21.10.07

Sobre "Deus, um delírio"

O seguinte artigo foi publicado sábado, 20 de outubro, na minha coluna da Ilustrada da Folha de São Paulo:

Sobre "Deus, um Delírio"


NA COLUNA passada, fiquei de comentar o livro de Richard Dawkins "Deus, um Delírio". Afirmei então que o considerava um livro desigual, mas que merecia ser lido. Trata-se de uma obra ambiciosa, pois pretende demonstrar, para um público culto, porém leigo, não apenas que a probabilidade de que Deus não exista é infinitamente maior do que a probabilidade de que exista, mas que o ateísmo é uma posição eticamente superior ao teísmo.
Segue-se que uma sociedade democrática composta de indivíduos que, em sua maioria, conseguissem dispensar a religião -ou, pelo menos, torná-la assunto puramente privado- teria grande probabilidade de ser melhor e mais feliz do que as sociedades em que isso não havia ocorrido.
Tal convicção explica por que "Deus um Delírio" não tem apenas um objetivo teórico, mas também -e sobretudo- prático. Não se trata, para o seu autor, meramente de interpretar, mas também de transformar o mundo. Daí o seu caráter militante.
Muito esquematicamente, pode-se dizer que o esforço de Dawkins se encaminha por três vertentes diferentes, porém interligadas: a do esclarecimento de determinados conceitos, a da crítica ao teísmo e a da defesa do ateísmo.
No que diz respeito ao primeiro ponto -ao qual, dadas as limitações espaciais, terei que me limitar, ao menos no presente artigo-, Dawkins faz algumas distinções como, por exemplo, entre deísmo, panteísmo e teísmo, entre as diferentes modalidades de agnosticismo etc. O sentido dessas distinções elementares não é meramente didático, mas polêmico.
Explico. Creio não ter sido o único adolescente que, ao manifestar certas dúvidas, ouvia dos adultos reprimendas como: "Quem é você para duvidar da existência de Deus, quando os maiores gênios da humanidade, como Einstein, acreditam nela?".
Pois bem, as distinções feitas por Dawkins se dirigem contra esse tipo de argumento. É que grande parte dos pensadores citados como crentes em Deus são, na verdade, deístas ou panteístas; e nem estes nem aqueles acreditam num Deus pessoal, tal qual o das religiões abraâmicas, que são o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. Para a maior parte dos deístas, "Deus" é o nome do princípio e causa do universo, no qual, porém, uma vez criado, jamais interfere. Sendo assim, o Deus dos deístas não produz milagres nem se interessa pelos homens.
Pode haver algo mais distante do Deus do Velho ou do Novo Testamento? Sim: o Deus dos panteístas, que se identifica com o próprio universo, a natureza ou as leis da natureza. Tal é o Deus de Einstein, que, neste ponto, se identifica, segundo ele mesmo, com Spinoza.
A rigor, pode-se, portanto, dizer que o descobridor da teoria da relatividade se encontra muito mais próximo do ateísmo do que do Deus de Abraão. "Não creio num Deus pessoal", afirmou ele certa vez, "e jamais neguei isso: sempre o exprimi com clareza".
Como, então, forjou-se o mito da religiosidade de Einstein? Entre as razões para se pensar que ele acreditava em Deus está, sem dúvida, o seu uso metafórico -por puro charme- dessa palavra. Algumas das suas mais famosas declarações são "Deus não joga dados", que, como diz Dawkins, pode ser interpretada como "o acaso não se encontra no cerne das coisas", ou a pergunta retórica "Deus tinha escolha, ao criar o universo?", que se pode entender como "o universo poderia ter começado de outro modo?"
Porém, mais importante é que, como Dawkins observa, com razão, é comum entre os cientistas e racionalistas uma reação quase mística -mas que nada tem de sobrenatural- à natureza e ao universo. "Se há algo em mim que pode ser considerado religioso", disse Einstein, "é a admiração incontida pela estrutura do mundo, na medida em que a ciência é capaz de revelá-la".
O fato de que há, no fundo, uma incompatibilidade entre essa atitude e a religião é expresso pela perplexidade que o astrônomo Carl Sagan, citado por Dawkins, exprime ao se perguntar: "Como é possível que nenhuma grande religião tenha olhado para a ciência e concluído: "Isto é melhor do que pensávamos! O universo é muito maior do que nossos profetas haviam dito, mais grandioso, mais sutil, mais elegante'?".
Confesso sentir um espanto semelhante ao de Sagan. Ademais, parece-me que, para cada ser humano, o mais grandioso é ter a consciência de tal grandiosidade, de tal maravilha e de tal mistério.

7 comentários:

Anônimo disse...

eu tenho febre, eu sei. é um fogo leve que eu peguei do mar, ou de amar, não sei... (mas deve ser da idade.) acho que o mundo faz charme, e que ele sabe como encantar. por isso, sou levado e vou nessa magia de verdade.

é no que está acima que creio, e que, se não for um abuso, acho que o einstein cria. assim como declarou sophia de mello, há muito de divino no real, há muito com o que se en(cantar) com a realidade que nos circunda. é tão louco pensar em como esta máquina, a máquina do mundo, funciona, e tão delicada, de um equilíbrio-pluma, leve... pensar em todo o trabalho que é, pensar nas engrenagens e nos processos de vida, para que as coisas se dêem, tudo isso já me basta, é mágico demais.

ontem fui ao mar. tenho loucura por ele, vou sempre que posso. e não adianta, aprendi por ad-miração, a cantá-lo, respeitá-lo, olhá-lo de frente, a luz azul, grandioso, sinuoso, um útero às vistas, por tudo o que ele representa para o tanto de vidas que se formaram a partir de. eu fico maluco, emocionado, por poder desfrutá-lo, tamanha a sua importância para a existência, para que hoje eu esteja aqui, olhando para a tela do computador, escrevendo pra você. não bastasse, um céu que, como escreveu eucanaã ferraz num de seus poemas, se consemelha a uma "piscina às avessas". aí, puta merda, já basta, não se precisa de mais nada para se afirmar que a vida, em si, já é puro encanto. o trabalho é: ad-miração, ad-mirar.

e eu hei de mirar assim, por toda a minha existência!

isso aqui, só pra dizer que adorei o artigo!

beijoca gostosa!

léo disse...

Os deuses se enamoram
pelos homens e mulheres que se apaixonam.

Deuses também têm seus prazeres,

idiossincrasias e perversidades.

Sou um homem, mas queria ser um deus.

Quando morrer, vou conversar com eles sobre isso.

Deidades se apaixonam pelos homens à distância.

Homero e Jorge Amado já falaram sobre isso.

Abre-se a Tenda dos Milagres para refrescar Ulisses,

sedento, em sua volta para casa.

Pedro Archanjo fala sobre os Orixás,

enquanto Exu espia tudo de seu canto,

como um Hermes mais malandro,

sinuoso, matreiro, espectral.

Quando sonham, os deuses são humanos.

Já os homens, quando sonham, são divinos.

Divindades se apaixonam e se abraçam, e procriam,

e despencam sobre a Terra,

onde nascem, assustados, como nós.

léo disse...

Tem gente que acredita em Deus.

Tem gente que não acredita em nada.

Tem gente que crê no amor.

Tem gente que levanta os braços para o céu.

E temos nós, poetas, que acreditamos na poesia.

Que encontramos Deus na poesia.

Amor na poesia.

Palavra.

Anônimo disse...

PREZADO ANTONIO CICERO,

Esse texto, eu registrei num blog meu já faz algum tempo. E como perdi um comentário, permita-me eviar esse que segue. Quanto à idéia de Deus, nem todas as religiões tem esse viés.

Saturday, January 20, 2007

Temos que encarar de frente
Na verdade o homem tem medo, porque não consegue dominar o aleatório. Por isso subjaz o embate entre ciência e religião. A religião surge onde a ciência fracassa e vice-versa. Quando o homem conseguir dominar todo o sistema onde estará inserido, ele não terá mais razão para crer. A religião sempre dominará, enquanto a ciência não conseguir sistematizar a totalidade do mundo: seus eventos futuros e suas idiossincrasias.

Grato.
# Estou no aguardo de uma crítica sua sobre o que digo do paradoxo do zero.

Otávio disse...

Como é bom ver as três coisas juntas: Deus, Antônio Cícero e blog, já que sou sempre influenciado nesta procura por três outras coisas: mpb, poesia e filosofia.
É uma parte à parte na net.
Registro minha admiração.
(é difícil ler sem comentar!)

Anônimo disse...

Antônio Cícero,
Já tive o privilégio de vê-lo pessoalmente, na universidade, e fico muito contente de ter encontrado esta "extensão" sua, aqui, no blogg...
Sabe, sobre o tal "espanto", permita-me uma modesta conclusão: Será que a humanidade não escolheu a ciência, e nunca escolherá, por que a ciência não é capaz de dar "esperanças" à população de baixa renda, que é a maioria esmagadora no mundo inteiro? Esse tal "fascínio pela ciência" não é coisa de quem tem acesso[e ou faz parte] da cultura intelectualizada?
abração.

WELLINGTON GUIMARÃES disse...

VOU LENDO O QUE ESCREVES E ME CONTENDO NOS ELOGIOS, MAS COM MEDO DE SER ABDUZIDO. VOCÊ E UM ET. GENTE COMO VOCÊ CRIAM UMA LENDA PESSOAL QUE FAZ COM QUE PERDAMOS OS CRITÉRIOS DE JULGAMENTO, PASSAMOS O SENSO CRÍTICO PARA UM ESPÉCIE DE AUTOMÁTICO, SE FOI ELE QUE DISSE, É VERDADE, COMO SE DIZ, PARA ATESTAR A VERACIDADE DO QUE SE DIZ : "SAIU NA VEJA!".
ESSE TEU BLOG É NIETZSCHE, NÃO É BLOG, É DINAMITE.