Duda Machado:
Imitação das coisas
Vamos, dedique-se por inteiro
às aparências, às coisas propriamente
ditas. Procure frequentá-las,
trazê-las para dentro de si mesmo,
incorporá-las dia a dia,
a cada instante,
por mais irrisório/absurdo que pareça.
Pode ser, no entanto, que você
não resista o tempo todo
e, de vez em quando, se afaste
da consistência das coisas
e se deixe levar
pelo hábito de transformá-las
em encantamento ou profundidade.
Não se perturbe. Ao persistir,
voltaremos mais uma vez a elas,
imperfeitos e concentrados
- como no amor -, decididos
a alcançá-las, embora adivinhando,
e já pouco importa, que ainda
não estamos preparados.
MACHADO, Duda. Margem de uma onda.
São Paulo: Editora 34, 1997.
Um comentário:
Bonito, me lembrou seu poema "Dita".
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um poema meu:
UMA ÁRVORE
Quero a árvore da madeira mais escura,
a madeira mais firme, a madeira mais dura;
a árvore, que se afirme contra sol, vento e chuva,
contra mim e as demais idiossincrasias do tempo.
Quero que a árvore, cuja raiz é lâmina afiadíssima [atravessando séculos
(centenas de séculos ressecados e sobrepostos em [camadas),
se confunda num amálgama de lama inacessível.
Que a árvore inteira e in natura seja escultura de lama e [noite, como um mangue!
Quero a árvore cujo leite negro da seiva seja a mistura do [sangue de centenas de espécies de centenas de séculos [atrás.
Quero ainda que a seiva abra seu leito no ventre denso como um [buraco
negro eclodindo em mil folhas carbônicas, futuro papel de [parede do universo.
Quero a árvore e, principalmente, seu líber primitivo,
matéria-prima da liberdade e de todos os livros.
Quero a árvore que jardim nenhum concebe,
e em sua coroa colher a linguagem,
fruta dulciamara, que só faz subir minha febre.
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