30.11.09

Philip Larkin: "This be the poem" / "Este seja o poema": tradução de Nelson Ascher




Este seja o poema


Teu pai e mãe fodem contigo.
Que não o queiram, tanto faz.
Legam-te cada podre antigo,
além de uns novos, especiais.

Mas de cartola e fraque, outrora,
fodera-os já do mesmo modo,
gente ora austero-piegas,
ora se engalfinhando cega de ódio.

Passa-se a dor adiante: fossas
num mar que só fica mais fundo.
Dá o fora, pois, tão logo possas
sem pôr nenhum filho no mundo.




This be the verse


They fuck you up, your mum and dad.
They may not mean to, but they do.
They fill you with the faults they had
And add some extra, just for you.

But they were fucked up in their turn
By fools in old-style hats and coats,
Who half the time were soppy-stern
And half at one another's throats.

Man hands on misery to man.
It deepens like a coastal shelf.
Get out as early as you can,
And don't have any kids yourself.


18 comentários:

Marília Souza disse...

Mummy and daddy, thanks for fucking me up. I'm very happy alive.

Angela disse...

haha gostei! E é assim que caminha a humanidade...Será que fazendo uma daquelas terapias que buscam anular toda e qqer influência dos pais seria possivel quebrar este círculo vicioso?
abs
Angela

João Renato disse...

Caro Cícero,
O poema é ótimo.
Mas eu acrescentaria que os filhos também fodem com a paciência da gente.
Abraço,
JR.

Aetano disse...

Muito bom!

Grato!

Velho Tema disse...

Muito bacana seu blog, parabéns!!

Abraços e muita luz pra você.

fred girauta disse...

lindo, irônico e triste...
triste porque, aproveitando a discussão sobre "leis naturais X leis humanas, 'pôr nenhum filho no mundo' pode equivaler a pôr nenhum poema no mundo.

Climacus disse...

"Sem ligações de família, ou de tribo, sem lei, sobretudo,/ vive quem folga com as lutas terríveis que atormenta o povo" (Homero, Ilíada, vv. 63-4, citado por Aristóteles para ilustrar a tese de que homem é um animal político, Política, 1253a).

Eleonora Marino Duarte disse...

observador,


de certa forma, cercado de coerência!

além da excelente construção sobre um tema tão cheio de polêmica, uma luz incômoda sobre a verdade crua.

muito bom!

grande abraço!

Alcione disse...

Devir

Sonhos e amores
Tambores
Sob as árvores ao entardecer
Rufam penetrando fundo
No mais recôndito do ser
A caneta repousa no papel branco
Certas coisas só pegam no tranco.

Unknown disse...

mãe e filho

laço forte

carinho

umbigo



eu e Lia

eu bem menino

no seu colo



depois a raiva

esta revolta

esta distância



tudo em ruínas

ADRIANO NUNES disse...

Cicero,

Que maravilha! Amo Ascher! Amo você!


Grande abraço,
Adriano Nunes.

EDSON DA BAHIA disse...

Cícero, avante sempre! Seta de luz na nossa alegria!
Viva Vc, Marina, Caetano, Waly, Jorge e toda a poetosfera porreta.
Axé Kolofé!

Robson Ribeiro disse...

Forte.

Grande Abraço!

Márcia Maia disse...

Muito, muito legal. Adoro Larkin e essa ironia cáustica. Vou roubar pra minha pasta de especiais.

Um abraço do Recife.

paulinho (paulo sabino) disse...

delícia este poema!!

que forte, que pedrada!!

beijo gostoso!!

Lisete de Silvio disse...

"Mas de cartola e fraque, outrora, fodera-os já do mesmo modo,
gente ora austero-piegas,
ora se engalfinhando cega de ódio.
Passa-se a dor adiante: fossas
num mar que só fica mais fundo. "

Toda a tragédia da "tradição do aprendizado" nesses versos. Que construção!

Razão assiste ao Bentinho também: “Não tive filhos não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria.”

Enfim, encontrei seu blog.

Abç,

Lisete

Antonio Cicero disse...

Lisete,

Já que você, com razão, lembra Bentinho a propósito desse poema, vou postar amanhã um artigo do tradutor, Nelson Ascher, em que ele comentava exatamente essa aproximação entre Larkin e Machado de Assis.

Abraço

Ricardo Carranza disse...

O ponto de vista é mesquinho. Sem filhos, sem brotos e botões a vida se extinguiria. Nós vivemos e morremos para a continuidade da vida. Por mais ínfima que seja a nossa contribuição, o futuro conta conosco.Proponho que agente continue tentando por um mundo melhor.