16.2.21

Eugénio de Andrade: "Litania"

 



Litania



O teu rosto inclinado pelo vento;

a feroz brancura dos teus dentes;

as mãos, de certo modo, irresponsáveis,

e contudo sombrias, e contudo transparentes;


o triunfo cruel das tuas pernas,

colunas em repouso se anoitece;

o peito raso, claro, feito de água;

a boca sossegada onde apetece


navegar ou cantar, ou simplesmente ser

a cor dum fruto, o peso duma flor;

as palavras mordendo a solidão,

atravessadas de alegria e de terror,


são a grande razão, a única razão.





ANDRADE, Eugénio de. "Litania". In: PEDROSA, Inês (org.). Poemas de amor. Antologia de poesia portuguessa. Lisboa: Dom Quixote, 2005.

Um comentário:

Lucas Andrade disse...

Achei lindo o "de certo modo, irresponsáveis / e contudo sombrias, e contudo transparentes". A indecisão, uma quase uma perturbação causada pelo sentimento. Como se o poeta traduzisse em palavras o que não se pode dizer.