Ontem o suplemento “Prosa e Verso”, do jornal O Globo, publicou uma carta que lhe foi enviada pela Associação de Escritores e Ilustradores da Literatura Infantil e Juvenil (AEILIJ). Concordando inteiramente com ela, publico-a a seguir. Embaixo dela, incluo também a carta aberta de apoio à Ministra da Cultura, Ana de Hollanda, feita pela mesma associação. Como se sabe, Ana de Hollanda se encontra sob o fogo da estranha aliança entre, por um lado, Ronaldo Lemos e seus admiradores e, por outro, José Dirceu e seus admiradores.
Os autores representados pela Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil (Aeilij) vêm se sentindo ameaçados pelas mudanças na legislação referente aos direitos autorais, propostas pela gestão anterior do MinC.
O anteprojeto remetido à Casa Civil – e que em boa hora a ministra Ana de Hollanda pediu que fosse devolvido –, no parágrafo único do artigo 46, legitima a expropriação de nossas obras, seja por empresas, órgãos governamentais, entidades ou mesmo indivíduos, sem que se peça autorização, nem se pague aos autores.
Assim, apoiamos o cuidado com que a ministra vem tratando a questão, assim como estranhamos que o professor Lewis Hyde (em entrevista publicada no Prosa e Verso de 5 de março), recomenda aos autores que tentam viver da criação artística o voto de pobreza ou a busca do mecenato.
Nossos livros não nascem de “dádivas”, mas de trabalho duro. Além disso, muitos de nós passam boa parte do ano correndo o Brasil em eventos de incentivo à leitura de literatura em bibliotecas, feiras, escolas (algumas bastante carentes) etc… Somos artesãos e trabalhadores e temos o direito de viver de nosso trabalho.
A História da Literatura está recheada de casos de autores que morreram à míngua, enquanto enriqueciam os que exploravam suas obras, sem lhes pagar um tostão. É a essa situação que deseja voltar o Sr. Hyde e os demais que acusam Ana de Hollanda de resistir à extinção dos Direitos Autorais?
As pessoas, grupos e instituições que têm defendido a demissão de Ana de Hollanda, em razão de sua resistência à extinção dos direitos autorais, visam legitimar a pirataria das obras artísticas e intelectuais.São os que nos acusam de retrógrados, numa campanha orquestrada. Mas, sem os direitos autorais, o autor não sobrevive, e sem o autor, quem vai criar as obras? Ou elas cairão dadivosamente dos céus?
Exma Ministra da Cultura
Sra. Ana de Hollanda,
Ilma. Ministra,
A Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil (AEILIJ) vem manifestar total apoio às declarações de V. Exa. sobre as mudanças na Lei de Direitos Autorais.
A posição adotada por esta Administração traz grande alento aos autores que, finalmente, veem o MinC preocupar-se em respeitar os direitos dos autores de obras artísticas e intelectuais. A orientação política delineada por V. Exa. vem ao encontro das demandas que apresentamos ao v. antecessor, e divulgadas em nossas publicações e cartas há muito tempo.
A AEILIJ tem participado da Câmara Setorial do Livro, Leitura e Literatura por alguns anos e em diversas ações do MinC. Em 2010 publicamos na edição nº 14 de nosso boletim uma entrevista com Marcos Alves de Souza, da Diretoria de Direitos Intelectuais do MinC, que nos garantiu que nenhuma cláusula lesiva aos direitos dos autores passaria no anteprojeto de Lei. Como pudemos constatar, não foi bem isso o que aconteceu. O parágrafo único do artigo 46 da minuta proposta pela antiga gestão do MinC, por exemplo, fere todos os nossos direitos ao permitir o uso quase ilimitado do nosso trabalho sem autorização e remuneração.
Tornamos público nosso apoio e colaboração à corajosa iniciativa de V. Exa., na certeza de que defendemos a sobrevivência artística e profissional dos autores que representamos, assim como à democratização da Literatura no Brasil.
Atenciosamente,
Anna Claudia Ramos
Presidente da Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil
www.aeilij.org.br
13.3.11
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11 comentários:
Olá Cícero,
infelizmente a carta da AEI-LIJ tem uma imprecisão que compromete um bocado a posição dela. É que ela omite um ponto fundamental do tal "parágrafo único do artigo 46".
A redação do parágrafo, segundo consta no projeto disponível na internet, é a seguinte:
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Parágrafo único.
Além dos casos previstos expressamente neste artigo, também não constitui ofensa aos direitos autorais a reprodução, distribuição e comunicação ao público de obras protegidas, dispensando-se, inclusive, a prévia e expressa autorização do titular e a necessidade de remuneração por parte de quem as utiliza, quando essa utilização for:
I - para fins educacionais, didáticos, informativos, de pesquisa ou para uso como recurso criativo; e
II - feita na medida justificada para o fim a se atingir, sem prejudicar a exploração normal da obra utilizada e nem causar prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores.
--------
Ou seja, o parágrafo aponta os contextos em que está liberado o uso das obras. Não é nada que vá muito além de se poder exibir filmes em salas de aula ou fazer xerox de capítulos de livros. Não me parece correto dizer que este uso é algo "quase ilimitado", conforme se faz na carta à ministra.
É possível discutir em que medida o texto pode ser mais claro e explícito em relação à "medida justificada para o fim a se atingir". Mas a manifestação da AEI-LIJ omite que a proposta de lei é explícita ao não permitir que algo venha a "prejudicar a exploração normal da obra utilizada e nem causar prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores."
Me parece que o ponto defendido pela AEI LIJ é bastante justo. Por outro lado, o ataque ao projeto de lei é um equívoco desproporcional.
Que se torna ainda mais estranho se considerarmos como é quase inexistente a pirataria de livros infantis.
abraços do leitor,
Daniel Caetano,
Não é a carta, e sim o parágrafo 46 que é impreciso.
Absolutamente nada nesse parágrafo diz que a reprodução, distribuição e comunicação ao público, isto é, a propaganda, de obras protegidas será restrita às salas de aula.
Qualquer um que reproduza, distribua e faça propaganda, de obras protegidas pode, em qualquer caso, alegar que o faz para fins “informativos”, por exemplo.
E, como você mesmo reconhece, a pessoa que fizer essa reprodução, distribuição e propaganda de obras protegidas pode sempre alegar que o fez na medida do fim que queria atingir.
Outra coisa: não há nada de estranho na carta. Ela interessa também a escritores de obras para o público infantil e juvenil. Não há absolutamente razão nenhuma para pensar que as obras de tais escritores estejam a salvo de serem pirateadas. Contudo, eu mesmo não escrevo obras infantis e publiquei a carta, pois ela interessa a todos os escritores. Se a carta tivesse sido escrita por uma associação de escritores de livros de culinária, que tampouco é minha especialidade, eu a teria publicado do mesmo modo.
Abraços
Oi Cícero,
eu concordo que o texto abre margem a interpretações subjetivas, mas ele é explícito ao afirmar que a exploração "normal" das obras deve ser preservada e as cópias não devem causar prejuízo "injustificado". Com relação a isso, o parágrafo é bastante preciso, embora dependa de avaliação conforme cada circunstância.
Não é raro em aspectos jurídicos que a aplicação de uma lei dependa de uma avaliação feita por um juiz, e tenho dúvidas se isso pode ser caracterizado como imprecisão - talvez seja apenas o reconhecimento de que certos casos exigem esse tipo de avaliação direta (apenas como exemplo, bastante diverso, é o caso de mortes em que se alega legítima defesa). É claro que isso exige que se confie num modelo em que juízes interpretarão as leis de forma justa, mas é por isso que a precedência em interpretações é um ponto fundamental.
E, por outro lado, é preciso lembrar que o uso de cópias xerox para fins acadêmicos hoje é criminalizado (uma biblioteca da UFRJ teve que destruir centenas de cópias recentemente). O mesmo vale para o compartilhamento sem fins lucrativos de obras na internet. Ou seja, caso nossa sociedade entenda que isso não é crime, a lei precisa ser mudada. Críticas às alterações precisam levar isso em conta e se posicionar. É legítimo que a AEI-LIJ assuma uma posição a favor da manutenção dessa criminalização, como é legítimo que seja a favor da mudança. Infelizmente, tal como foi redigida, a carta não nos permite saber se o compartilhamento sem fins lucrativos é visto pela associação como algo errado ou como algo a ser permitido. Pelo projeto de lei, deve ser permitido. Por isso, continuo a crer que a imprecisão não está no projeto de lei.
Se não te parece que a carta deveria ter mencionado aos letores o trecho que, em tese, pode atender às demandas dela, enfim, discordamos nisso.
Não era minha intenção dizer que há algo de errado em que se publique essa carta ou que os autores se manifestem. Como eu disse, acho justo o ponto defendido.
Mas é preciso considerar as consequências do que se defende. Existe um projeto no congresso, de autoria do senador Azeredo, que pede a punição das empresas de provedores da web em casos de crimes on-line. A consequência natural é que estes provedores, para se proteger, terão que exigir comprovações de identidade e registrar cada movimento de cada usuário. Hoje isso não existe e é assim que se pretende coibir a dita pirataria na web. É legítimo que se defenda o fim do anonimato relativo na web (inclusive porque, de fato, ele facilita muitos tipos de grosserias e agressões), mas, novamente, essa é uma posição que merece ser explicitada com clareza, com noção das consequências - o cunho autoritário da vigilância constante dispensa análise.
E é por isso que eu mencionei que acho estranho. Me incomoda que não se explicite aos leitores que o projeto de lei proibe explicitamente o prejuízo injustificado à exploração das obras e que uma das consequências das retrições legais para a web é esse policiamento constante. E tenho dificuldade em crer que esse tipo de pirataria causa grandes prejuízos justamente a autores de livros infantis. Sou pai de um menino e poso te garantir que, se há um tipo de livro que não faz sentido termos em xerox ou lermos na web, é o livro a ser dado à criança.
Acho (e posso estar errado, claro) que a associação dos autores de livros infantis pode estar pretendendo defender um ponto justo, mas acaba servindo como massa de manobra para convencer uma certa "opinião pública". O policiamento na web pode garantir o lucro de algumas corporações (legítimo), mas te parece que ele irá gerar uma grande diferença na venda de livros infantis? Para mim, pelo menos até o momento, isso é mais difícil de acreditar.
abraços,
Daniel Caetano,
Não vou me repetir. Acho que é claríssimo que, como está, essa lei é potencialmente prejudicial a qualquer autor. E o principal prejudicado por ela não seriam as “grandes corporações”, mas o autor mesmo. Um exemplo: uma das principais fontes de renda das editoras é a venda de livros didáticos. Por essa lei, as editoras não precisariam pagar direitos autorais aos autores, já que eles são feitos para "fins educacionais". E, como “o fim a se atingir” são centenas de milhares de alunos, a tiragem “justificada para o fim a se atingir” será de centenas de milhares de exemplares. Como isso será feito em nome da educação, não será “injustificado” o prejuízo que eventualmente se cause “aos legítimos interesses dos autores”.
Abraços
Na verdade, me parece que, se acontecesse esse seu exemplo, isso evidentemente impediria "a exploração normal da obra utilizada" e, como a hipotética editora estaria lucrando com isso, causaria "prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores".
O que seria diferente, por outro lado, de um professor que faz meia-dúzia de cópias xerox de um texto de um livro esgotado (hoje, algo proibido).
Mas me perdoe se estou sendo repetitivo. Ficamos assim, concordando em discordar.
abraços,
Até entendo a posição do pessoal da AEILIJ e o seu apoio a Ministra. O problema é que o direito autoral já era. Seus defensores estão na desconfortável situação dos lundistas do início do capitalismo industrial. "Quebrou não tem mais jeito", disse você em tempos idos.
Daniel Caetano,
No caso que você menciona, certamente seria argumentado, por aqueles que não querem pagar direitos autorais, que a publicação em obra didática não faz parte da “exploração normal da obra”, de modo que esta – a publicação para fins não didáticos – não é prejudicada.
Quanto às cópias Xerox, não vejo por que não se pode ter um artigo mais preciso que admita a possibilidade exatamente desse tipo de utilização.
A carta da AEILIJ apoia “o cuidado com que a ministra vem tratando a questão”. É que o artigo em questão é, ao contrário, grosseiro: não tem absolutamente nenhum cuidado com a questão: não sei se por incompetência ou por má fé de quem o concebeu e redigiu.
O resultado é que, como acho que mostrei, ele deixa margem para interpretações extremamente lesivas aos interesses de todos os escritores.
Francamente, também acho que já disse tudo o que tinha a dizer sobre a carta da AEILIJ e esse maldito artigo 46.
Abraços
Necopinus,
Como você não tem argumentos, não vou argumentar. Continue repetindo o mantra do Ronaldo Lemos (“já era”) e, como ele, achando que o progresso seria regressar para antes do século XVIII.
Longe disso: a verdade é que
(1) o progresso tecnológico exige, no momento, uma maior racionalização – daí a maior discussão – da lei do direito autoral; e
(2) que esse mesmo progresso vai permitir, mais do que nunca, o pleno exercício desse direito pelos criadores: o que decerto será lamentável para os parasitas que impotentemente odeiam não só a lei, mas a figura do autor.
Prezado Cícero:
Não tenho a mais leve idéia de quem seja Ronaldo Lemos e vivo muito bem sem esse conhecimento. Suponho que ele também.
Espero sinceramente que a lei passe do jeitinho que vocês querem, mas você sabe que não vai adiantar nada, já que o seu celular tem MP3 e a Internet é planetária. Sempre vai haver um site onde a lei não alcança.
É por isso, você sabe melhor do que eu, que até as mais mitológicas bandas de rock estão cantando no BR. Agora, o único jeito de ganhar dinheiro com música é metendo o pé na estrada. Amy Winehouse depois do BR foi direto para Dubai... A Rota 66 está congestionada.
O próximo grupo a sofrer será o dos escritores e livrarias. Basta que o preço dos e-reader caia. Como viverão os escritores? Sei lá! Suponho que participarão de concursos literários bancados pela Rede Globo, Petrobrás, Academias de Letras, Grupo Voltorantim, universidades. Os mais espertos viverão desses prêmios e não de vendas. E as livrarias? Outro dia, em uma famosa livraria de Ipanema, senti um forte cheiro de macarrão ao alho e óleo. Talvez ao visitar um restaurante sinta vontade de ler Ulisses...
Você mesmo já está se adaptando ao dar os seus cursos sobre poesia. Voltando, talvez sem saber, as conferências literárias do início do século XX, onde Olavo Bilac brilhava.
"O processo de destruição criadora", escreveu Schumpeter em letras maiúsculas, "é o fator essencial do capitalismo". Isso valeu para camponeses, artesãos, pequenos comerciantes, profissionais liberais, porque não valeria também para os criadores? Talvez vocês percebam agora que, mesmo lidando com etéreas e sublimes idéias, nunca estiveram apartados do destino da classe operária. Antes tarde do que nunca.
Necopinus,
Pelo jeito, você já tem o futuro todo esquematizado. Saudade do determinismo histórico...
E hoje ele é diferente, porque o determinismo de antigamente previa a liberação do operariado, e previa que os operários viriam a ser criadores, mas agora o seu determinismo internetista (a célebre aliança do Zé Dirceu com o Ronaldo Lemos) celebra o que considera ser a inevitabilidade do esmagamento dos criadores, junto com o operariado, pelas corporações internacionais de Internet, rádio e televisão.
Expõe-se assim a fantasia com a qual os impotentes se vingam, ao menos em sonho, dos criadores e das ideias. Antes tarde do que nunca,não é?
Pelo jeito, você já tem o futuro todo esquematizado. Saudade do determinismo histórico...
E hoje ele é diferente, porque o determinismo de antigamente previa a liberação do operariado, e previa que os operários viriam a ser criadores, mas agora o seu determinismo internetista (a célebre aliança do Zé Dirceu com o Ronaldo Lemos) celebra o que considera ser a inevitabilidade do esmagamento dos criadores, junto com o operariado, pelas corporações internacionais de Internet, rádio e televisão.
Expõe-se assim a fantasia com a qual os impotentes se vingam, ao menos em sonho, dos criadores e das ideias. Antes tarde do que nunca!
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