29.4.21

Lançamento de "Silenciário": obra poética reunida de Sylvio Back

 

EdUFSC – Release 

 

Lançamento nacional de “Silenciário”:

  obra poética reunida de Sylvio Back

 

Afirmando no prefácio de "Silenciário", obra poética reunida de Sylvio Back (lançamento nacional no próximo dia 03 de maio), que "o autor realiza experiência única no panorama da cultura brasileira", o poeta e escritor, Adriano Espínola, dá o mote desta bela e rara publicação da EdUFSC (Editora da Universidade Federal de Santa Catarina, 431 págs. 2021).

E completa para enaltecer a fusão da "expertise de cineasta à de poeta", onde, mesmo diante da morte, para Back o cinema é a "maior diversão", por sinal, título do florilégio de trinta e seis inéditos que abre o livro.

Antenada aos tempos da horrível pandemia que nos assola, a EdUFSC está brindando o público amante de poesia e de literatura com "Silenciário", tanto no formato de e-book, desde já na íntegra com acesso gratuito pelo link

https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/221419/Silenciario-ebook%209fev21.pdf?sequence=1

como na versão impressa através do link

https://editora.ufsc.br/2021/03/25/em-breve-silenciario-de-sylvio-back/

Para ler

"Silenciário", que traz inspirada capa do designer, Luiz Antonio Solda, compila obras que remontam aos últimos trinta anos, desde a estreia do poeta em "Moedas de Luz" (1988), a "Yndio do Brasil - Poemas de Filme" (1995), "Eurus" (2004), "Traduzir é poetar às avessas (Langston Hughes por Sylvio Back), de 2005; ao mais recente, "Kinopoems" (2006/2014).

A destacar que Sylvio Back, "hoje um dos principais cultores do poema erótico no Brasil”, segundo Adriano Espínola, teve publicado em "Quermesse" (Topbooks, RJ, 2013) todos seus livros nessa vertente, inclusive os inéditos que dão o título ao conjunto. 

O autor

Sylvio Back, 83, é cineasta, poeta, roteirista e escritor. Filho de imigrantes hún­garo e alemã, nascido em Blumenau (SC), acaba de receber o título de “Doutor Honoris Causa”, concedido pela Universidade Federal de Santa Catarina, por sua obra cinematográfica e literária dedicada à arte e à cultura brasileiras.

Ex-jornalista e crí­tico de cinema, em 1962 inicia-se na direção cinematográfica, tendo escrito, realizado e produzido até hoje trinta e oito filmes – curtas, médias e doze longas-metragens: "Lance Maior" (1968), "A Guerra dos Pe­lados" (1971), "Ale­luia, Gretchen" (1976), "Revo­lução de 30" (1980), "Repú­blica Gua­rani" (1982), "Guerra do Bra­sil" (1987), "Rádio Auriverde" (1991), "Yndio do Brasil" (1995), "Cruz e Sousa – O Poeta do Des­terro" (1999), "Lost Zweig" (2003), "O Contestado – Restos Mortais" (2010), e "O Universo Graciliano" (2013).

Tem publicados vinte e cinco livros (poesia, contos, ensaios) e os argu­men­tos/roteiros de dez de seus longas metragens citados.

Com 77 láureas nacionais e internacionais, Sylvio Back é um dos mais premiados cineastas do Brasil.

Contatos com o autor: 21-2522.4574.


28.4.21

Manuel Bandeira: "Mal sem mudança"

 



Mal sem mudança



Da América infeliz porção mais doente,

Brasil, ao te deixar, entre a alvadia

Crepuscular espuma, eu não sabia

Dizer se ia contente ou descontente.


Já não me entendo mais. Meu subconsciente

Me serve angústia em vez de fantasia,

Medos em vez de imagens. E em sombria

Pena se faz passado o meu presente.


Ah, se me desse Deus a força antiga,

Quando eu sorria ao mal sem esperança

E mudava os soluços em cantiga!


Bem não é que a alma pede e não alcança.

Mal sem motivo é o que ora me castiga,

E ainda que dor menor, mal sem mudança.





BANDEIRA, Manuel. "Mal sem mudança". In:_____. "Estrela da tarde". In:_____. Estrela da vida inteira. Poesias reunidas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1966.

26.4.21

Sosígenes Costa: "Tornou-se o por-do-sol um nobre entre os rapazes"

 



Tornou-me o por-do-sol um nobre entre os rapazes


Queima sândalo e incenso o poente amarelo

perfumando a vereda, encantando o caminho.

Anda a tristeza ao longe a tocar violoncelo.

A saudade no ocaso é uma rosa de espinho.


Tudo é doce e esplendente e mais triste e mais belo

e tem ares de sonho e cercou-se de arminho.

Encanto! E eis que já sou o dono de um castelo

de coral com porões de pedra e cor de vinho.


Entre os tanques dos reis, o meu tanque é profundo.

Entre os ases da flora, os meus lírios lilases

Meus pavões cor de rosa os únicos do mundo.


E assim sou castelão e a vida fez-se oásis

pelo simples poder, ó por-do-sol fecundo,

pelo simples poder das sugestões que trazes.




COSTA, Sosígenes. "Tornou-se o por-do-sol um nobre entre os rapazes". In:_____. Obra poética. São Paulo: Cultrix; (Brasília): 1978.

24.4.21

Giuseppe Ungaretti: "IN MEMORIA" / "IN MEMORIAM": trad. por Geraldo Holanda Cavalcanti

 



IN MEMORIAM

Locvizza, 30 de setembro de 1916



Chamava-se

Moammed Sceab


Descendente

de emires de nômades

suicida

porque não tinha mais

Pátria


Amou a França

e mudou de nome


Foi Marcel

mas não era francês

e já não sabia

viver

na tenda dos seus

onde se escuta a cantilena

do Alcorão

saboreando um café


E não sabia

desatar

o canto

do seu abandono


Acompanhei-o

junto com a dona da pensão

onde vivíamos

em Paris

do número 5 da rue des Carmes

esquálido beco em declive


Descansa

no cemitério de Ivry

subúrbio que parece

sempre

em dia

de

decomposta feira


E talvez apenas eu

saiba ainda

que viveu





IN MEMORIA

Locvizza il 30 settembre 1016



Si chiamava

Moammed Sceab


Discendente

di emiri di nomadi

suicida

perché non aveva più

Patria


Amò la Francia

e mutò nome


Fu Marcel

ma non era Francese

e non sapeva più

vivere

nella tenda dei suoi

dove si ascolta la cantilena

del Corano

gustando un caffè


E non sapeva

sciogliere

il canto

del suo abbandono


L’ho accompagnato

insieme alla padrona dell’albergo

dove abitavamo

a Parigi

dal numero 5 della rue des Carmes

appassito vicolo in discesa.


Riposa

nel camposanto d’Ivry

sobborgo che pare

sempre

in una giornata

di una

decomposta fiera


E forse io solo

so ancora

che visse






UNGARETTI, Giuseppe. "IN MEMORIA" / "IN MEMORIAM". In:_____. Poemas. Org. e trad. por Geraldo Holanda Cavalcanti. São Paulo: Edusp, 2017.

22.4.21

Antonio Cicero: "Síntese"

 



Síntese







PAI MÃE

CÉU CHÃO

MÃE CÉU

PAI XÃO






CICERO, Antonio. "Síntese". In:_____. Porventura. Rio de Janeiro: Record, 2012.

20.4.21

Ferreira Gullar: "Perplexidades"

 


Perplexidades



a parte mais efêmera

                   de mim

é esta consciência de que existo


e todo o existir consiste nisto


é estranho!

e mais estranho

              ainda

              me é sabê-lo

e saber

que esta consciência dura menos

que um fio de meu cabelo


e mais estranho ainda

             que sabê-lo

é que

         enquanto dura me é dado

         o infinito universo constelado

         de quatrilhões e quatrilhões de estrelas

sendo que umas poucas delas

posso vê-las

                  fulgindo no presente do passado





GULLAR, Ferreira. "Perplexidades". In:_____, "De alguma parte alguma". In:_____. Toda poesia. Rio de Janeiro: José Olympio, 2015. 

17.4.21

Lêdo Ivo: "O dia inacabado"

 



O dia inacabado



Como todos os homens, sou inacabado. 

Jamais termino de ser. 

Após a noite breve um longo amanhecer 

me detém no umbral do dia. 

Perco o que ganho no sonho e no desejo 

quando a mim mesmo me acrescento. 

Toda vez que me somo, subtraio-me, 

uma porção levada pelo vento. 

Incompleto no dia inacabado, 

livre de ser ainda como e quando, 

sigo a marcha das plantas e das estrelas. 

E o que me falta e sobra é o meu contentamento. 




IVO, Lêdo. "O dia inacabado". In:_____. Mormaço.  Rio de Janeiro: Contra Capa, 2013.



15.4.21

Arnaldo Antunes: "apenas"








apenas




dis
pensa



o que pensa



.











               diz
          apenas                                 



          o indis




                     .
                     







                  



         pensável   














ANTUNES, Arnaldo. "apenas". In:_____. Algo antigo. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.













12.4.21

Dylan Thomas: "In my craft or sullen art" / "Neste meu ofício ou arte": trad. de Augusto de Campos

 



Neste meu ofício ou arte



Neste meu ofício ou arte

Soturna e exercida à noite

Quando só a lua ulula

E os amantes se deitaram

Com suas dores em seus braços,

Eu trabalho à luz que canta

Não por glória ou pão, a pompa

Ou o comércio de encantos

Sobre os palcos de marfim

Mas pelo mero salário

Do seu coração mais raro.


Não para o orgulhoso à parte

Da lua ululante escrevo

Nestas páginas de espuma

Nem aos mortos como torres

Com seus rouxinóis e salmos

Mas para os amantes, braços

Cingindo as dores do tempo,

Que não pagam, louvam, nem

Sabem do meu ofício ou arte.



In my craft or sullen art



In my craft or sullen art

Exercised in the still night

When only the moon rages

And the lovers lie abed

With all their griefs in their arms,

I labour by singing light

Not for ambition or bread

Or the strut and trade of charms

On the ivory stages

But for the common wages

Of their most secret heart.


Not for the proud man apart

From the raging moon I write

On these spindrift pages

Nor for the towering dead

With their nightingales and psalms

But for the lovers, their arms

Round the griefs of the ages,

Who pay no praise or wages

Nor heed my craft or art.





THOMAS, Dylan. "In my craft or sullen art" / "Neste meu ofício ou arte". In: CAMPOS, Augusto de (org. e trad.).  Poesia da recusa. São Paulo: Perspectiva, 2006.

9.4.21

Johann Wolfgang von Goethe: "Beherzigung" / "Recomendação": trad. por Amélia de Rezende Martins

 




Recomendação


Ai, que deve o homem esperar?

É melhor ficar inerte?

É melhor viver sem leme?

A algum amor se aferrar?

Deve em tenda residir?

Ou uma casa edificar?

Deve-se fiar em rocha,

Tão sujeita a vacilar?

A cada um o seu tanto...

Cada qual rume, com fé,

Pense onde se fixar

E não caia estando em pé.




Beherzigung


Ach, was soll der Mensch verlangen?

Ist es besser, ruhig bleiben?

Klammernd fest sich anzuhangen?

Ist es besser, sich zu treiben?

Soll er sich ein Häuschen bauen?

Soll er unter Zelten leben?

Soll er auf die Felsen trauen?

Selbst die festen Felsen beben.

Eines schickt sich nicht für alle!

Sehe jeder, wie er's treibe,

Sehe jeder, wo er bleibe,

Und wer steht, daß er nicht falle!




Goethe, Johann Wolfgang von. "Beherzigung / "Recomendação". Trad. por Amélia de Rezende Martins. In: CAMPOS, Geir. O livro de ouro da poesia alemã (em alemão e português). Rio de Janeiro: Ediouro, s.d.


7.4.21

Federico García Lorca: "Despedida": trad. por William Agel de Melo




Despedida


Se eu morrer,

deixai o balcão aberto.


    O menino chupa laranjas.

(Do meu balcão eu o vejo.)


    O segador sega o trigo.

(Desde meu balcão e o sinto.)


    Se eu morrer,

deixai o bacão aberto!





Despedida



Si muero,

dejad el balcón abierto.


    El niño come naranjas.

(Desde mi balcón lo veo).


    El segador siega el trigo.

(Desde mi balcón lo siento).


     ¡Si muero,

dejad el balcón abierto!





LORCA, Federico García. "Despedida". In:_____. "Canciones / Canções". In:_____. Obra poética completa. Trad. de William Agel de Melo. São Paulo: Martins Fontes Editora, 1987.

5.4.21

Diego Petrarca: "Alice ri"

 



Alice ri



Eu quero ir

com Alice

lá dentro de uma nuvem cheia

que nunca chove

Eu quero ir

com Alice

lá onde o tempo

só serve pra voar


e onde o sol

só desce

pra tomar

banho de mar


Eu quero ir

com Alice

lá onde a estrela

namora o passarinho


e onde é privilégio

se sentir sozinho


Eu quero ir

com Alice

lá onde os anjos

criam as aparências


e onde só exista Deus

nas coincidências


Com Alice

eu quero ir

eu quero rir




PETRARCA, Diego. "Alice ri". In:_____. Carnaval subjetivo. Porto Alegre: Class, 2018.


3.4.21

Waly Salomão: "Clandestino"

 



Clandestino


para Adriana Calcanhotto



vou falar por enigmas

apagar as pistas visíveis

cair na clandestinidade.

descer de pára-quedas

/camuflado/

numa clareira clandestina

da mata atlântica.


já não me habita mais nenhuma utopia

animal em extinção,

quero praticar poesia

– a menos culpada de todas as ocupações.


já não me habita mais nenhuma utopia.

meu desejo pragmático-radical

é o estabelecimento de uma reserva de ecologia

– quem aqui diz estabelecimento diz ESCAVAÇÃO –

que arrancará a erva daninha do sentido ao pé-da-letra,

capinará o cansanção dos positivismos e literalismos,

inseminará e disseminará metáforas,

cuidará da polinização cruzada,

cultivará hibridismos bolados pela engenharia genética,

adubará e corrigirá a acidez do solo,

preparará a dosagem adequada de calcário,

utilizará o composto orgânico

excrementado

pelas minhocas fornicadoras cegas

e propagará plantas por alporque

ou por enxertia.


já não me habita mais nenhuma utopia.


sem recorrer

ao carro alegórico:

olhar o que é,

como é, por natureza, indefinido.

quero porque quero o êxtase,

uma réplica reversora da república de Platão

agora expulsando para sempre a não-poesia

da metamorfose do mundo.


já não me habita mais nenhuma utopia.

bico do beija-flor suga glicose.

no camarão

em flor.


(de um livro em preparação, sem nome fixo)





SALOMÃO, Waly. "Clandestino". In:_____ "Pescados vivos". In:_____ Poesia total. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.

1.4.21

Ricardo Silvestrin: "Sacos"

 



Sacos



Estamos repletos de inutilidades,

suas, minhas,

inutilidades de família,

de valor inestimável.


Quinquilharias, ninharias,

boiando no pó, atiradas em caixas,

envelopes rasgados, gavetas.


Ninguém se arrisca a botar fora

esses tesouros de um reino perdido

entre os guardados.


Em quantos sacos de lixo,

sacos grandes de cem litros,

vai caber todo o passado?






SILVESTRIN, Ricardo. "Sacos". In:_____. "Outros cantos". In:_____. Carta aberta ao Demônio\. Porto Alegre: Libretos, 2021.