29.3.09

John Ashbery sobre Henri Michaux

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Apresentando a entrevista que fez com o poeta Henri Michaux, o poeta John Ashbery contou que


“Michaux não quer ser fotografado e se recusa até a permitir que um desenho que o retrate seja reproduzido. Os rostos o fascinam de modo horrível. Ele escreveu: “Um homem e seu rosto, é um pouco como se estivessem constantemente a se entredevorar”. A um editor que uma vez lhe pediu uma fotografia para publicar num catálogo, ele respondeu: “escrevo para revelar uma pessoa de cuja existência ninguém suspeitaria ao olhar para mim”. Essa declaração foi publicada no espaço que havia sido destinado ao seu retrato.


De: ASHBERY, John. "An interview with Henri Michaux". Reported sightings. Art chronicles 1957-1987. Cambridge, Mass: Harvard University Press, 1991.

19 comentários:

Nuno Rau disse...

Esta declaração está na contracorrente deste tempo em que todo mundo quer ter a sua foto estampada em algum/qualquer lugar.
Deve ser por isso que gostei tanto dela.

Cesar Kiraly disse...

Se pedem um rosto entrego uma cartografia de solo árido, uma palma de mão, um assovio de vento. E se me pedem um rosto, digo que nunca tive um, nenhum rosto para mostrar.

Um abraço,

Cesar Kiraly

ADRIANO NUNES disse...

Cicero,

Profundo e sincero! Lindo!


P.S.: gostaria de dizer que a presença do Marcelo Diniz neste blog veio engrandecê-lo ainda mais! Parabéns Marcelo!

Abraço forte em você e nesse gênio brasileiro,poeta e filósofo Cicero.


Adriano Nunes.

Antonio Cicero disse...

Que gênio, Adriano! Somos todos igualmente, como diz o Domingos da Mota, amadores da poesia.

Agora, de fato, é sempre bom quando o Marcelo aparece.

Abraços

Anônimo disse...

Antonio,


Bela postagem: melhor que qualquer imagem corporal... um poema é uma fotografia da alma, com todas as possibilidades de poses e revelações!

***VERSOS ANATÔMICOS***


Disseco os meus versos.
Que quero da vida?
Que dor revestida
De sonho atravesso?

Meço o coração
De toda palavra:
Nunca sobra nada
D'alma: não serão

Todos os sentidos
Apenas poemas,
Nessa treva extrema,
Nesse fim definido?


Beijos,
Cecile.

Domigos da Mota disse...

Caro Antonio Cícero,

Considero ética e folosoficamente de muito interesse esta posição de Henry Michaux:«Um homem e o seu rosto, é um pouco como se estivessem constantemente a se devorar». De facto, o que é um rosto?, o que é um nome?
Deixo-lhe aqui a título de comentário, um poema que tenta (pobremente), abordar essa questão:

INTRODUÇÃO À FILOSOFIA

O que é um nome?, um rosto
levantado com o lume dos dias?,
este lume que arde, arrefece,

nos consome, nos devora os ossos
taciturnos? O que é um nome
cinzelado a fogo?, esculpido

num rio de águas vivas?,
da pulsão das águas ao tumulto
das veias dilatadas, abrasivas?

Domingos da Mota

(A contragosto, tenho o meu rosto nos meus blogues, e noutro onde colaboro, mas resisti durante muito tempo a colocar lá essa parte da minha identidade. Mais importante que se conheça o rosto do poeta, para os amadores de poesia, é que se leia a sua obra).

DM

Jefferson Bessa disse...

O rosto como os olhos
delineia o que vejo:
a ti sem sombras
sem luz ofuscante.
O sonho do rosto
clama ao que olha.

Um abraço.
Jefferson

Anônimo disse...

Antonio,

Uma correção: onde se lê: "esse fim definido", leia-se: `"SEM FIM DEFINIDO"!


Grata!
Cecile.

Anônimo disse...

grato Adriano, grato Cicero, pelas palavra a meu respeito. mas saiba, sempre estou por aqui, embora raramente comentando. essa forma em surdina de minha presença que só se faz em comentário quando sinto poer contribuir, de fato, com um lago em si tão rico, é uma peculiaridade minha. acerca deste anonimato de leitor e que deixo aqui este soneto, que o Cicero já conhece:

O melhor soneto é o soneto anônimo
para o qual tanto faz se o fez fulano,
bem como tanto fez se o lê sicrano,
se assinado, somente com pseudônimo,

pois, sem nome, o soneto é sem antônimo,
e, sem antônimo, não há engano:
o melhor é o soneto que um beltrano
lesse sabendo ser de seu homônimo;

melhor ainda é o que há de se fazer,
o que, não lido, ainda mais ameaça
o prazer ou o desgosto que este dê:

o melhor é o soneto que ultrapassa,
deixando-nos tão certos de não ser
o sujeito que enfim o leia ou faça.

Forte abraço a todos.

Domingos da Mota disse...

Os meus sinceros parabéns ao poeta anónimo que aqui nos deixou o excelente soneto:

«o melhor soneto é o soneto anônimo» [...]

Gostava de conhecer a sua obra, até porque ao longo da história, alguns dos melhores poemas que nos chegaram, foram exactamente de poetas anónimos.
Se for possível obter algumas coordenadas para chegar até à fonte...

Domingos da Mota

léo disse...

O LEÃO E O MENINO

Sinto em mim o hálito do tigre.
A ilusão do que domei.
O que permaneceu selvagem.
O leão e o menino.
Um elefante dominado.
Um palhaço inexistente.
Uma foca nos trópicos.

Alcione disse...

Beijo as flores indecifráveis
Por onde passo
Cor azul dourada
Voz que se insinua
Meto-me em inventos perversos
Puxo a âncora
Viro o leme
Percorro o tempo
essa fronteira
entre o ser e a beira
Um invento uma medida
que se dá
Deixo as dores intermináveis
Do lado de lá
Que longo é o caminho do viajante
Através do deserto
Na cabeça o seu turbante
Em pleno mar aberto.

Anônimo disse...

Primeiramente, desculpas ao Cicero por meu comentário tão cheio de erros de digitação. Depois de algumas horas traduzindo, digitei levianamente as palavras, mas que fiquem como estão, sem concordância e, sintomaticamente, sem assinatura. No que vai o gancho para uma resposta ao Domingos: caro Domingos, sou poeta, letrista, professor e, atualmente, faço as vezes de tradutor. Meu nome segue abaixo. Um forte abraço e obrigado pelas palavras,

(abraço e agradecimento igual ao Cicero)

Marcelo Diniz

paulinho disse...

"Ao escrever/(...) o ego some, esfuma,/ E o nume Ninguém Nenhures é quem assume a autoria./ Há uma gota de sangue em cada fantasma?/ Açougueiro sem câimbra nos braços./ Acontece que não acredito em fatos,/ magarefe agreste,/ pego a posta do vivido,/ talho, retalho, esfolo o fato nu e cru,/ pimento, condimento,/ povôo de especiarias,/ fervento, asso ou frito,/ até que tudo figure fábula."

(waly salomão. poema: "açougueiro sem câimbra". livro: "lábia")

acho que o que o henri michaux declarou tem a ver com o que esse delicioso poeta, waly salomão, declarou no trecho do poema citado.

saudades docê!

beijo enorme!

Antonio Cicero disse...

Marcelo,

Claro que entendi que era você, tanto pelo contexto quanto pelo poema, mas achei que era melhor você mesmo entrar em contato com o Domingos da Mota. Mas não seja tão modesto. Você é um grande tradutor.

Abraço

ADRIANO NUNES disse...

Amado Cicero,


Meu novo poema:

"ENTREGA MÚTUA" (PARA BRUNO BESSA)


Prometo-te meu verso mais singelo:


Minha alegria
Descomedida,
A minha vida
Cheirando à tinta, a
Papel em branco,
Minha loucura
Angustiada


Outra coisa seria, sem razão.


Essa expressão
Sempre profunda,
Tão perigosa
Satisfação
De entrega mútua,
Eterna, elétrica,
Quase sem fim -


A poesia bruta que sou eu.



Abraço forte!
Adriano Nunes.

Lupo Lobato disse...

Genial, genial declaração... inesquecível.

Aluysio disse...

“Fotografei o perdão”
(Manoel de Barros)

Negativos

(Em parceria com Sthevo Damaceno)

Os olhos de esferas e vitrais;
De natureza morta, verde musgo
Com brilho de primaveras e cristais,
Da pincelada de Goya no escuro
(Com toda força de um muro)
Resiste a visão mecânica, futuro
Que devora o próprio filho,
Com a saliva de um louco,
Entre os dentes de Saturno.

Num gemido mudo,
O sol semeia o ventre dos vitrais:
Que mergulha nesse verde flóreo,
Parecendo corte de faca ao caule.

E como na pintura
O verde e o amarelo geram o azul,
Como um céu de sertão,
Os caminhos de Ulisses,
Ou o perdão nos olhos de um mendigo
— Pincéis de uma só tintura.

Nesse momento, não lúcido,
Os olhos de esferas e vitrais esgarçam o azul,
Até que as lágrimas brotem, como ondas,
Umedecendo a realidade que apavora.

E quando o sol se esvai
A natureza morta renasce de um cais,
Mas fica o corte do caule, na pele e na alma;

o resto é imagem.

Campos, 01/12/06

Fernando Campanella disse...

Muito interessante essa recusa de Michaux em ser fotografado, assim como sua declaração sobre o entredevoramento entre o homem e seu rosto. Acredito que, paradoxalmente, o verdadeira face de um poeta esteja naquilo que escreve, embora, segundo Pessoa, o poeta seja um fingidor.
Mas, cá entre nós, vamos admitir: a verdadeira face de uma celebridade estaria nas capas das 'Vogues', das 'Caras' e afins?
Grande abraço.