Litania
O teu rosto inclinado pelo vento;
a feroz brancura dos teus dentes;
as mãos, de certo modo, irresponsáveis,
e contudo sombrias, e contudo transparentes;
o triunfo cruel das tuas pernas,
colunas em repouso se anoitece;
o peito raso, claro, feito de água;
a boca sossegada onde apetece
navegar ou cantar, ou simplesmente ser
a cor dum fruto, o peso duma flor;
as palavras mordendo a solidão,
atravessadas de alegria e de terror,
são a grande razão, a única razão.
ANDRADE, Eugénio de. "Litania". In: PEDROSA, Inês (org.). Poemas de amor. Antologia de poesia portuguessa. Lisboa: Dom Quixote, 2005.
Um comentário:
Achei lindo o "de certo modo, irresponsáveis / e contudo sombrias, e contudo transparentes". A indecisão, uma quase uma perturbação causada pelo sentimento. Como se o poeta traduzisse em palavras o que não se pode dizer.
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