A Mulher dos crisântemos
(sobre um quadro de Degas)
As flores
transbordam do seu vaso à mesa,
um pouco à
esquerda da tela cujas beiras
por pouco
não ultrapassam, invadindo
a moldura.
Também o seu colorido
quase
abandona a paleta da pintura
(é que o
jovem mestre ostenta sprezzatura),
mas apenas
quase. O olhar passa por elas,
pousa aqui,
pousa ali, hesitante abelha,
visita, à
esquerda do vaso, um jarro d´água,
nota um
lenço largado sobre a toalha
bordada da
mesa e ruma ao lado oposto
da tela,
para uma mulher cujos olhos
ignoram-no,
atraídos talvez por algo
que se acha
fora não somente do quadro
em que ela
se encontra, mas também daquele
em que nos
perceberia, se quisesse.
Sem saber
por que, o olhar não mais a quer
largar.
Diga-se a verdade: essa mulher
deixa a
desejar. Ela não se compara
aos
crisântemos que lhe deram a fama
a que
mal faz jus, já que se encontra à margem
do quadro, e
nem sequer inteira, só em parte.
Se é que ela
sorri, sorri com um sorriso
Em parte
encoberto, duvidoso e esquivo.
Dela está
bem mais presente ali a ausência
que a
presença. E, dado que a ausência é proteica
e tudo nada,
o olhar mal mergulha em sua
vertiginosa
superfície e flutua
de volta às
flores sobre o fundo castanho
do papel de
parede; depois, da capo.
CICERO, Antonio. "A mulher dos crisântemos". In:_____. Porventura. Rio de Janeiro: Record, 2012.
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