7.1.19

Alain Bosquet: "Le mot par le mot" / "Do verbo o verbo...": trad. por Mário Laranjeira



Do verbo o verbo...

É o poema em mim que escreve o meu poema,
do verbo o verbo se origina.
Ele é meu ocupante; e nem sei se me ama.
Quer a poesia, essa inquilina,

meu espaço vital gerir e, furibunda,
ralha: quem sabe estou errado.
Há de absolver-me um dia; em sua porção mais funda,
eu lhe preparo um melhor fado.

Faremos par feliz; há de a minha alegria 
vencer-lhe toda inquietação.
Os trêmulos detesta; a mim não cederia 
emprego algum: a narração,

nem a trama, ou a letra, ou mesmo a melodia, 
pois tudo quer decidir logo.
Meu cérebro retrai-se e a minha razào fria 
Não vale um dado posto em jogo.

Sou para o meu poema esqueleto ilusório;
numa mortalha ia melhor.
Ele é adulto, pode ser o promontório,
a ave, o azul e a tília em flor.

Nada mais a dizer, poeta; quieto assim
sonhando com sonhar eu vou.
Em si mesmo se pensa o poema, sem mim;
luxúria de que me privou.





Le mot par le mot

C'est le poème en moi qui écrit mon poème ;
Le mot par le mont engendré.
Il est mon occupant ; je ne sais pas s'il m'aime.
Mon locataire veut gérer

Mon espace vital et, de plus, il me gronde : 
peut-être suis-je dans mon tort. 
Il m'absoudra un jour ; en ses couches profondes, 
je lui prépare un meilleur sort.

Nous formerons un couple heureux ; mon allégresse 
aura raison de ses soucis. 
Il a horreur des trémolos ; il ne me laisse 
aucun emploi : ni le récit,

ni le déroulement, ni l'air, ni la musique
car il prétend tout décider. 
Mon cerveau se rétracte et ma pauvre logique 
vaut moins, dit-il, qu'un coup de dé.

Je suis pour mon poème un squelette inutile, 
qui ferait mieux dans un linceul. 
Il est adulte, il peut devenir la presqu'île, 
l'oiseau, l'azur et le tilleul.

Je n'ai plus rien à dire, Ô poète : en silence 
je rêve au défi de rêver. 
Mon poème sans moi en soi-même se pense, 
luxure dont il m'a privé.





BOSQUET, Alain. "Le mot par le mot" / "Do verbo o verbo...". In: LARANJEIRA, Mário (seleção, org. e trad.) Poetas de França hoje (1945-1995). São Paulo: EDUSP, 1996. 

6 comentários:

bea disse...

Não acredito, o poema não se pensa a si mesmo. Exige o poeta e o leitor.

Nobile José disse...

Oi Cícero, tudo bem?

Me ocorreu que o sucesso de Bolsonaro talvez tenha origem na opção, por parte significativa da esquerda, pela catácrase catabiásca.

Ao negar o absoluto negativo e suas consequências (dentre elas, a necessidade de se rejeitar os regimes ditatoriais de esquerda ainda em curso), acabou o pensamento relativista dando força ao retorno de uma catácrase anabásica.

Relativista, a esquerda perdeu amparo aos seus discursos por ausência de uma referência lógica.

E seu livro de filosofia? Está vindo mesmo, como antecipou Caetano?

Espero que sim!

Um forte abraço!

Antonio Cicero disse...

Bea,

Você conhece o seguinte poema de Ivan Junqueira?

https://antoniocicero.blogspot.com/2014/07/ivan-junqueira-o-poema.html

Felipe Mendonça disse...

Lindo!

bea disse...

Não conhecia, em 2014 ainda não passava nesta janela. Na verdade pouco sei da poesia estrangeira em geral e esse pouco quase todo o adquiri neste blogue. E agradeço por isso, daí o ir ficando :).
Mas é verdade, verifico que os dois poetas afirmam a existência separada do poema. A quem, como eu, não é poeta faz muita confusão. Mas Sophia também dizia que o cerne do poema lhe chegava inteiro, ela só o escutava e ia depois enfeitando com outras palavras. Contudo, reiterava, o melhor do poema era aquilo que lhe chegara já completo e sem mudança e nunca o que ela inventava e rasurava para o completar.

Antonio Cicero disse...

Caro Nobile José,

Obrigado pelo seu interessante comentário. Concordo com o que você diz. De fato, há uma forte reação contra o reconhecimento do absoluto negativo, tanto por parte das esquerdas (que opta pela catácrase catabásica) quanto pela direita (que recorre à catácrase anabásica).

Espero não demorar muito a terminar meu livro. Obrigado!

Grande abraço