wisnik. Eu a parafrasearia do seguinte modo: “um livro que, além de espantosamente belo, é capaz das mais límpidas declarações de amor – por acaso homoeróticas – que temos visto”.
ADRIANO NUNES: Você sempre procura alertar para que todo poema seja bem trabalhado. O que é ser bem trabalhado?
ANTONIO CICERO: Um poema é bem trabalhado quando o poeta não confia apenas na sua primeira intuição e não se contenta rapidamente com a primeira manifestação dele, mas dá chance a que essa primeira manifestação se desenvolva maximamente, empregando ao mais alto grau todas as faculdades de que ele (o poeta) for dotado.
ADRIANO NUNES: Em muitas antologias poéticas contemporâneas, o seu poema Guardar está presente e muitos críticos/poetas/artistas consideram esse poema um dos mais belos da Poesia Brasileira. Como se deu o processo de criação desse poema?
ANTONIO CICERO: Não sei explicar. Ele parece ter-se desdobrado por conta própria.
ADRIANO NUNES: Você esperava vencer o Prêmio Nestlé de Literatura?
ANTONIO CICERO: Não esperava, mas é claro que queria ganhá-lo.
ADRIANO NUNES: As letras de suas canções tratam de variados assuntos, mais e intensamente de amor e paixão e ao mesmo tempo de amores em que o amante/amado encontram-se como se afastados do amor e da felicidade, numa luta de egos e de fugas/entregas/medos...como se tivessem que aprender a amar. Por quê?
ANTONIO CICERO: É outra coisa que não sei explicar. Elas vêm assim.
ADRIANO NUNES: O seu blog Acontecimentos é muito visitado. Como consegue manter atualizadas suas postagens e ainda responder aos comentários dos leitores? É gratificante essa troca de informações pela Internet?
ANTONIO CICERO: Ponho no blog as coisas de que gosto muito. Sempre fui muito organizado nas minhas leituras. Desde estudante universitário, tomo notas, acompanhadas de observações minhas, de quase tudo o que leio. Mas, no blog, não tenho tido tempo de fazer tantos comentários quanto antigamente. De todo modo, quando o faço, não só os leitores me ensinam muitas coisas mas, quando tento lhes explicar o que penso, explico-o também para mim mesmo.
ADRIANO NUNES: Quais poetas em atividade você pode citar como bons, que estão produzindo poemas belos, que estão em busca de Poesia de Qualidade, se é que tal termo possa ser aplicado.
ANTONIO CICERO: Acho que tal termo pode ser aplicado. Há vários poetas bons em atividade. É sempre ruim citar porque a gente não pode citar todo o mundo e sempre esquece de alguém que não podia ter deixado de citar. Além dos já clássicos Ferreira Gullar, Augusto de Campos e Décio Pignatari, que continuam produzindo, há, por exemplo, em ordem alfabética, Arnaldo Antunes, Eucanaã Ferraz, Nelson Ascher e Paulo Henrique Brito. Dos novíssimos, Omar Salomão é muito bom.
ADRIANO NUNES: O que faz um poema ser considerado belo?
ANTONIO CICERO: Não há regra geral para isso. Isso não quer dizer que valha tudo. É que são muitos os elementos que entram em jogo na apreciação de um poema. Entretanto, a verdade é que, com o tempo, embora qualquer um, de qualquer origem, possa se manifestar, e embora muitíssimos efetivamente se manifestem, tende a haver consenso em torno de determinadas obras.
ADRIANO NUNES: Os poetas virtuais estão aí publicando poemas em blog/sites, já que há certa dificuldade/custo com editoras para que um livro seja publicado. O que seria preciso para que as Editoras publicassem mais livros de poemas? Nas livrarias, o espaço reservado para a área "POESIA" é sempre menor em comparação com outras áreas. Poesia não dá dinheiro?
ANTONIO CICERO: Não, poesia não dá dinheiro. Leminski dizia que isso é uma das grandes vantagens da poesia sobre as outras artes, pois significa que ninguém faz poesia por dinheiro. Observo que isso não é de hoje. Sempre foi assim, desde que surgiu a poesia escrita. E antigamente era pior, pois não havia Internet. Além disso, é muito mais barato publicar um livro hoje do que há poucos anos atrás.
ADRIANO NUNES: Quais seus próximos projetos literários?
ANTONIO CICERO: Um livro de poemas.
ADRIANO NUNES: Que há de "novo" e bom no gigantesco mundo das Artes?
ANTONIO CICERO: O reconhecimento internacional da importância das artes plásticas brasileiras. O caminho foi aberto pelas exposições de Hélio Oiticica na Europa e nos Estados Unidos. No momento, Cildo Meireles está tendo uma grande exposição na Tate Modern, em Londres.
ADRIANO NUNES: Há algum poeta nesse mundo virtual de blog/sites que você considera como bom e promissor?
ANTONIO CICERO: Sim: você, por exemplo.
ADRIANO NUNES: Qual o poder e o peso de um poema?
ANTONIO CICERO: A leitura cuidadosa de um grande poema é capaz de fazer o leitor dizer a si próprio, como Rilke, ao contemplar o torso arcaico de Apolo: “Tens que mudar tua vida”.
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12 comentários:
Prezado Antônio Cícero,
Eu gostaria de aproveitar para saber como ficou o seu projeto de um livro teórico abordando a métrica na poesia portuguesa, citado en passant aqui no blog.
Um abraço,
João Renato.
Caro João Renato,
Esse livro está infelizmente, para desgosto do meu editor, um pouco atrasado. Mas espero que saia em breve.
Abraço,
Antonio Cicero
Cicero,
Obrigado! Você é o meu farol! Aproveito e deixo aqui o meu mais novo poema. Fiz para Marina.
"O OUTRO" (PARA MARINA LIMA)
Eu carne tez osso
Dentro de mim oco
Fora de si solto
Eu alma voz corpo
Púbis ônix Fênix
Tórax Ajax olho
Hálux luz sêmen
Amanhã me escolho
Eu pedaço todo
Dentro de mim outro
Fora de si louco
Eu âmago porto.
Abração!
Adriano Nunes.
Antonio Cicero, foi um prazer ler está entrevista e saber um pouco de ti. Republiquei em meu blog(www.palavrasdeummundoincerto.blogspot.com), com a autorização do Adriano, essa entrevista. Ainda não li Dostoiévski. Mas ali na minha mesinha estão me esperando: "CRIME E CASTIGO" E "O IDIOTA".
Muito obrigado pela atenção!!!
Abraços!!!
Marcos Seiter
Meu comentário de então:
"Tenho de mudar a minha vida!
Agradecimentos ao Cicero - um intelectual generoso - e ao Adriano - o poeta que inquieta.
Eta."
(13 de Janeiro de 2009 11:24)
Como um dos marcadores dessa entrevista é o termo "poetas", para louvá-los e agradecê-los - Cicero sabe que não estou sendo irônico - posto um trecho da Seção 84, do livro "A Gaia Ciência", de Nietzsche, com tradução de Paulo César de Souza:
"[...] Não é divertido que mesmo os filósofos mais sérios, normalmente tão rigorosos em matéria de certezas, recorram a CITAÇÕES DE POETAS para dar força e credibilidade a seus pensamentos? - e, no entanto, uma verdade corre mais perigo quando um poeta a aprova do que quando a contradiz! Pois, como diz Homero: "mentem demais os cantores!".
P.S. Deixando mais explícito a minha falta de ironia: para Nietzsche, a verdade é tão mentirosa quanto a mentira é verdadeira.
Parabéns ao Adriano Nunes pela entrevista gostosa de ler.
Só a informação que teremos um novo livro de poemas já vale o jornalismo do médico poeta, plural.
Vigio Guardar entre meus guardados como referência do melhor que há em POESIA.
Querido Cicero,
adorei a entrevista. Parabéns ao Adriano e obrigado por dividi-la conosco. Sempre é bom estar mais perto do seu pensamento.
Um beijo grande.
Cicero, você é um exemplo de humildade, no melhor sentido que essa palavra dispõe. Me orgulho muito de ter a chance de conhecer você e o seu trabalho.
Parabéns.
poeta(s!)
a entrevista,...
que bonito!
para nós que gostamos muito de Antônio, Adriano prestou homenagem!
obrigada ao dois!
grande abraço!
Cícero,
quando criança ouvia uma voz num disco da Marina que dizia:
A minha vida tem uma menina chamada Marina
Ela é a cobra do meu paraíso
Ela é a dobra do meu paraíso
Ela é a sobra do meu paraíso
Ela é a sombra do meu paraíso
Ela é a cobra
Parava e ficava ali, me deliciando com aquilo. Só bem depois é que me dei conta quem era Antonio Cícero e sua poesia. Ler e ouvir cada canção dos discos da Marina com teus poemas musicados é um enorme privilégio para nós.
Um forte abraço
Foi ótimo conhecer um pouco mais das suas idéias, Antonio Cicero, nesta entrevista ao Adriano Nunes. De volta das férias, retornei aos meus blogs preferidos.
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