6.7.21

José Régio: "Testamento do poeta"

 



Testamento do poeta



Todo esse vosso esforço é vão, amigos:

Não sou dos que se aceita... a não ser mortos.

Demais, já desisti de quaisquer portos;

Não peço a vossa esmola de mendigos.


O mesmo vos direi, sonhos antigos

De amor! olhos nos meus outrora absortos!

Corpos já hoje inchados, velhos, tortos,

Que fostes o melhor dos meus pascigos!


E o mesmo digo a tudo e a todos, - hoje

Que tudo e todos vejo reduzidos,

E ao meu próprio Deus nego, e o ar me foge.


Para reaver, porém, todo o Universo,

E amar! e crer! e achar meus mil sentidos!....

Basta-me o gesto de contar um verso.




RÉGIO, José. "Testamento do poeta". In: BERARDINELLI, Cleonice (org.).Cinco séculos de sonetos portugueses de Camões a Fernando Pessoa. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013.

Um comentário:

Touché disse...

José REgio tem uma força e uma mágica impossíveis de se explicar.