Clandestino
para Adriana Calcanhotto
vou falar por enigmas
apagar as pistas visíveis
cair na clandestinidade.
descer de pára-quedas
/camuflado/
numa clareira clandestina
da mata atlântica.
já não me habita mais nenhuma utopia
animal em extinção,
quero praticar poesia
– a menos culpada de todas as ocupações.
já não me habita mais nenhuma utopia.
meu desejo pragmático-radical
é o estabelecimento de uma reserva de ecologia
– quem aqui diz estabelecimento diz ESCAVAÇÃO –
que arrancará a erva daninha do sentido ao pé-da-letra,
capinará o cansanção dos positivismos e literalismos,
inseminará e disseminará metáforas,
cuidará da polinização cruzada,
cultivará hibridismos bolados pela engenharia genética,
adubará e corrigirá a acidez do solo,
preparará a dosagem adequada de calcário,
utilizará o composto orgânico
excrementado
pelas minhocas fornicadoras cegas
e propagará plantas por alporque
ou por enxertia.
já não me habita mais nenhuma utopia.
sem recorrer
ao carro alegórico:
olhar o que é,
como é, por natureza, indefinido.
quero porque quero o êxtase,
uma réplica reversora da república de Platão
agora expulsando para sempre a não-poesia
da metamorfose do mundo.
já não me habita mais nenhuma utopia.
bico do beija-flor suga glicose.
no camarão
em flor.
(de um livro em preparação, sem nome fixo)
SALOMÃO, Waly. "Clandestino". In:_____ "Pescados vivos". In:_____ Poesia total. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.
Um comentário:
que falta faz Waly
Postar um comentário